Minha cabeça simplesmente não funcionava. Eu ouvia palavras mas elas não fazia sentido na minha cabeça. Enquanto Manoela falava sobre o prédio eu só ficava pensando em como ela conseguia disfarçar o sotaque europeu no seu tom profissional. Era estranho ver ela e ter vestígios na minha cabeça dela bebendo, vestida como uma adolescente dos anos 80s escorada naquela moto dela. Era difícil não pensar na garota que arrumou briga na balada, na que invadiu a galeria, que pulou um muro. Invadimos uma propriedade e agora ela estava na minha frente super séria vestida de maneira formal e apresentando a planta-baixa da estrutura da futura empresa.
— Esse é o plano inicial. — Encerrou Manoela, para algum projeto que eu não prestei atenção por estar focada em não entrar em pânico por ter bebido tanto com ela, por saber do saco plástico com bitucas de cigarro no seu bolso, que aquele corpo está cheios de tatuagem por baixo daquela camisa social preta. Ela parecia confortável ali, na ponta da mesa, falando sobre a ideia inicial da estrutura. Eu não entendia uma palavra que saia daquela boca. Ela olhou para mim e molhou os lábios. — O que você acha, Senhora Gadiol? Está gostando? Está com uma cara estranha, se tiver alguma reclamação eu prefiro que seja agora porque essa é a base do projeto e futuramente caso resolva querer mudar isso terei que refazer todo o desenho.
— Não, com certeza... — Falei, ajeitando minha postura, jogando meu corpo para frente e olhando os papéis cheios de gráficos com barrinhas coloridas que eu não fazia ideia do que significava. Eu apreciava o Bruno por querer minha opinião naquilo, mas apesar da empresa - no papel - ser nossa, eu não entendia nada dali. Minha área era fazendo peças de roupa e.... espera, do que ela me chamou? — Me chamou de Senhora Gadiol? — Perguntei.
— Sim, senhora. — Ela respondeu, me olhando nos olhos, mas eu sentia que ela queria rir.
— Senhora Grigio. — Corrigi. — Eu tenho um sobrenome, que venho de uma família que lutou, e eu não quero parar de ouvi-lo porque me casei.
— Okay, me desculpe, Senhora Grigio. — Ela sorriu, dando um leve sorriso com o canto da boca. — Algum comentário sobre o projeto?
— Não, está ótimo como está. — Respondi, vendo Bruno rir ao meu lado. Ele sabia que eu não fazia ideia do que era o projeto.
— Manu, tá perfeito, tá fazendo um ótimo trabalho e... — Ele começou, tentando amenizar a situação, mas Mikael abriu a porta.
— Bruno? Eu posso falar com você? É meio urgente. — Mika perguntou, parecendo agitado. O sorriso no rosto mostrava que não eram más notícias.
— Não, claro, tô indo, Gabriel, assume aí. — Bruno se levantou, indo até o Mika.
— Enfim, Manu, é isso. — Gabriel riu. — Acho que você trouxe um projeto inicial bem rápido e eu adorei a ideia de dois prédios ligados por um menor que vai servir para as aulas que oferecemos, inicialmente. É uma ideia muito boa mesmo, ia deixar tudo mais organizado porque quem gravar um ep já sabe onde ir, quem quer um curta também. É uma ideia muito boa mesmo, parabéns. — Ele encerrou, se levantando e apertando a mão dela. Saiu da sala logo depois, me deixando ali vendo ela recolher seus papéis.
— Senhora Gadiol, sério? — Perguntei, o clima ficando mais leve com só nós duas na sala, de repente, era como se nós duas estivéssemos de boa. Não era o mesmo que antes, mas era mais tranquilo. Quem diria que precisávamos só beber para resolver isso?
— Qual é, Diovanna. — Falou Manu, pronunciando meu nome com sotaque francês. — Estávamos numa reunião, normalmente chamamos um casal pelo sobrenome do marido, eu não concordo com isso, mas é assim que funciona, eu preciso manter o tom durante reuniões.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Kairós
Fanfiction"Kairós (s.m); em grego antigo: o momento oportuno, perfeito ou crucial. O acerto fugaz entre tempo e espaço que cria uma atmosfera propícia para ação." Algumas coisas nós sabemos que são feitas para ser. Sentimos no fundo do nosso coração que aquil...