Capítulo nove

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Consulta III

A descoberta de Amélie

Porto, 2008

O jaleco era praticamente igual ao do antigo doutor ao qual eu fora me consultar. A sala tinha suas semelhanças também, um lugar que claramente era limpo com regularidade e com luzes fortes e brancas que iluminavam tudo ao redor. Havia grandes pôsteres exibindo imagens do interior do crânio humano nas paredes ladrilhadas e uma mesa cheia de papel. A grande diferença mesmo estava na doutora que me atendeu. Ela tinha um ar mais ameno e conciliador, como se estivesse sempre alegre mesmo que não houvesse um motivo aparente.

Isso me instigou a me abrir com mais clareza e segurança. Para ela, diferente de Natasha, eu estava contando praticamente tudo, omitindo apenas algumas coisas que me deixavam desconcertada como a aparência gloriosa de Luna e nossos momentos íntimos. Ela não só assentia como também me fazia pequenas perguntas como "em que época foi isso" e "como você se sentiu".

Obviamente tentei encurtar um pouco a história, pois estava sendo cobrada por hora, mas ainda assim a provi de bastante detalhe. No fundo eu sabia que não queria só uma opinião profissional, mas também um conselho amigável. E daí se ela me achasse maluca pelo que eu estava contando? Não é esse tipo de gente que ela lida todos os dias mesmo? Talvez eu estivesse sendo um pouco preconceituosa, mas tudo estava guardado em meu peito a tanto tempo e eu não via oportunidade melhor do que aquela para deixar o peso nas minhas costas afrouxarem um pouco.

— Olha eu sei que parece maluquice, mas eu realmente não sei como fazer isso parar e é basicamente por isso que vim me consultar com você... — dei um longo suspiro, só então percebi que havia falado com intervalos curtos demais, meu pulmão estava queimando. — E então, o que acha, doutora?

Ela se ajustou na sua poltrona e jogou o cabelo cacheado para o lado esquerdo, seus fios eram tão pretos quanto os botões de seu jaleco, e suas mãos quase tão brancas quanto o próprio jaleco em si. Era evidente que essa sua linguagem corporal repentina servia de atraso para que pudesse formular um pensamento mais detalhado. Foi nesses poucos segundos que percebi que o vento que saía do ar condicionado central estava demasiado gelado, dei uma espiadela rápida pela janela atrás dela e percebi que o dia estava quente, nada como aquela neve que assolava a cidade há pouco tempo.

— Na minha opinião, e você já deve saber disso, Luna ficou obcecada por você de uma maneira notória. Quando estão juntas, você significa tudo para ela, provavelmente mataria e morreria por você, mas quando se afastam... — ela gesticulou com as mãos, fazendo um leve barulho na mesa a sua frente. —, é como se nada tivesse importado. Nem você, nem o que vocês passaram juntas.

Engoli em seco e fitei meus pés por um momento, ficando um pouco triste de súbito por ter ouvido algo que sempre soube, mas nunca fui capaz de colocar em palavras.

— E pelo que você me disse, bem... é possível que quando você a desafiou provar seu amor por você, ela tenha destrancado algo semelhante a um complexo de possessividade. Sabe o que significa?

— Pelo nome imagino que seja quando uma pessoa, no caso ela, passa a achar que determinada pessoa, no caso eu, passa a ser propriedade dela... estou certa?

— Sim, basicamente isso. Em algum ponto ela provavelmente passou a te ver como uma coisa a se ter. Ou seja, se antes ela não se importava em estar contigo ou com quem você se relacionava... então ela passou a querer estar compulsivamente ao seu lado e negar qualquer senso de proximidade que você poderia ter com outras pessoas.

— Isso é doentio... — falei enquanto apalpava meus olhos, atordoada com tanta verdade sendo posta em palavras. — Eu meio que sei como ela conseguiu fazer eu desencadear as alucinações. Basicamente proferiu ordens subconscientes à minha mente para que eu tivesse determinada visão quando agisse de determinada maneira. E meu cérebro passou a obedecer sem hesitar.

A Maldição de LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora