Festa
Porto, 2008
Ao voltar para casa, me senti um pouco mais calma. Pendurei minha jaqueta de frio no cabideiro ao lado da porta e pousei os remédios que havia comprado na farmácia na mesa mais próxima. A temperatura estava bem mais leve, o frio já não estava tão agoniante. Meus sapatos estavam molhados na sola e nas laterais, por conta da neve derretida.
Retirei o casaco vomitado da lixeira e o coloquei em um balde de água quente. O cheiro de vômito ainda estava infestando a casa.
Coloquei um jazz calmo para tocar enquanto limpava o piso e realizava as tarefas básicas de casa. Isso me deu um prazer momentâneo incomum, distrair a mente de toda aquela bizarrice era realmente o que eu precisava.
Ainda assim, não havia esquecido tudo que acontecera naquele dia turbulento. Quando terminei os afazeres, tomei uma dose de cada um dos remédios indicados pelo doutor e eles me deram sonolência, não liguei a televisão, fiquei pensativa e calada no canto do quarto enquanto encarava o telefone. Ligo ou não ligo?
Era tão estranho pensar em Luna agora, tinha um pressentimento enorme de que nada daquilo foi um delírio, e que ela realmente estava morta. Mas decidi não ligar, não queria confirmar minhas paranoias, neguei a verdade a mim mesma e fui dormir com a cabeça fervendo.
No dia seguinte, quando me sentei na beirada da cama e me espreguicei de braços abertos, não havia nenhum corpo morto enforcado no meio do meu quarto. Agradeci imensamente aos céus por isso.
Preciso distrair minha mente, pensei.
Poderia contar nos dedos quantos amigos eu tinha naquele país estrangeiro, nenhum. Mas conheci umas pessoas legais na Universidade de Porto, talvez alguma delas me tirasse de casa. Peguei minha agenda e cacei as melhores possibilidades.
— Natasha? — falei após o telefone indicar que a chamada tinha sido recebida.
— Oi, Amélie! Como você está? — apesar de sua voz estar com um timbre eletrônico pude sentir conforto em ouvi-la.
Trocamos cumprimentos e mantivemos amenidade na conversa pelo o que pareceu quase dez minutos. Nossos assuntos variavam entre a temperatura que estava fazendo naqueles dias, o andamento dos estudos e mais um monte de baboseiras.
— Enfim, o que acha de a gente sair para algum lugar hoje? — cortei a conversa sem sentido e fui direta ao ponto. — Estava pensando em comprar um vinho e ficar fumando maconha.
— E quando é que você não está pensando isso, Amélie? — assim que ela comentou, ficamos rindo pelo telefone. Só paramos quando ela interrompeu o momento para acrescentar. — Mas, sobre isso, infelizmente não vou poder sair hoje.
— Poxa, por que não? — minha voz saiu mais cabisbaixa do que o esperado.
— Para falar a verdade, uma garota imbecil da minha turma pediu para ter prova em uma matéria que deveria ser só trabalho, e agora um monte de gente precisa fazer essa prova, inclusive eu — Natasha fala com desdém evidente.
Continuamos a conversar por mais alguns minutos, uma despedida prolongada para manter a etiqueta, e enfim desligamos. Fiquei encarando o edredom da minha cama, prestando atenção em como meu corpo respirava lentamente e em como meus dedos eram magros e desproporcionais em relação à minha mão gordinha, igual à de uma perereca.
Minha mente estava vagando em coisas sem sentido e isso não ajudaria em nada, busquei na minha agenda o nome de uma pessoa que eu sabia que arranjaria alguma coisa para fazer.
— Vitor? — chamei entusiasmada, após o toque do telefone.
— Amélie? O que faz você me ligar, hein? — na sua voz havia um pouco de sarcasmo, ou talvez malícia.
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A Maldição de Luna
RomanceApós a recusa de ter um relacionamento amoroso com sua amiga insamente apaixonada por ela, Amélie LeBlanc recebe uma "maldição" que destrói sua vida aos poucos. Cada dia que passa ela tem uma visão que desmorona alguma parte de sua humanidade, torna...