"essa distância me fez querer voltar, voltar a ser criança"

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 Eu nunca me atraso. Era uma das maiores características de adulta séria que eu tinha: sem atrasos. Mas lá estava eu, me atrasando para chegar na empresa no dia mais importante: Era fim de julho, eu tinha que apresentar meus desenhos hoje para produzirmos as peças em agosto e participarmos do desfile de primavera em setembro. Justo hoje, meu celular não tocou despertador. Bruno estava passando mais tempo em casa, já que eu estava corrida com o serviço ele foi cuidando das crianças. Bruno estava mais confortável com elas, mas a vontade. Era bom saber que ele se acostumou com a ideia de ter que ser pai. Mas tínhamos tido uma conversa sobre: Ele não queria ser pai agora. E eu respeito isso, vamos nos divorciar e quero ele como padrinho das crianças. Lá estava eu, estacionando meu carro correndo numa cafeteria, curiosamente era onde Helena tinha arrumado um emprego. Aproveitando que não havia fila, corri rapidamente para o balcão.

— Gi? — Ela perguntou, um tanto surpresa comigo.

— Oi, Lena, eu quero um... café, puro, copo grande, por favor, eu estou atrasada, e... um pão de queijo, isso. Por favor. — Pedi, procurando a carteira na minha bolsa. — Eu acho que eu esqueci a carteira no carro. — Falei para ela.

— Eu vou na sua casa hoje a noite e você me passa, okay? — Ela sorriu, pegando a própria carteira e adicionando doze reais ao caixa. — O café grande é 9, o pão de queijo é 3. — Ela concluiu o pedido, focada no monitor à sua frente. — Só aguardar aqui do lado. — Lena sorriu. Agradeci e fiquei esperando no balcão. Abri meu celular, analisando o grupo da empresa e respondendo as mensagens de Ana sobre onde eu estava e quanto tempo faltava para chegar. Digitei uma resposta avisando que estava pegando algo para comer no caminho. Escutei o sino da porta abrindo e senti um cheiro conhecido no ar, mas estava tão concentrada que nem notei isso. Recebi um áudio dela, me afastei um pouco do caixa para ouvir.

"Gi pelo amor de Deus vem logo o Luis e a Isa tão tentando ganhar a situação no sorriso mas a Fernanda quer ver o que temos para aprovar ou ela vai ver outra equipe para participar do evento" — Porra. Fernanda tinha mais compromissos, eu preciso chegar logo. Alguém se escorou ao meu lado, esperando o pedido. Guardei o celular no bolso, e escondi meu rosto nas mãos, meu corpo estava cansado. Terminei a última peça perto das duas da manhã. Respirei fundo, um cheiro familiar no ar. Resolvi olhar para o lado, vi uma garota, de blusa branca com as mangas curtas dobradas, um jeans justo rasgado e um coturno preto. Os fios bagunçados na altura do ombro e uma franjinha. Ah, não. Era Manoela. Era exatamente Manoela. Ela então me olhou, e tudo ficou em câmera lenta. Eu a vi molhar os lábios e abrir a boca devagar com um leve sorrisinho de canto.

— Eu... eu acho que o seu pedido está pronto, senhorita. — Ela pronunciou. Que? Olhei para minha frente e vi o funcionário com meu pedido me encarando um tanto desconfortável.

— Obrigada. — Falei para ele, e olhei para Manoela novamente. — Obrigada.

Então, me virei, indo em direção a porta. Fui direto para onde estacionei o carro. Oh, não. Droga, eu não acredito nisso. O pneu do carro estava murcho. No chão. Como isso foi acontecer? Hoje definitivamente não era meu dia. Peguei meu celular, abrindo o aplicativo do uber. O preço estava alto. Recebi uma mensagem do aplicativo de trânsito, que a avenida principal estava com um congestionamento absurdo. Respirei fundo, estava dando tudo errado.

— Ei. — Manoela me chamou, saindo da padaria. — Parece que você tem um problemão aí... É a esposa do Gadiol, não é? Giovanna? — Ela perguntou, bebendo um copo médio de alguma coisa.

— Sim, sim... É Giovanna. — Respondi, fingir que não a conhecia facilitou a situação.

— Quer ajuda para trocar o pneu? Eu trabalhei de assistente de mecânico por um tempo.

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