"era provar pra todo o mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém"

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 — Desculpa o atraso. — Falei, quando eu e o Bruno chegamos na casa do meu pai.

A casa dele ficava numa rua qualquer, porém, era uma rota alternativa de uma avenida principal, e hoje estava particularmente cheia por um show que teria por perto. Eu e Bruno não tínhamos falado muito depois da confissão dele, mas aquilo continuava martelando na minha cabeça. Afinal, no fundo, eu era a maior vilã do meu romance com Manoela. Estava aérea, sem foco, queria passar o resto da noite deitada na minha cama olhando o teto e refletindo sobre. Pensar nisso fazia reabrir a mesma ferida com uma nova faca. Agora, a dor não era porque eu a mandei embora. A dor era porque se eu realmente não ligasse para minha própria sexualidade, eu não teria me proibido por tanto tempo de estar com ela e não teria desistido tão fácil. A história havia mudado. Eu realmente a amava como achei que amava? Como eu poderia dizer que a amava se eu não queria assumir para ninguém que estava com ela? Espera, eu e Manoela já estivemos juntas?

— Filha? — Meu pai chamou, devia fazer alguns longos minutos que eu estava parada na porta. — Não vai entrar?

— Vou, vou sim. — Balancei a cabeça. — Estava só distraída. — Entrei logo, o impedindo de falar sobre. Bruno estava em algum já na sala, vendo a TV no canal de esportes, coisa que ele odiava.

— E ai, Brunão, viu o jogo de ontem? — Meu pai perguntou, sempre tentando fazer o Bruninho se interessar por futebol, ou basquete, ou até mesmo vôlei feminino, mas só porque as meninas de shortinho eram incríveis - mas eu ficava mais animada com esse fato do que meu marido. Pensando agora, a confissão dele de mais cedo fazia todo sentido. Bruno nunca pareceu atraído por uma menina. Ou por alguém. Apesar que lembro de um episódio na nossa infância envolvendo ele e o Matheus. Os sorrisos, os olhares...

Bruno negou com a cabeça e meu pai pareceu desistir do assunto e foi para a cozinha. Mantive meus olhos no Gadiol, analisando seu comportamento.

— Vai ficar me encarando? — Bruno perguntou, mas minha cabeça voltou anos atrás, quando Manoela me fez essa pergunta. Por alguns segundos, meu chão deixou de existir e eu sentia como se voltasse para o banheiro do meu colégio. Balancei a cabeça. Me sentei ao lado dele, querendo conversar.

— Eu queria te pedir desculpas. — Falei, abraçando ele. — Eu não sabia que eu não conseguir lidar com isso era tóxico para você.

— Gi, é que... — Bruno me abraçou de volta. — Não é querendo dizer que eu posso dizer o que você é e deixa de ser, mas eu sou seu melhor amigo. Eu me casei com você. Eu moro com você a quatro anos. Eu sei que não foi um fase e queria que você enxergasse isso também.

— Eu vou pensar nisso, ursinho. — Me aconcheguei nele, vendo o programa.

— Quer que eu mude pro vôlei feminino? — Ele perguntou, fazendo carinho no meu cabelo.

— Com toda certeza, desculpe Neymar. — Brinquei, enquanto ele tirava do jogo de futebol.

— Os pombinhos vão passar o dia no sofá? — Meu pai perguntou, voltando da cozinha.

— Foi um dia cheio, pai. — Falei, sentindo os ombros pesar.

— Como tá na empresa, filha?

— Eu e a Ana conseguimos a oportunidade de criar uma linha de peças para uma estação. Se der certo, vai se tornar uma linha fixa. Renata tá colocando bastante confiança na gente. — Falei. Renata era minha chefe.

— E a criatividade tá fluindo?

— Tem que fluir, né.

— Vocês dois são muito corajosos por trabalhar com algo tão incerto, sabe? Mexer com arte e essas coisas exige uma criatividade constante, é muito instável e esse mercado nunca se sabe as tendências, vai saber o que inventam amanhã ou depois. — Fechei os olhos, sabia aquele discurso. E sabia onde ele ia parar. — Acho que você devia fazer outra faculdade, sabe, filha? Só para segurança, sei lá, cursar enfermagem, letras... você também, Bruno, podia fazer medicina, direito.

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