"i want to hide the truth, i want to shelter you"

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AVISO: Esse capítulo contém um tentativa de suícidio, se isso for um gatilho para você, pule para as notas finais e vejam um resumo do capítulo.

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 Eu perdi a conta de quantas horas passei naquela lanchonete com Manoela. O papo simplesmente foi rendendo, um suco virou três, riamos muito, conversávamos muito. Esqueci do trato que iria embora em algumas horas, porque estava tão envolvida nas coisas que ela dizia. Manu sempre teve esse jeito meio único de ver o mundo e agora me contava histórias sobre lugares onde nunca fui com tantos detalhes que parecia que eu os tinha visitado tantas vezes, sentia até os cheiros das flores. A noite foi se alongando junto com a gente, ela resolveu sentar do meu lado para continuarmos conversando sem precisar falar tão alto. O perfume era tão igual e diferente ao de antes que eu me sentia nostálgica e surpresa ao mesmo tempo. Enquanto conversamos, a TV da lanchonete estava ligada. Não estávamos prestando atenção, até que:

Um dos donos da M&S, Gabriel Calamari, é o principal suspeito da agressão do jovem Giovanni Dopico. O crime aconteceu na madrugada do dia 20, na saída de uma boate onde fazia uma festa especial para o público LGBT.

— É o Gabriel! — Gritei, pegando meu telefone na hora para ligar para ele. Manoela encarava a TV com o cenho franzido e surpreso. Ele atendeu a ligação logo no segundo toque. — Gabe?

Oi, Gi... — Ele atendeu, parecia que estava chorando. — Gi, eu....

— Eu vi na TV, você tá em casa? Eu tô indo aí agora. — Olhei para Manoela, abrindo minha carteira.

— Não ouse, eu pago. — Ela me impediu. — Vai, ele precisa de você.

— Desculpa por isso, Manu, eu preciso ir. — Me aproximei dando um beijo no rosto dela e saindo da lanchonete rapidamente.

xxx

— Oi, Gabe. — Disse, entrando na casa dele e o abraçando forte. Ele morava num apartamento simples, todos os móveis eram rústicos, ele não vivia no luxo. — Como está se sentindo?

— Eu não, Gi... — Ele se sentou. Notei, que na cozinha dele havia um rapaz sentado mexendo em alguns papéis. Notando meu olhar, Gabriel continuou: — É meu advogado, Senhor Paiva.

— Já disse para me chamar de Juan. — Ele riu, parecendo concentrado nos papéis.

— Eu não me sinto bem. — Calamari o ignorou, continuando a contar a história. — Eu jamais faria uma coisa dessas, você sabe. — Ele falou. — Eu nem sequer estava lá, eu estava aqui, eu estava em casa, mas pelo visto eu e o Juan não consegue achar uma prova para comprovar que eu não saí de casa dia 19.

— O que ficou fazendo aqui no dia 19? — Perguntei.

— Eu vi TV e dormi. — Ele disse se sentando. Eu acreditava nele, mas era uma desculpa muito esfarrapada para dar aos policiais. — Eu não lembro o que passava na tv, eu ando me lembrando de muita pouca coisa. — Me lembrei que ele não estava indo na empresa. O que estava havendo com o Gabriel? — Eu estou tomando remédio para dormir, mas mostrar o laudo médico só me complica porque "surtos de raiva" está incluindo.

Respirei fundo, me sentando ao lado dele e notando que o espelho da sala estava quebrado. Talvez fosse um dos surtos de raiva, já que a mão dele também estava ferida. Nada naquela situação parecia livrar ele daquilo. Juan continuava a trabalhar na cozinha enquanto eu tentava consolar meu amigo. Pela casa, vi alguns quadros de fotos antigas. Um único quadro dele com a família toda tinha o vidro quebrado. Notei que a casa era mais escura do que deveria, com móveis sempre puxando para tons sombrios. Gabriel também parecia mais magro que o normal. Me senti culpada, por não ter notado antes que ele não estava bem. Passei minha mão nos cabelos dele, porque eu sabia que ele gostava, mas logo nos primeiros segundos já senti fios se soltando e enroscando na minha mão. A TV estava ligada, em loop na reportagem. Mostrava as imagens de segurança onde mostrava nitidamente alguém que se parecia muito com ele. Barba, cabelo, traços. A denúncia tinha sido feito por um anônimo. Uma testemunha que disse que viu tudo, porque o rapaz pediu um táxi daquele lugar e disse que se chamava Gabriel. Também disse que o agressor estava agitado, parecia que estava sob o efeito de cocaína. Meus olhos varreram a sala, vi um calendário onde ele anotava todos os compromissos. Nenhum dos sábados tinha qualquer compromisso. Ele era adventista, me lembrei. Num estalo na minha cabeça, isso me fez ver a TV e ver que não tinha como ele estar na rua as 2 horas da manhã de sábado.

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