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Jack

   Os dias pareciam longos demais, e na maioria das vezes, eu só queria que eles acabassem logo.

   Como eu havia faltado um dia sem nenhuma explicação, o chefe começou a me olhar feio os dias seguintes, e os outros garçons ficavam se cochichando. Eu não tinha interesse e animação para entrar nas conversas, então eu passei a ser o alvo delas. Eu percebia quando eles paravam de falar quando eu me aproximava. Já haviam passado dois meses e tudo continuava do mesmo jeito.

   Hoje, o dono fecharia o restaurante mais cedo devido ao velório de seu pai, ao que parecia. Então, às 17h06 eu já estava trocando de roupas e indo para casa. Quando cheguei, notei que só meu pai, Sarah e Jimmy estavam lá. Eu sabia que Dylan e mamãe estavam trabalhando, e Camila devia estar vindo da escola.

   Meu pai estava no sofá, contando um dinheiro. Na verdade, era muito dinheiro. Em um súbito momento, entrei no quarto, Sarah estava lá, lendo um livro para Jimmy. Ela estava completando o último mês, então não podia fazer muito esforço. Fui direto para atrás do guarda-roupas, onde eu escondia meu dinheiro. Não havia nada. Voltei para a sala rapidamente, sem esconder a minha raiva.

   – Caralho, moleque, você assaltou um banco? – Meu pai falou ao me ver, se levantando e colocando meu dinheiro em seu bolso.

   – Esse dinheiro não é seu.

   – É claro que é, eu sou seu pai, tá maluco?

   – Me dá o dinheiro.

   – Vai trabalhar, moleque.

   – Me. Dá. O. Dinheiro.

   Ele se virou e começou a ir em direção à porta. À essa hora, algumas lágrimas já estavam se formando nos meus olhos, porque eu sabia que ele não me escutaria.

   – Me dá, pai, por favor... – Eu implorei, com a voz tremendo. – São os salários dos meses que eu trabalhei, eu não gastei nada. Tá tudo aí. Por favor, pai, por favor...

   Ele virou um pouco a cabeça, mas depois voltou a andar para a porta.

   Eu não deixaria ele apostar o meu dinheiro.

   Em um movimento rápido, eu corri em sua direção e pulei em suas costas, tentando derrubá-lo. Eu estava gritando para ele me devolver o que era meu.

   Sarah havia saído do quarto com Jimmy ao seu lado, nos olhando preocupada.

   – Parem! Jack, pare, por favor! – Ela pediu. Eu sabia que ela estava grávida e não podia ficar nervosa, porém, eu não podia deixar ele sair daqui.

   Em um momento de distração minha, ele se soltou de mim e eu caí no chão. Achei que ele iria embora agora, mas ele se virou para mim e eu vi um punho vindo em direção ao meu rosto. Doeu instantaneamente.

   – Por favor... por favor... meu dinheiro...

Ele me puxou pelo cabelo e tacou minha cabeça na parece. Eu conseguia ouvir os grito de Sarah ao fundo, mas não sabia o que ela estava falando. Minha visão estava escurecendo. Minha cabeça estava doendo muito e senti algo quente escorrendo pelo meu cabelo. Entre os borrões, lembro de ver meu pai se levantando e chutando minhas costas em uma tacada final. Uma dor se espalhou pelo meu corpo e, antes de fechar os olhos, vi ele saindo pela porta e Sarah vindo em minha direção.

***

   Quando acordei novamente, percebi que tudo estava muito silencioso e que meu corpo todo estava doendo. Virei a cabeça, grunhindo um pouco de dor, e vi que Dylan estava dormindo ao meu lado, sentado no chão e escorado na cama de Camila. Ele devia ter adormecido enquanto esperava eu acordar para ver se eu estava bem.

   Lembrei do que havia acontecido e uma tristeza profunda me atingiu, que nem o soco que meu pai havia dado. E, juntamente com isso, vieram as lembranças dos dias anteriores, e as lembranças de Kenny, que eu tentei tanto afundar na minha mente. Algumas lágrimas desceram, e depois, muitas. Até chorar doía. Tentei não fazer barulho para acordar Dylan, mas as lágrimas não paravam de vir. Ele deve ter me escutado, porque no segundo seguinte, estava com os olhos meio abertos e uma expressão meio grogue, que logo se tornou séria e atenta ao me ver em tal situação.

   Por mais que o quarto não fosse tão iluminado, eu sabia que ele havia percebido que eu estava chorando. Tentei limpar as lágrimas instantaneamente, e meu rosto doeu intensamente quando eu esfreguei minhas mãos nele, me fazendo gemer um pouco de dor. Eu não gostava de chorar na frente dos outros, me fazia sentir vulnerável diante delas, e eu não queria que sentissem pena de mim.

   – Ei, moleque, você quer que eu pegue alguma coisa para você? – Ele sussurrou, quase carinhosamente demais.

   – Não precisa me tratar como um bebê. – Eu falei, rindo um pouco em meio às lagrimas e ignorando a dor na minha bochecha e no meu queixo quando eu elevava os cantos da boca.

   – Eu não acredito que ele te bateu assim. – Ele falou, com ódio explicito na voz. Eu fiquei em silêncio, não sabia o que dizer, nem queria dizer nada. – Por que ele fez isso?

   – Dylan... – Eu tentei começar a falar, porém, mais lágrimas começaram a descer e agora eu estava chorando demais. – D-desculpa... eu não consigo... falar... dói demais.

   – Espera, espera. Fica calmo. Não precisa falar agora. Olha, eu vou na cozinha pegar água pra você, tá?

   – Ele... ele pegou... meu dinheiro, Dylan... todo o meu dinheiro.

   – Que você juntou do trabalho? Puta merda, Jack. Eu vou acabar com esse filho da puta.

   – Dylan... é o nosso p-pai.

   Depois de um tempo, começamos a conversar, sussurrando. Ele estava tentando me distrair da dor e eu estava pensando em como conseguiria dormir novamente. Por fim, não sei como, ele me perguntou:

   – O que aconteceu com você e aquele ministro babaca?

   – Nós não demos certo. – Resolvi ser sincero. Às vezes, parecia que não, mas Dylan reparava em tudo, e ele conseguia saber quando eu não estava bem. – Eu não sei se quero falar sobre isso, Dylan.

   – Por que...?

   – Ele tem... uma noiva.

   Eu contei tudo, e algumas lágrimas teimosas ainda caíam pelos cantos dos meus olhos.

   – Como esse idiota pôde fazer isso com você? Caralho, eu vou quebrar ele inteiro!

   – Eu resolvi... apenas esquecer isso tudo. – Doeu falar aquilo em voz alta. Resumir a relação que tive com Kenny apenas a "isso". Me fez pensar em como a vida pode ser tão imprevisível e cruel. Ele foi uma das únicas coisas realmente boas que aconteceram nesse período, e eu nunca tive nada tão bom por tanto tempo, e quando tive, foi tirado de mim da maneira mais cruel. Não houve um adeus, nem uma conversa final. Eu não lembrava muito bem qual fora nossa última conversa, mas tinha certeza que naquela hora eu não sabia que devia ter valorizado tanto o momento. O pior era que eu não conseguia sentir aquela raiva devastadora de fins de relacionamento, eu não conseguia sentir nada negativo em relação a ele. E eu queria sentir algo que não fosse o grande vazio do meu peito. Talvez, no momento, eu estava até secretamente agradecido por estar sentindo a dor nos meus músculos e no meu rosto. Porque eu estava finalmente sentindo alguma coisa.

JackOnde histórias criam vida. Descubra agora