Uma data especial: Parte I

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Menton, 2005

Naquele ano, havia acontecido uma coisa curiosa. Meu pai me chamou no quarto avisando que Luna estava no portão, corri entusiasmada até ela, fiquei deslumbrada com sua aparência ainda mais madura e definida, andamos até a casa da vó de Antonella. Quando chegamos lá, porém, não havia nenhum adulto acima de vinte e cinco anos.

Isso significa que os pais delas não foram, nem mesmo os tios, somente duas pessoas, possivelmente familiares ou amigos próximos da família, que eram um pouco mais velhos que a gente. De certa forma, quase inexplicavelmente, me senti aliviada. Não sei exatamente o porquê, mas sem tanta observação por parte dos mais velhos, o ambiente parecia mais leve...

— É como se pudéssemos ser quem realmente somos — Luna pareceu tirar as palavras da minha mente sem autorização.

Não respondi, apenas enrubesci de leve e a encarei. Seguimos pelo estreito corredor na lateral do jardim do lado da frente da casa bege que começava a mostrar sinais de envelhecimento.

No caso de uma casa, isso se repara a partir das laterais encardidas e tinta descascando, se for um bom observador, perceberá também alguns lugares que são vítimas de vazamento que deixou a parede soltando pedaços. Ainda assim, era um lugar bonito.

— Estão todos um pouco ocupados com alguma tarefa no momento, já que dessa vez, como quase ninguém veio, sobrou para gente — Luna soltou de repente, me guiando para a sala de dentro.

Sentamos no sofá de linho marrom, como eu tinha ido poucas vezes para parte de dentro da casa, dei uma olhada rápida e significativa ao redor. Havia uma mesa redonda rodeada de cadeiras de madeira num canto, próximo da cozinha que era separada por um muro limitado, a escadaria era do lado oposto e só fazia uma pequena curva, seus degraus eram de mármore claro. Na nossa frente havia uma televisão cinza com uma grande corcunda atrás, haviam algumas decorações espalhadas pelas paredes também, como retratos religiosos e berimbaus.

Curioso.

— E você? Não fará nada para ajuda-los? — perguntei, mais para implicar do que para saber realmente.

— É claro que já ajudei né sua boba, fiz isso antes para ter mais tempo livre.

— Entendi... — disse enquanto franzia o cenho para confrontá-la. — Isso quer dizer que temos tempo para ficar juntas.

— Exatamente, gênia. E não tem muitos adultos ao redor...

Fiquei tímida para encará-la. Não entendia aquela garota, nunca sabia se ela estava flertando de verdade ou apenas brincando. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa ela puxou um mp3 do bolso do short jeans.

— Olha, já que a gente não tem nada para fazer, vamos escutar música — ela falou enquanto conectava um fone de ouvido ao aparelho. —, você precisa conhecer essa banda.

Dividimos o fone e essa foi a desculpa perfeita para nos aproximarmos, controlei meu corpo para não parecer nervosa, mas eu sabia que ela sabia que eu estava.

Uma sinfonia melancólica começou a tocar, acompanhada de uma guitarra tocando acordes leves e uma bateria pesada acrescentando drama na entrada. Uma voz sofrida e forte se convidou e proferiu palavras conceituais sobre a tentação de voltar à um determinado vício. Tratava-se de uma banda de rock britânica, o sotaque não era muito notável, mas a letra era simplesmente algo que me colocava em uma situação de viajar para outro mundo, como se eu estivesse em estado de sonambulismo, prestes a deixar meu corpo. A melodia ficava mais agressiva a medida que a música avançava, por um momento eu até esqueci onde estávamos ou com quem estava. A voz do vocalista arranhava no microfone, ele estava suplicando por ajuda enquanto rogava pragas a todos que desacreditavam dele. Tudo sinfonicamente orquestrado, acompanhando o sofrimento dos sentimentos dele, como se os instrumentos estivessem chorando junto. Por fim, a música diminui em um refrão sussurrado até que virou um murmúrio indefinido e se apagou por completo.

A Maldição de LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora