Capítulo Nove

232 25 2
                                    

A chuva caía de forma violenta, Atlantic estava muito fria. As ruas desertas, apenas algumas pessoas correndo com guarda-chuva na mão ou casacos cobrindo a cabeça.

Entrei no cemitério, um dos meus guardas segurava o guarda-chuva para que eu não me molhasse. Minhas mãos estavam enterradas nos bolsos do casaco grande e pesado preto, caminhava calmamente até onde ficava a lápide de Micayla. Logo encontrei, com diversas flores e velas, agora apagadas. Eu sorri de lado com alguns papéis que pareciam ser cartinhas, sorri de lado e me virei para o outro soldado, ele me entregou o buquê de petunias. Deixo a mesma sobre a cova, respirando fundo. Abaixei a cabeça, fechando meus olhos. Meu coração se contorcia de dor. Minha mente projetava lembranças nossas, divertidas, tristes... Inclusive a de quando estávamos no cofre naquele dia.

"Tem pessoas gritando, Cameron! Pelo amor de Deus, alguém tem que fazer alguma coisa!"

Sua voz era tão real na minha cabeça, sua feição de desespero, como ela se debatia em meus braços, querendo se soltar e sair daquele cofre. Engoli cada gota de lágrima, não querendo chorar, pelo menos não ali. Respirei fundo, por fim, lembrando de quando ela pisou em meu pé e ultrapassou os guardas e correu escadas acima, empurrando a porta e correndo em direção dos supostos gritos. Lembro dos sons dos disparos, em como o grito da minha mãe foi estridente, e como o soco que dei no guarda que não me deixava ultrapassar foi forte. Eu queria muito ter impedido.

Abro meus olhos, murmurando um "adeus" e me virei para sair dali. Minhas mãos voltaram a se enterrar no bolso do casaco, a cada passo que eu dava, me sentia cada vez mais perdido. Mas sabia que deveria parecer determinado por fora. Era horrível sentir dor e não poder demonstrar. O soldado abriu a porta do carro para eu entrar e eu o fiz, agradecendo em tom baixo. Logo que a porta é fechada e eu sinto o ar quente que o ar condicionado propõe, minhas costas parecem serem carregadas por algo pesado, me curvo, apoiando meus cotovelos nos meus joelhos. Cubro meu rosto com minhas mãos frias, respirando fundo diversas vezes.

Por que a cada dia que se passava eu sentia que a dor ficava maior? Que a saudade aumentava? Cubro minha boca com as mãos e levanto os olhos, vendo o caminho que o motorista tomava para o castelo. Respiro fundo e jogo a cabeça para trás, sentindo-me exausto, necessitando por um dia inteiro na minha cama, apenas para pensar, analisar minha situação. Após o episódio de desespero de Lindsay, eu com certeza não queria me casar com ela. O fato era que eu não queria me casar, eu não queria que outra mulher se deitasse comigo em minha cama. Aquele espaço era da minha irmã, apenas.

Chegamos no castelo e eu me tranquei no escritório, mesmo sem trocar de roupa. Eu apenas queria ficar trancado ali com minhas lembranças. Peguei uma garrafa de whisky e me servi uma dose, me jogo na minha cadeira, encarando os diversos papéis na mesa de problemas do reino, progresso e retrocesso das cidades e estados. Respirei fundo tomando o gole inteiro de whisky, me servindo de mais. Comecei a trabalhar, mesmo com meu peito cheio, desejando os braços da minha mãe. A tristeza me assolava, eu olhava para todos os lados e me via completamente sozinho.

As horas se passavam voando, acabei perdendo o jantar mais uma vez. Após muitas tentativas da minha mãe de me fazer comer, ela desistiu. Alcançou quase meia-noite, a garrafa de whisky estava já vazia. De repente, de uma hora para outra, apareceu Hazel em minha cabeça. Esfrego minhas têmporas, tentando entender a atração forte que eu sentia por aquela garota. Eu gostava de receber a atenção de seus lindos olhos azuis, adorava ver o sorriso se projetando em seus lábios. Era incrível. Levanto a cabeça ao ouvir as batidinhas e eu permiti que entrassem e me assustei quando vi que era Hazel. Uau, isso era surreal.

- O que faz aqui? - Perguntei, balançando a cabeça.

- Desculpa a interrupção, mas... ouvi a rainha falar com a minha mãe sobre você não querer comer - Ergo uma sobrancelha, ela se aproxima e estende para mim um bolinho. - Para não dormir de barriga vazia.

Eu sorri com o gesto, peguei o bolinho e dei uma mordida. Era de chocolate com gotas de chocolate. Eu me levantei e tirei meu casaco, deixando-o sobre minha poltrona.

- Fica até tarde aqui no palácio? - Perguntei, me encostando na minha mesa, enquanto mordia mais um pedaço do bolinho.

- Na verdade deveríamos ter ido embora há muitas horas, mas estava chovendo muito e minha mãe está sem guarda-chuva - Eu balanço a cabeça em afirmação. - Tomou aquilo tudo sozinho?

Ela perguntou, pegando a garrafa de whisky, eu dou risada e concordo com a cabeça.

- Sou forte para bebidas, raramente fico alterado - Ela deu risada e balançou os ombros. - O que quer fazer após terminar a escola?

- Eu não sei... minha mãe é louca para que eu faça medicina no exterior, mas na verdade, quero fazer artes aqui na Universidade de Artes de Atlantic mesmo.

- Hum... você desenha? - Perguntei, curioso, podendo ver o lindo sorriso projetar em seus lábios.

- Sim! Mas desenhos infantis, como de desenhos animados... mas é algo que eu sinto que vai me fazer feliz - Eu sorri de lado, adorando ver como seus olhos brilharam.

- Eu também desenho, mas gosto de fazer rostos humanos - Falei. - Parei tem um tempo, estou sem tempo. Te dou o total apoio de fazer o que vai te deixar feliz. Vai por mim... ser infeliz é ruim demais.

Nós dois rimos, eu terminei meu pequeno bolinho e limpo minhas mãos e boca.

- Você é infeliz, majestade? Sabe, olha o tamanho desse palácio, é podre de rico, e é muito lindo! Como que alguém como você pode ser infeliz?

- Sabe, Hazel... isso é algo que ouço diariamente. Mas nunca consegui responder com 100% de certeza. Mas agora te respondo: eu não quero ser rei - Seus olhos se arregalam em surpresa. - Esse cargo apenas me faz lembrar mais da minha irmã, e a pressão de ter uma rainha... apenas me faz ainda mais infeliz. Eu não quero ter uma rainha, e também não quero uma coroa. Eu gostaria apenas de poder ver minha irmã sendo rainha, porque ela sim tinha jeito.

- Eu acho que não - Olhei Hazel com uma sobrancelha erguida. - Eu também acho que você tem jeito, mas você está dizendo que não tem. E se a princesa Micayla não tivesse, mas fizesse o mesmo que você, e apenas segurasse toda a dor desse cargo? Talvez ela se sentisse assim como você, e assim como você ela vivia sorrindo e esbajasse alegria, mas na realidade ela estivesse enlouquecendo com toda a pressão.

- Ela tinha o Kyle, que a amava mais que ama a si mesmo - Suspirei, esfregando as mãos em meu rosto. - Eu não tenho ninguém, Hazel. Apenas a mim.

Ela ficou em silêncio, levantei minha cabeça e olhei seu rosto. Ela me olhava com atenção, mas não sabia o que dizer. Respirei fundo e me levantei.

- Você... pode me abraçar? - Perguntei hesitante, com a voz por um fio.

Hazel me olhou surpresa, mas balançou a cabeça em afirmação. Eu me aproximei meio sem jeito, mas finalmente passo meus braços ao redor de sua cintura e a abracei, suspirando pesado contra seu ombro. Ela passa os braços pelo meu pescoço, era tudo que eu precisava. Um abraço sincero. Eu apenas precisava de um abraço sincero, e eu de alguma forma me sentia extremamente confortável sendo abraçado por ela. Apertei-a em meus braços, desejando nunca solta-la.

- Muito obrigada - Falei baixo perto do ouvido dela, beijando suavemente seu ombro. - Eu precisava muito disso.

- Eu estou aqui para quando precisar - Ela diz bem baixinho, eu me afastei, com um sorriso pequeno nos lábios. - Preciso ir.

- Tudo bem, obrigada pela companhia.

- Sempre que precisar... Sei lá - Eu ri dela, que se despediu com um aceno de mão e deixou o escritório. Suspiro, fechando a porta e me sentando novamente, me sentindo incrivelmente mais leve.

Futuro ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora