"we drew a map to a better place but on that road I took a fall"

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 Me joguei na cidade como quem pulava em uma piscina. Giovanna segurava minha cintura e eu mal podia crer que aquilo estava acontecendo. Talvez, apenas talvez, ela estivesse bêbada demais para lembrar que estava brava comigo por algo que aconteceu anos atrás. A lembrança da briga era tão nítida que por vezes me esqueci que eu e ela tivemos o momento mais importante da minha vida antes daquilo. A noite estava limpa, o céu pontilhado com um milhão de estrelas com um milhão de histórias diferentes. Eu sentia como se aquela noite pudesse durar para sempre. No fundo, era como se a qualquer instante eu fosse acordar e tudo isso desmancharia diante dos meus olhos e eu estaria, novamente, deitada no meu colchão no chão do meu apartamento.

Paramos em frente a uma conveniência, um enorme prédio abandonado a frente e várias pessoas caminhando por ali, sem grandes preocupações. Era uma no início da semana, a movimentação era basicamente de universitários que foram ao show e não estavam nem aí em gastar dinheiro e faltar a aula do dia seguinte. Estacionei minha moto e caminhei até o pequeno mercadinho, precisa de mais cigarros e de cerveja.

— Moço, boa noite, me vê... — Olhei o painel, procurando o cigarro que pediria. — Marlboro, o da caixinha azul, esse aí. — Falei, pegando minha carteira e analisando os isqueiros para minha coleção. — Vou pegar duas Budweiser, quantos deu?

— Vou cobrar 20, moça. — O rapaz avisou, parecia cansado.

— Aqui, obrigada. — Falei, pegando meu cigarro e indo até o freezer buscar a cerveja.

Já com as duas cervejas em mão, sai da conveniência e abri as duas garrafas na mureta de madeira e estendi uma para Giovanna. Ela pegou e brindou sua bebida com a minha.

— Onde aprendeu isso? — Ela perguntou. — Abrir garrafas assim.

— Aprendi quando estava me tornando uma alcoólica quase expulsa da faculdade, o vício ruim acabou, mas ainda sei um truque ou dois. — Sorri, estendendo a cerveja.

— Uau. — Ela disse. — Você quer falar sobre essa época da sua vida?

— Talvez daqui duas cervejas. — Brinquei, mas era verdade. Talvez um pouco mais alterada que isso eu fale.

Sentamos lado a lado naquela mureta de madeira e ficamos observando a rua. Estar com Giovanna naquele momento era ter uma juventude que não podemos ter. Os inúmeros desencontros da nossa vida nos tirou muita coisa. Apesar de todos os momentos que vivi ao lado dela, muita das coisas nos foi tirada, proibida, dificultada. Respirei fundo, analisando o prédio a nossa frente com mais atenção.

— O que era para ser aqui? — Perguntei, não conseguindo identificar a construção.

— A pergunta certa seria o que era aqui. — Giovanna se aproximou de mim, parecendo mais sóbria agora. — Era uma galeria de artes. Houve uma infiltração de água a alguns anos e todo o prédio ficou parado com promessa de reforma. Nunca aconteceu. Tiraram e refizeram toda a parte que molhou e mofou, mas nunca fizeram o acabamento para voltar a ativa.

— Uau, uma galeria de arte? — Pensei um pouco. — Acho que vi notícia sobre, era a Galeria Abigail de Andrade, não era? Eu vi notícia disso enquanto estava na França, uau, foi um estrago enorme, o governo não cuidou disso?

— Manu, até parece como funciona as coisas por aqui: Enquanto houver pressão, tem ação. Assim que a mídia fecha os olhos, o povo larga. Foi assim com o museu, foi assim com a vereadora, foi assim o catador de latinhas que escolheu um péssimo dia para andar com um Pinho Sol em mãos.

— Eu sinto tanto por isso. — Suspirei fundo. — O que fizeram com as artes que eram expostas?

— Eu... eu não sei. — Ela franziu o cenho. — Tem grandes chances de nunca terem sido tiradas daí. — Olhei a construção por mais alguns segundos e respirei fundo antes de propor:

KairósOnde histórias criam vida. Descubra agora