Kairós

"e assim, tudo muda, mesmo sem mudar"

 — Você é insuportável. — Falei, vendo Manoela rindo sentada à minha frente na mesa de reuniões da empresa do Bruno. Eu estava lá para acertar alguns detalhes do projeto enquanto o Bruno produzia um ep com o Mika, que tinha conseguido a ligação de um produtor famoso querendo investir nele e pediu um ep com 5 faixas para ele ouvir mais do trabalho e ver com o estúdio se iriam produzir o álbum. Era para ser algo fácil, mas era simplesmente impossível falar com ela te olhando fixamente enquanto mastiga um chiclete e sorri de ladinho e ainda faz piada toda vez que você se atrapalha.

— Qual é, não tô fazendo nada, estou prestando atenção, eu não tenho culpa se você gaguejou. — Ela apoiou a cabeça na mão. — Continua, estou te ouvindo. — Pediu, me olhando como se estivesse sendo super divertido me irritar.

— Como eu ia dizendo, os locais de gravação podem ser mais próximos, porque muitas vezes são trabalhos feitos juntos ou simultaneamente...

— Uhum...

— ... E os escritórios de edição podem ser mais distantes...

— Uhum...

— ... Precisamos de várias caixas de som e todas as salas de produção e edição com uma acústica boa. — Continuei, olhando o papel das exigências do Bruno e do Gabriel. — E com uma iluminação natural legal para poupar energia durante o dia.

— Uhum...

— Você vai fazer "uhum" para cada informação que eu passar?? — Bufei, vendo ela rir de novo.

— Você fica uma graça irritada. — Ela disse, fechei os olhos, não acreditando no elogio. — Okay, desculpa, tudo anotado.

— Você não tá nem com papel e caneta, garota.

— Calmaí, tudo anotado aqui. — Ela bateu o dedo na cabeça. — Tu se irrita muito fácil, nossa. — Ela cruzou os braços, fechando a cara. Era cedo, e ela estava tentando deixar o clima descontraído e leve, da maneira mais irritante possível, mas ainda era uma tentativa. E eu estava de mal humor por algum motivo. Respirei fundo, eu precisava manter a calma.

— Desculpa. — Falei.

— Só desculpo se sair comigo hoje a noite. — Olhei para ela, sem acreditar. — Qual é, vai morrer se ir tomar um suco comigo?

— Você tá me chamando para um encontro?

— Se sair para tomar um suco for considerado um encontro para você isso significa que sua vida tá bem parada. — Manoela riu, cruzando os braços. — Qual é, é só para tomar um suco. E se ver fora daqui.

— Tá chamando a sua chefe para tomar um suco, sabendo que ela está se divorciando na empresa do ex-marido dela? — Perguntei, sem acreditar em tamanha ousadia mas me interessando pelo convite.

— Olha, falando desse jeito eu fico sem graça. — Ela coçou a nuca e eu posso jurar que seu rosto corou. — Acabei de chegar na cidade praticamente, conheço poucas pessoas, você deve ser a pessoa mcom que eu mais falo além da Karina, e a Karina é uma workaholic.

— O que te faz pensar que eu estou livre hoje a noite? — Perguntei, vendo até onde o charme dela conseguia ir.

— Nada, na verdade, mas se você me disser que só pode duas da manhã, por cinco minutos numa pausa de um desenho para outro, eu posso ir na sua casa com um suco que eu mesmo fiz sem problemas. — Ela sorriu, revirei os olhos. — Agora ficou estranho, né? Parece que eu quero muito te ver. — Ela olhou para o chão. — Quando você puder, okay?

— Te encontro às 17:20h naquela cafeteria que te vi naquele dia e a gente toma um suco, pode ser? 18:30h eu quero estar chegando em casa, porque eu tenho uma pilha de trabalho para resolver.