O Garoto que morreu

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Como o dia que tem seu fim, Sakura também teve o seu. Quebrou o pescoço. Virou passado.
Se tivesse caído de outro modo, de pé, ou até de bunda talvez tivesse sobrevivido. Mas como "se" não escreve história, ela estava morta.
Mayu entrou em pânico quando viu o corpo da loira esborrachado no chão de concreto. Sua boca sussurrava repetidas vezes "sou uma assassina" enquando sua mente tentava confortá-la afirmando "foi apenas um acidente", criando um conflito interno.
Com medo, ela saiu de fininho da escola como se nada tivesse acontecido e rezando para que ninguém tivesse a visto. Mas alguém viu ela. Ayumi sorriu quando viu o que a amiga havia feito mas não ficou lá para ser percebida.
Enquanto o sol se punha no horizonte, Mayu caminhava no meio da rua deserta imaginando o que sua mãe pensaria dela se descobrisse o que ela fez. Ela ainda estava digerindo o tinha acontecido e se perguntando como uma coisa dessas foi ocorrer logo com alguém como ela. Paranóicamente já idealizava seu nome e sua foto em noticiários sensacionalistas.
Por um momento Mayu parou no meio da rua e pensou quase que dando um sermão nela mesma: "o que estou fazendo indo pra casa numa boa? Eu deveria ter ido à Polícia me entregar!". Num segundo ela deixou o pensamento de lado e continuou a caminhar. Mesmo sabendo que fez algo de errado, sua mente não media esforços para parar pesar. Certamente ela não iria até a polícia. Se fosse a antiga Mayu, a Mayu de um mês antes ela faria a coisa certa sem hesitar. Mas aquela garota que seguia para a sua casa com um quase inexistente peso na consciência era diferente da antiga menina ingênua.

Chegando em casa ela não disse nada. Ficou indiferente o tempo todo, jantou com sua mãe, assistiu o noticiário para ver se haveria alguma notícia que não veio sobre o ocorrido de mais cedo e, antes de dormir, teve uma curta conversa com sua mãe na sala.

-Filha.

-Sim? - disse Mayu calmamente.

-Você conhece a mãe do Tadashi? A Akemi Maeda?

-Pessoalmente não. Só de vista. Por quê?

-Eu a vi no mercado hoje. A pobrezinha ainda está arrasada. Me disse que a família dela vai se reunir em sua casa amanhã à tarde. Parece que eles vão fazer uma reunião para rezarem pelo primeiro mês da morte do Tadashi. Ela pediu pra você aparecer por lá se puder. Acho que você deveria ir já que não foi o funeral dele.

-Eu entendo. Irei com prazer.

Hinata ia se retirando da sala até que se lembrou de outra coisa que deveria dizer a sua filha.

-Ah sim, já ia me esquecendo. O doutor Yoshida ligou. Os resultados do seu check-up vão chegar amanhã então quando sair da casa dos Maeda faça-me o favor de busca-los no hospital, tudo bem?

-Sim senhora.

O relógio digital em cima do criado mudo da Mayu marcava nove e meia da noite quando ela se deitou. Yamazaki se acomodou debaixo do cobertor e desligou seu abajur. Tentou fechar os olhos e dormir mas não conseguiu. Sem conseguir pensar num jeito de adormecer Mayu ficou encarando o teto com um olhar vidrado. Seus olhos estavam completamente abertos e ela quase não piscava. Quem a visse naquele momento pensaria "que olhar frio e sem vida". Naquele lugar Mayu, sem ter outra coisa para se distrair, viu em sua mente imagens do que aconteceu à tarde na escola. Imagens da Sakura já sem vida com o pescoço quebrado e com os olhos esbugalhados. Mas estranhamente Mayu não sentia nada ao ter essas lembranças. Raiva...? Felicidade...? Tristeza...? Medo...? Não. Mayu não sentia nada. Mesmo sabendo que tirou uma vida, mesmo sabendo que em algum lugar da cidade tinha uma mãe chorando por ter perdido sua filha, Mayu adormeceu tranquila com um vazio que semanas antes era preenchido por medo e tristeza.

No dia seguinte Mayu acordou sem ter muitas lembranças de antes de dormir na noite passada. Ainda de pijama ela foi à cozinha onde se deparou com sua mãe falando ao telefone. Hinata parecia preocupada.

MayuOnde histórias criam vida. Descubra agora