Consulta III
A descoberta de Amélie
Porto, 2008
O jaleco era praticamente igual ao do antigo doutor ao qual eu fora me consultar. A sala tinha suas semelhanças também, um lugar que claramente era limpo com regularidade e com luzes fortes e brancas que iluminavam tudo ao redor. Havia grandes pôsteres exibindo imagens do interior do crânio humano nas paredes ladrilhadas e uma mesa cheia de papel. A grande diferença mesmo estava na doutora que me atendeu. Ela tinha um ar mais ameno e conciliador, como se estivesse sempre alegre mesmo que não houvesse um motivo aparente.
Isso me instigou a me abrir com mais clareza e segurança. Para ela, diferente de Natasha, eu estava contando praticamente tudo, omitindo apenas algumas coisas que me deixavam desconcertada como a aparência gloriosa de Luna e nossos momentos íntimos. Ela não só assentia como também me fazia pequenas perguntas como "em que época foi isso" e "como você se sentiu".
Obviamente tentei encurtar um pouco a história, pois estava sendo cobrada por hora, mas ainda assim a provi de bastante detalhe. No fundo eu sabia que não queria só uma opinião profissional, mas também um conselho amigável. E daí se ela me achasse maluca pelo que eu estava contando? Não é esse tipo de gente que ela lida todos os dias mesmo? Talvez eu estivesse sendo um pouco preconceituosa, mas tudo estava guardado em meu peito a tanto tempo e eu não via oportunidade melhor do que aquela para deixar o peso nas minhas costas afrouxarem um pouco.
— Olha eu sei que parece maluquice, mas eu realmente não sei como fazer isso parar e é basicamente por isso que vim me consultar com você... — dei um longo suspiro, só então percebi que havia falado com intervalos curtos demais, meu pulmão estava queimando. — E então, o que acha, doutora?
Ela se ajustou na sua poltrona e jogou o cabelo cacheado para o lado esquerdo, seus fios eram tão pretos quanto os botões de seu jaleco, e suas mãos quase tão brancas quanto o próprio jaleco em si. Era evidente que essa sua linguagem corporal repentina servia de atraso para que pudesse formular um pensamento mais detalhado. Foi nesses poucos segundos que percebi que o vento que saía do ar condicionado central estava demasiado gelado, dei uma espiadela rápida pela janela atrás dela e percebi que o dia estava quente, nada como aquela neve que assolava a cidade há pouco tempo.
— Na minha opinião, e você já deve saber disso, Luna ficou obcecada por você de uma maneira notória. Quando estão juntas, você significa tudo para ela, provavelmente mataria e morreria por você, mas quando se afastam... — ela gesticulou com as mãos, fazendo um leve barulho na mesa a sua frente. —, é como se nada tivesse importado. Nem você, nem o que vocês passaram juntas.
Engoli em seco e fitei meus pés por um momento, ficando um pouco triste de súbito por ter ouvido algo que sempre soube, mas nunca fui capaz de colocar em palavras.
— E pelo que você me disse, bem... é possível que quando você a desafiou provar seu amor por você, ela tenha destrancado algo semelhante a um complexo de possessividade. Sabe o que significa?
— Pelo nome imagino que seja quando uma pessoa, no caso ela, passa a achar que determinada pessoa, no caso eu, passa a ser propriedade dela... estou certa?
— Sim, basicamente isso. Em algum ponto ela provavelmente passou a te ver como uma coisa a se ter. Ou seja, se antes ela não se importava em estar contigo ou com quem você se relacionava... então ela passou a querer estar compulsivamente ao seu lado e negar qualquer senso de proximidade que você poderia ter com outras pessoas.
— Isso é doentio... — falei enquanto apalpava meus olhos, atordoada com tanta verdade sendo posta em palavras. — Eu meio que sei como ela conseguiu fazer eu desencadear as alucinações. Basicamente proferiu ordens subconscientes à minha mente para que eu tivesse determinada visão quando agisse de determinada maneira. E meu cérebro passou a obedecer sem hesitar.
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A Maldição de Luna
RomanceApós a recusa de ter um relacionamento amoroso com sua amiga insamente apaixonada por ela, Amélie LeBlanc recebe uma "maldição" que destrói sua vida aos poucos. Cada dia que passa ela tem uma visão que desmorona alguma parte de sua humanidade, torna...