Capítulo sete

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Universidade do Porto

Porto, 2008

Antes que eu sequer abrisse os olhos, senti o odor de éter impregnado no local. Estava cansada então foi complicado abrir as pálpebras e acostumar-me com a claridade do ambiente. Assim que o fiz, examinei com os olhos semicerrados o lugar. Vi que estava sentada em uma maca hospitalar e — ainda bem — não havia nada perfurado no meu braço.

As paredes estavam bege, não que elas fossem, mas o desgaste era evidente. Haviam várias lâmpadas bastões pendendo no teto acima e via-se pessoas de todos os tipos perambulando de um lado para o outro, como num escritório, porém tem a diferença de que todos usavam jalecos e ao invés de carregarem papéis e maletas, as pessoas dali transportavam feridos ou doentes.

— Finalmente você acordou! — virei-me para acompanhar a origem da voz.

Era a garota do escritório! O que ela estava fazendo ali? Por sorte ela estava vestindo a mesma roupa do trabalho, um colete azul marinho justo e uma saia da mesma cor, uma camisa social branca por baixo e um crachá com seu rosto no centro, amarrado por uma fita, exibindo seu nome.

— Cida? O que está fazendo aqui?

— É que... todos ficamos preocupados com você — disse enquanto fitava o chão, envergonhada de me encarar —, principalmente eu.

Sibilei desconfortável, sem saber como reagir.

— Olha, eu juro que a culpa não foi sua! — ganhei sua atenção.

— Mas o que eu falei... — engoliu em seco —, poderia ter lhe prejudicado de alguma forma.

— Esquece isso, está bom? Não tem a ver com o que você me disse, eu já estou mal assim há um tempo...

— Quer me contar o que aconteceu...?

Me peguei refletindo por um momento, seria bom desabafar um pouco sobre a minha dor.

— Para falar a verdade, nem eu sei ao certo...

-✻-

Agradeci imensamente à Cida — e internamente ao crachá — por ter me acompanhado e permanecido comigo todas aquelas horas. Quando a noite caiu, resolvi que simplesmente não poderia voltar para casa. Pensei em pedir para permanecer uns dias na casa da minha companheira de trabalho, ou melhor, ex companheira de trabalho. Duvido muito que eu volte para aquela empresa depois de tudo que aconteceu, mas decidi não abusar de sua boa vontade.

Então fiz o que achei o mais correto, telefonei para Natasha, que era sem dúvidas minha colega mais próxima e aparentemente a única que ainda não me achava louca, e pedi para que ela me encontrasse no campus da universidade assim que acabasse sua aula. Vesti a roupa que estava na minha mochila que Cida levara ao hospital. Era apenas uma calça jeans desbotada e um casaco vermelho grosso, mas me fazia sentir mais confortável do que o nosso uniforme de trabalho.

Tomei um táxi até a universidade e quase me peguei chorando dentro dele. O que minha mãe pensaria ao saber que eu saí de casa, do emprego e estou gastando dinheiro desnecessariamente? Acho que não era a hora de se preocupar com isso, precisava me tratar primeiro. Me resolver internamente para então solucionar as dificuldades a minha volta.

— Obrigada, boa noite — falei para o taxista antes de voltar a atenção para rua.

A lua banhava as ruelas bem asfaltadas do bairro, estava em pé na calçada de blocos de pedra, cobertas em seu meio-fio de balizadores pretos de metal. Os postes altos eram encontrados a cada dez metros e tinham seus fios se interligando acima de dez metros. Ainda assim, o lugar era bastante notório por seus edifícios renascentistas, tendo como mais bonito a majestosa universidade do outro lado da calçada na qual eu estava. Sua cor era de cinza escuro sem manchas, com portas de cerca de seis metros e uma dupla de esculturas angelicais pintadas de branco alojadas em um espaço ínfimo simetricamente separado da entrada principal. Um pouco acima, duas aberturas lapidadas em volta de uma caixa blindada que exibia uma magnífica estátua feminina com um joelho dobrado e segurando um bebê nos braços. Olhando ainda mais para o alto, via-se quatro palanques enfileirados na horizontal, mostrando quatro grandes estátuas masculinas inertes em posições semelhantes, pendendo-se como se fossem bravos guardiões. Seu comprimento total era o equivalente ao de oito ônibus de porte normal e sua altura ultrapassava com folga os postes das ruas. Um grande sino pendia em uma torre que guardava o saguão das exposições, haviam quatro passagens menores ao lado, fechadas por grades rígidas da mesma cor que a porta principal. Nas laterais do grande edifício, era possível identificar três grandes banners de bandeiras azuis vindas de cima para baixo com aberturas para as janelas, pendendo até um espaçamento de três metros do chão. O lugar era bastante tradicional, então as bandeiras eram polidas — ou trocadas — regularmente, para destacar-se os desenhos amarelos que recebiam um estilo semelhante ao da flor de lótus.

A Maldição de LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora