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Kenny

– ... e você acha que ele está progredindo?

– Eu realmente não sei. Ele não me conta muita coisa. – Jack respondeu, enquanto expressava preocupação no rosto. Ele estava inquieto enquanto falava sobre Alec, o amigo viciado dele.

– Talvez ele esteja relutante demais para conversar com você.

Jack havia me contado sobre como descobriu que seu melhor amigo estava envolvido com vícios e brigas. Eu podia sentir de longe a preocupação que emanava de sua expressão. Talvez um de seus defeitos seja se preocupar demais com as pessoas ao seu redor, porém, eu quase me solidarizava com sua sensibilidade, ele era algo como um fogo ardente devastando a imensidão gelada presente em mim, havia sempre uma aura de positividade em sua postura que quase frequentemente me atingia.

Estava sentado no sofá, ao meu lado, com os joelhos juntos ao peito, as juntas de sua mão estavam brancas de tanto pressionarem a pele de seus braços, que estavam cruzados junto ao seu corpo inquieto.

– Ele nunca falou muito comigo sobre isso, e ele ficou realmente irritado quando eu paguei o dinheiro que ele estava devendo e...

– Espera aí... Jack, você pagou o dinheiro por ele?

– É claro que sim, o Alec não tinha como pagar, e quando eu vi aqueles caras batendo nele, quase surtei de desespero.

Eu quase sabia o motivo oculto da exasperação de Jack. De alguma forma, ele se sentia inteiramente responsável por Alec, talvez se sentisse obrigado a evitar que ele se tornasse algo parecido com as obstinadas falhas de seu pai.

– Eu achei que você estivesse juntando o dinheiro para ajudar a sua mãe, Jack... você não pode ser tão solidário sempre... você sabe que precisa do d...

– Eu sei! Eu sei, Kenny, mas eu precisava ajudar o Alec, e eu não me arrependo disso. – Ele me interrompeu e pude perceber o quanto estava impaciente. – Eu não podia ser egoísta ao ponto de ignorar o fato de que ele precisava de mim, ele é orgulhoso, nunca me pediria ajuda, e eu nem quero pensar o que aconteceria com ele se aqueles caras continuassem procurando-o.

– Então deixa eu te ajudar também, você sempre recusa a minha ajuda...

– Porque eu não preciso, Kenny!

O céu escuro contrastava com as luzes artificiais incessantes. Não falei mais nada sobre o assunto, não queria brigar novamente por causa disso.

– Achei que você tivesse uma reunião hoje com os "Investidores entediantes que precisam transar". – Ele falou em um tom afiado.

– Foi adiada, eu acho.

– Sabe o que eu estava pensando? – Ele murmurou, depois de algum tempo. Fiz sinal com a cabeça para que ele prosseguisse falando. – Há muito tempo, eu fui com minha mãe e a Camila em um parque natural fora da cidade. Não é longe, na verdade é bem perto, você deve conhecer. Enfim, é incrível! Então, eu estava pensando se a gente não podia ir qualquer dia desses. Sabe, juntos. Nós raramente saímos. Eu até já planejei mais ou menos como poderia ser. Daqui a duas semanas, tem feriado e eu não vou trabalhar. Se a gente saísse daqui umas 8h, provavelmente chegaríamos lá às 9h, e então...

– Jack. – Isso não era bom, ele não podia querer sair daqui. – Não vai dar certo.

– Por que? – Havia tanta decepção em sua voz que quase me convenci a voltar atrás. Por mais que tentasse manter certa passividade, os cantos de sua boca puxados para baixo entregaram a sua insatisfação,

– Eu vou trabalhar.

– Mas é feriado, Kenny!

– Não para mim.

– Você... não quer sair comigo. – Ele falou devagar, como se a compreensão o estivesse acertando em cheio, gastando suas energias.

– Jack, você sabe que eu não posso. Se alguém visse...

– Eu já entendi. – Ele se levantou, se afastando de mim.

– Jackie, não seja tão dramático, eu...

– Eu só quero ir embora.

Eu não queria que ele fosse, eu nunca queria que ele se afastasse, mas sabia o quanto estava sendo repulsivo com ele.

Ele saiu em um silêncio inquieto, me deixando sozinho, apenas com o toque incessante do meu celular ao fundo. Era meu pai.

Eu nem precisava atender para saber do que se tratava.

– Alô.

– Você é um irresponsável, Kenny. Eu falei que você precisava ir para aquela reunião. Todos os investidores estavam esperando pelo "Grande ministro das relações exteriores", mas você nem ao menos ligou para mim, me fez passar constrangimento acreditando que viria. O que vão pensar? Que eu nem ao menos conheço meu próprio filho para saber onde ele está? Eu não me importo que você seja um bêbado viciado idiota. Pode beber o que você quiser, contanto que não estrague a conduta das políticas externas! É seu dever conduzi-las. Há uma diplomacia, Kenny, e você é o responsável por ela! É uma das posições mais elevadas, como pode ser tão irracional a ponto de desprezar assim o esforço que fiz para colocá-lo lá? Como você é imprestável.

Ele não precisou falar mais nada para me deixar na merda. O jeito que ele articulava as palavras e como todas soavam sem vida, quase sem exclamações, e como elas era dirigidas a mim, era pior do que um soco na cara.

Eu desliguei o telefone e o joguei. Minha mão se dirigiu para a primeira coisa que vi no balcão e arremessei na parede, produzindo um estrondo quando quebrou, quase satisfatório.

Não sei como – na verdade, eu nunca sabia – mas uma súbita série de movimentos me levou ao êxtase da embriaguez. Não me preocupei em pegar copos. Eu me sentia um covarde por minha necessidade de desconexão com mundo agora. Mas eu precisava sentir a sensação de queimação quando a bebida descia pela a minha garganta e de não lembrar de mais nada depois.

O ardor penetrante do líquido percorrendo o meu esôfago deveria me incomodar, mas não reajo com nenhuma careta ao virar ainda mais aquela garrafa contra a minha boca.

Certa vez, percorri meus olhos por um artigo intitulado de "Perigos da ingestão excessiva de álcool", era um artigo científico, não tinha um título convidativo, nem tentador, nem poético. Apenas relatava os perigos da ingestão de álcool, nada mais. Era inteiramente inconveniente em um lugar onde era necessário a desvinculação de cada lembrança causada por um dia abarrotado de falsas esperanças. E depois vi o mesmo artigo abarrotado dentro de uma lixeira, onde se via os dizeres "elimine o desnecessário", e eu concordei que deveria ter estado ali há muito tempo.

Eu não queria acordar cedo amanhã, eu não queria trabalhar.

Mais um gole, esse foi menos ruim.

O casamento seria daqui a três meses. Deveria ter sido há dois meses, mas o pai de Rachel decidiu que deveria dar um tempo a mais para terminar de resolver algumas burocracias a respeito da parcela de ações de sua empresa que seriam concedidas à Rachel, e o casamento poderia esperar. Bem, eu nunca me senti tão agradecido à ele.

Mais um gole.

Eu só conseguia pensar em Jack.

Eu não queria ter que ver a sua expressão quando descobrisse tudo. As coisas foram longe demais quando eu comecei a necessitar de sua presença cada vez mais, e eu fui absolutamente egoísta em deixar que elas chegassem à esse ponto. E agora eu magoaria Jack. O pensamento de acabar logo com aquilo rondava minha mente, como poderia deixar de pensar nesse revés? Eu teria que conta-lo a verdade, aí seria nosso fim, isso era certo. Eu estava apenas tentando adiar o nosso fim, e isso era errado de todas as formas.

Outro gole, maior dessa vez. Me fez tossir.

JackOnde histórias criam vida. Descubra agora