Estar em uma festa aos 24 anos me trouxe a sensação nostálgica de ter dezessete outra vez. Corpos balançavam com copos levantados, guiados por uma batida frenética e alta. Estávamos em um loop de dançar envolvidos numa atmosfera interna, graças a fumaça de gelo seco e holofotes em tons frios que me faziam sentir que o chão já não existia. O show não havia começado e eu me perdia na pista de dança, sem nem olhar em volta. Eu tinha ido para outro planeta ouvindo a música que parecia vir de dentro da minha cabeça alterado pela bebida doce que tinha uma cor nova a cada vez que eu olhava. Não faço ideia de onde tinha visto Bruno pela última vez, meus olhos abriam de leves de acordo com os reflexos das luzes. Eu poderia fazer um milhão de analogias sobre corpos vazios e copos cheios, mas no momento, eu só sabia pensar em como eu não estava bêbada o suficiente para ainda criar analogias. Me dirigi até o bar e olhei o moço, que me sorriu de canto.
— Algo me diz que ainda não está satisfeita. — Ele falou.
— Eu ainda consigo pensar. — Falei, rindo e esperando ele colocar algum drink no meu copo. Nisso, senti alguém trombar em mim. Me virei. Alguém vestido jaqueta jeans escura e os cabelos presos em coque estava com as mãos para cima, em sinal de trégua. Tentei me virar, mas a pessoa continuava sendo pressionada contra mim. Senti um cheiro conhecido, mas não conseguia definir. Mentolado, com toda certeza.
— Você é doido, porra?! — Um homem brigava. — Você derrubou minha cerveja, garota, quem você pensa que é?
— Olha, você estava incomodando a menina! — A pessoa que era empurrada contra mim falou. A voz me parecia conhecida. Um timbre que com certeza eu não estava ouvindo pela primeira vez - e nem pela última.
— E o que você tem a ver com isso, sapatão?
— Eu podia ser até judas agora, eu não te deixaria tocar um dedo naquela garota sabendo que ela não quer.
— Cuida da tua vida, garota estúpida!
— Se você parar de ser um babaca, eu posso tentar.
— Eu vou quebrar essa tua cara!
Um segurança apareceu e puxou o cara que estava arrumando encrenca, que saiu gritando coisas e esperneando. Porra, o que foi aquilo? Tinha acabado de tentar abusar de uma garota, era isso? A pessoa atrás de mim se virou e me encarou.
— Olha, me desculp..... — A frase morreu como quem desliga o teclado elétrico no meio da nota. Manoela Aliperti, vestindo como quando tinha dezoito anos me encarou. Senti meu estômago gelar. — Giovanna.
— Manoela. — Respondi, o clima entre a gente era outro. O silêncio durou um longo período, mas me deixei levar pela coragem alcoólica. — Acho que temos que ter um diálogo mais longo do que só nossos nomes.
— Ah, tu achas? — Ela sorriu, de canto, seu sotaque era novo, diferente. Parecia descontraído, diferente do tom profissional de quando a vi na empresa, quase como se lá ela estivesse calculando as palavras e como as pronunciaria, e agora, só as colocava para fora. Uma garrafa de Itaipava Premium estava na mão, pela metade. Revirei os olhos e me escorei no balcão. — O que foi?
— Eu só não consigo aceitar que você morou na França por anos e ao voltar ainda gosta de cerveja ruim. — Provoquei, pegando meu copo com o garçom e agradecendo a bebida. Coloquei o canudo na boca e deu um longo gole, sentindo o sabor doce novamente e a garganta queimar com o álcool. Olhei o copo, agora, a bebida parecia roxa.
— Francamente, não nos falamos por anos e teu primeiro comentário é sobre a minha cerveja? — Manu se escorou ao meu lado. Minha mente agora estava ainda mais sem controle.
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Kairós
Fiksi Penggemar"Kairós (s.m); em grego antigo: o momento oportuno, perfeito ou crucial. O acerto fugaz entre tempo e espaço que cria uma atmosfera propícia para ação." Algumas coisas nós sabemos que são feitas para ser. Sentimos no fundo do nosso coração que aquil...