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Jack

– Eu não acho que o Scar seja um completo filho da puta.

– Fala sério! Ele matou o próprio irmão!

– Os filmes sempre manipulam muito a imagem do vilão, fazem acreditar que ele é um personagem inválido, que só serve para ser o antagonista da história. Em relações de poder, qualquer um se parece com o Scar, ninguém é tão puro quanto os protagonistas...

– Mas eles criam uma versão melhor da vida real, um mundo menos hipócrita.

– Mas a vida não é isso. As crianças que assistem essas coisas vão acabar crescendo com muitas expectativas sobre o lixo de mundo em que vivemos, e isso é uma droga. E como você explica a segregação existente no reino do Mufasa? As hienas não são totalmente vilãs por seguirem a cadeia alimentar atribuídas à elas. Ok, o Scar é metódico, egoísta e cruel, mas isso todos nós somos, não é mesmo?

– É um filme infantil, Kenny! – Falei, me inclinando em sua direção e sorrindo.

– Ah, fala sério. Você que me fez assistir O Rei Leão.

Enquanto Kenny e eu tínhamos uma discussão madura sobre O Rei Leão, o barulho da cidade lá fora passava quase despercebido e contidos raios de sol marcavam o crepúsculo. Eu estava sentado entre suas pernas e encostava minhas costas em seu abdômen.

– Por que você não vai pegar um pedaço daquela torta de chocolate na geladeira? – Ele perguntou, se espreguiçando.

– Porque eu não quero me levantar daqui. – Respondi e me aconcheguei ainda mais junto à ele.

Ficamos assim por um tempo. Tudo era reconfortante. O contato de nossos corpos, o calor que emanava de sua pele e o som de sua respiração.

– Está começando a ficar frio. – Eu disse.

– É.

– Talvez a gente devesse vestir outra coisa além de apenas cuecas.

– Sim. – Ele falou, um pouco distante.

Depois de um tempo sem falar nada, perguntei:

– Você tá dormindo?

– Quase.

– Você pode fazer isso quando eu for embora.

Forcei meu corpo a levantar e se afastar daquela zona de conforto que era Kenny quando estava relaxado. Vesti meu short e fui na cozinha beber alguma coisa, eu já estava bastante acostumado para saber onde tudo estava, afinal, haviam passado cinco meses agora.

Quando voltei à sala, ele havia acendido o quinto cigarro daquele dia.

– Você podia dormir aqui hoje.

– Você sabe que eu não posso.

– Porra, Jackie, você já tem 19 anos agora.

– Você prometeu que não me chamaria assim quando estivesse brigando.

– Eu não tô brigando. – Ele falou, dando uma tragada no cigarro.

– Você sabe que não daria certo. O Dylan sabe de tudo, e ele não quer que eu durma aqui...

– Ele é um babaca. – Falou, me interrompendo.

– Não fala assim dele.

– Fala sério. – Ele levantou do chão e veio para perto de mim, dando uma tragada generosa no cigarro e assoprando na minha cara, me fazendo tossir.

– Vá se ferrar. – Eu disse, quase brincando.

– Não fui eu que te ensinei isso, Jackie.

– Eu gosto quando você me chama assim.

– Eu sei.

Eu me lembro muito bem de quando resolvi contar ao Dylan, ele não gostou muito de saber que o irmão mais novo estava namorando um cara e que era dez anos mais velho. Quando achei que estavam na hora de eles se conhecerem, convidei Dylan e Sarah para jantar no apartamento, e contei para Kenny quando faltava apenas 20 minutos, ele quase me matou ali mesmo. Eu fiz o jantar, adorava cozinhar naquela cozinha enorme do apartamento de Kenny. Dylan gostou menos ainda de Kenny quando soube que ele era ministro, e Kenny gostou ainda menos de Dylan simplesmente porque ele não foi com a cara dele. Sarah, como eu, estava lá para esfriar as coisas.

– Então, você tem irmãos? – Sarah, perguntou, sorridente.

– Não. – Talvez Kenny não estivesse se esforçando muito para ser simpático, mas eu sei que ele foi com a cara de Sarah.

O jantar já estava acabando, e eu estava agradecido por isso.

– Você mora aqui? – ela perguntou, analisando a casa, boquiaberta.

– Não.

– Uou, e quantas casas dessa você compra com o dinheiro que não é seu? – Dylan sussurrou, porém, foi audível para todos na mesa.

– Dylan! – Sarah repreendeu.

E aí, eu soube o que viria antes mesmo de acontecer. Kenny não se incomodava com muitas coisas que pensassem ao seu respeito, mas talvez o seu ponto fraco era ser remediado à uma imagem corrupta, todos os seus preceitos sempre foram contra qualquer prática que envolvesse tal perfil, talvez o lembrasse muito a imagem de seu pai, a qual ele necessitava se distanciar.

Kenny explodiu.

– Filho da... – Ele levantou, avançando contra Dylan, lhe dando um soco. Dylan tentou revidar e eles ficaram nessa briga enquanto Sarah e eu tentávamos afastá-los.

Lembrando disso, eu sorri involuntariamente. Era quase engraçado agora.

Kenny jogou o cigarro no cinzeiro da mesa de centro e me envolveu com os braços, me beijando e me trazendo de volta à realidade.

– Eu tenho que ir agora, falei para Alec que o ajudaria a procurar um emprego melhor.

– Alec, o drogado?

– Não fala assim dele. – Falei, jogando uma almofada em seu rosto.

– Você não quer dar uma passadinha no quarto de novo? – Ele falou com um olhar malicioso.

– Dessa vez, não. Eu realmente tenho que ir. – Falei, vestindo minha blusa.

– É, eu também.

Enquanto eu andava pelas ruas, que conhecia muito bem agora, fiquei pensando em como o tempo havia passado rápido e quanta coisa aconteceu. A barriga de Sarah já estava enorme e eles decidiram não saber o sexo do bebê, Dylan torcia para que fosse um menino. Eu havia descoberto que Alec estava se drogando quando peguei ele cheirando alguma coisa no banheiro da fábrica. E quando dois caras estavam batendo nele por causa do dinheiro que estava devendo, eu que paguei a quantia e cuidei dos seus machucados. Ele queria largar o emprego na fábrica por outro que pagasse melhor. Eu o havia feito prometer que não compraria nada que não pudesse e que tentaria reduzir o consumo, me sentia responsável por meio que fiscalizar o vício dele. E faria o possível para que se recuperasse.


Oi, então, eu nunca assisti O Rei Leão (desculpem se parece que eu não tive infância), enfim, tive que fazer umas pesquisas sobre o filme para não fazer comentários pertinentes, então me desculpem se tiver algo não condizente com o filme. Aí vocês devem estar se perguntando "Por que você simplesmente não assistiu o filme?", aí eu respondo, não subestimem a habilidade que eu tenho em tornar as coisas mais difíceis.

Espero que tenham gostado do avanço cronológico que eu fiz na história.

JackOnde histórias criam vida. Descubra agora