Num apartamento de um dos piores prédios do bairro estava Ayumi Saito. Ela encontrava-se deitada num colchão velho, manchado e amarelado pelo tempo, coberta por um lençol vermelho de tecido ruim que fazia ela se coçar toda. As janelas de madeira apodrecida e a pintura descascada nas paredes gastas eram algumas das piores características daquele lugar. Em volta do colchão, pacotes de salgadinhos e outras comidas cobriam o chão empoeirado. No teto, aranhas passeavam pelas incontáveis e longas teias repletas de moscas mortas e outros insetos. O apartamento só possuía três cômodos: além de um banheiro, uma cozinha e um quarto que eram separados por um balcão de madeira. Não havia geladeira, apenas um fogão de quatro bocas enferrujado e uma pia rasa de mármore branca e alguns armários cujas portas de madeira rangiam. Estavam cada vez mais devoradas pelos cupins.
Apesar de ser um lugar horrível para se viver, Ayumi não ligava, afinal ela havia passado mais um ano num orfanato nojento em Kameoka. Tanto que ela mal se importava em limpar o apartamento.
Como não possuía muito dinheiro, o jeito era viver naquele lugar por enquanto. Todo o mês a ruiva recebia de Jackie Whiteman uma quantia razoável de dinheiro para pagar o aluguel e comer. Para não levantar suspeita de sua situação, Ayumi focava em manter sempre sua boa aparência, deixar seu uniforme sempre limpo e cheiroso e levar um almoço decente para a escola, feito com ingredientes comprados com o pouco que lhe restava do aluguel. Para lidar com o momento em que ela estava passando, a ruiva tentava se manter sempre alegre e positiva, principalmente na frente das pessoas. Porém, ela estava séria e pensativa naquela noite. Deitada, encarando o teto, ela tentava espremer alguma ideia do cérebro. Passava das onze da noite e Ayumi estava há duas horas naquilo sem conseguir bolar um plano para ajudar a Mayu.
Desanimada, ela levanta e vai até a pia da cozinha lavar o rosto. Com um pano de prato ela o seca. Ayumi abre um dos armários e pega um copo descartável (usado por ela incontáveis vezes) e toma um pouco da água da torneira. Já abatida e cansada, ela volta para o colchão. No momento em que acomoda sua cabeça no travesseiro ela ouve seu celular tocando. Ayumi se estica para pegar o aparelho, que estava carregando sobre uma cadeira velha. Ela fica surpresa ao ver quem ligava.
-Jackie? - Ayumi se senta no colchão acomodando as costas na parede.
-Oi Matsui... - disse calmamente. Pela voz parecia arrependido. - Olha, me desculpe por hoje mais cedo. Eu não tinha a intenção de te chamar de puta ou algo assim. É que você me ligou numa hora ruim. A polícia tinha descoberto minha localização então eu tive que fugir às pressas. Eu tava estressado e muito puto... E pra piorar você tinha me pedido a porra de uma bomba!
-Eu entendo.
-Enfim, eu não sei o que caralhos você quer explodir, mas eu cobrei alguns... não, vários favores e eu consegui um explosivo de poder razoável. Ele pode ser seu se você me der um bom motivo pra eu te dar.
-Quer um motivo?
-Sim. Quero saber para quê você quer essa bomba.
-Certo. Acho que é justo. Bem, você sabe que nesses últimos meses eu tive um problema com mulheres e com a depressão. Fiquei muito tempo achando que nunca iria existir alguém capaz de me amar de verdade, mas recentemente eu encontrei! Virei amiga dela e me declarei. Sinto que posso conquistá-la, mas tem algumas pessoas que querem fazer mal à ela, e eu preciso da bomba para dar um jeito nessas pessoas. É isso.
-Matsui, esse papo de "estou fazendo por amor" não está colando.
-O que mais eu posso dizer? Não tenho nenhum outro motivo... A Mayu é a minha vida, e se algo acontecer a ela eu não vou ter mais ninguém para quem viver... Nada para quê lutar... Nenhum motivo para continuar suportando viver nesse lixão, subsistindo apenas de besteiras baratas... Nem mesmo tendo um jantar decente... Uma vez até tive que roubar alguns ingredientes para meu bento!
-Sabe, eu odeio gente dramática.
-Ah, vai se foder! Será que você nunca amou?!
-Claro que já...
-A Mayu é o meu motivo! E se isso não for o suficiente então eu vou te dar outro motivo, por que se você não me der a bomba para eu ajudar quem eu amo então vai me dar para eu explodir essa pocilga comigo dentro!
-Dramática...
Ayumi chora ao telefone.
-Matsui, eu quero que você preste atenção. Você conhece o Tokyo Solamachi?
-Claro. É uns vinte minutos de ônibus daqui. - Ayumi enxuga suas lágrimas com o braço.
-Então. Amanhã às quatro da tarde em ponto um contato vai te entregar a bomba.
-É sério mesmo...?
-Sim Matsui, é sério. Eu sei como é não conseguir proteger alguém. Não pude evitar a morte do meu melhor amigo, o seu pai. Eu acho que você não merece esse sentimento.
-Obrigada. De verdade, obrigada. - Ayumi sorriu.
-Como eu estava dizendo, meu contato estará te esperando sentado num banco. Ele estará de jaqueta de couro, calça marrom e touca preta. É um sujeito de barba, e um pouco mais alto que você. Será que você vai ser capaz de identifica-lo?
-Com certeza.
-Ótimo. Ele estará esperando por uma moça ruiva de vestido branco, então apareça assim.
-Eu não tenho um vestido branco.
-Então trate de arranjar um. Mais uma coisa: eu espero que tudo dê certo então se você precisar de mais alguma coisa peça agora.
-Hmm... Dois disfarces seriam de grande ajuda.
-Vou ver o que posso providenciar. Agora eu quero que você ouça bem o que eu vou lhe dizer. Você sabe que eu acompanho todas as notícias, inclusive as de menos relevância, portanto se eu souber que, por qualquer motivo, seja lá o que você vai fazer deu errado, eu irei destruir esse telefone e você nunca mais ouvirá falar de mim de novo. Eu vou fugir e nosso contato será zero. E se por acaso você for presa e disser meu nome para a polícia, eu serei obrigado a te matar. Você entende isso, certo?
-Eu compreendo...
-Você entende, Matsui?
-Sim Jackie, eu entendo...
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Mayu
Mystery / ThrillerNo friends, no life. Essa era a vida de Mayu Yamazaki, uma estudante de 16 anos que vivia sua vida sendo torturada por três colegas de classe que só faziam aquilo por diversão. Ela vivia apenas com a perpétua esperança de que tudo poderia ser melho...