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Kenny

Mais um cigarro.

Doze no total, só naquele fim de tarde.

Eu estava fodido, mas por enquanto a sensação era boa.

Talvez eu até conseguisse sentir meus pulmões protestando, mas eu os calava com mais uma tragada.

Podia fazer a mesma coisa com meu fígado, e, enquanto pensava nisso, virei mais uma dose da mesma bebida dourada de minutos atrás. E a sensação da garganta queimando era igualmente incrível.

Era um domingo, o que significava que não havia ninguém no prédio, então resolvi me refugiar no meu local de trabalho. Falando assim, eu pareço um covarde - e talvez eu seja mesmo - mas só de pensar em ouvir Rachel falar novamente sobre os preparativos para o casamento, meu corpo todo estremeceu.

O sol estava se pondo e não pude deixar de pensar que era uma ótima vista. Privilegiada demais, e senti nojo ao pensar isso.

A imagem do garoto invadiu novamente a minha cabeça. Ele estava machucado demais.

Era inocente demais.

Não tinha nada.

Pensei em mim mesmo.

Tinha imóveis demais, carros demais.

E fazia viagens demais, todas sem sentido.

Nunca me aproveitara do dinheiro de ninguém. Como alguém poderia fazer isso? E a imagem de meu pai viera rápido demais em minha cabeça.

Para todos em minha volta, eu tinha muita sorte. Meu pai era um dos políticos mais aclamados - e isso me fazia pensar em como ele conseguia esconder bem as coisas. Minha mãe era diplomata, herdeira de um legado inimaginável. Eu não sabia o porquê de ter escolhido trabalhar com a mesma coisa que meu pai, mas no fundo, era para provar que eu conseguia ser melhor fazendo o que ele fez a vida inteira, seguindo passos diferentes dos dele.

Sempre fui acostumado a conviver mais com os empregados do que com um dos dois, mas não significa que eu procurava realmente manter um diálogo com qualquer um deles. Eu era o herdeiro, o único, não podia me dar ao luxo de ser considerado algo a mais que isso; e acredito que sei disso desde que nasci, como uma verdade irrefutável, porque nem lembro se alguma vez exigi algum sentimento mais concreto e acolhedor que geralmente é dirigido à crianças, como eu era na época.

Eu estava entediado demais e agora já estava escuro.

Ao sair do prédio, um vento gelado atingiu o meu rosto, que estava suando devido às bebidas.

Eu havia conseguido fazer com que Stuart não me esperasse do lado de fora. Ele era desesperado para fazer seu trabalho corretamente, e eu não ligava para isso, pois sabia que nunca o demitiria, porém, nunca havia deixado que ele soubesse disso.

Eu estava andando pelas ruas, não estava cambaleando, pois não estava bêbado o bastante para isso, porém, desejei que estivesse, e que tudo ao meu redor fosse embaçado demais para ser enxergado. Eu não era uma celebridade, mas ainda sim, uma figura pública, e, ao pensar na cara do velho Carter se me visse nesse estado agora, soltei uma risada para o ar. Uma menina que passava ali me lançou um olhar assustado e andou mais rápido. Eu continuei gargalhando.

Eu estava andando e não sabia para onde.

Mas não me importei, qualquer coisa era melhor do que chegar em casa e ver Rachel em cima da minha cama. Nós ainda não morávamos juntos, mas ela insistia em permanecer mais na minha casa do que na dela. Por isso eu havia comprado pontos de refúgio. Eram apartamentos, só meus. Ninguém sabia nem da existência deles e eu pretendia que continuasse assim por muito tempo. Quando eu não ia para meu gabinete, era em um deles que eu estava. Vocês devem estar se perguntando por que mais de um apartamento, mais de um ponto de refúgio. E isso eu posso responder com umas simples palavras. As vistas. Nenhum tinha vistas iguais, e eu havia planejado exatamente que vista eu queria para cada um.

JackOnde histórias criam vida. Descubra agora