Inícios e fins

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Era incrível como Alice às vezes tinha umas ideias de jerico. Em uma surto mirabolante, ela achou que seria interessante passar um fim de semana no meio do mato para, segundo ela, "nos conhecermos melhor". Eu já estava com a minha paciência quase no fim. Que cilada, Júlia. Um acampamento não deveria entrar em cogitação. Mas devo admitir: a vista era linda. Havíamos chegado apenas há algumas horas e eu já estava esgotada.

— Alice, é só uma foto. Precisa mesmo demorar isso tudo?

Pude ver um sorriso travesso em seus lábios.

— Uma boa fotografia é considerada arte. Não atrapalhe o meu momento artístico!

Revirei os olhos.

— Você vai embora amanhã e insiste em perder tempo com uma foto.

Ela veio caminhando na minha direção segurando o celular como se fosse um troféu.

— Já tirei.

— Quando?

— Você revirou os olhos, já tirei.

Bufei de raiva e peguei o celular das mãos de Alice.

— Por que diabos você tirou uma foto minha revirando os olhos? Era pra você tirar da paisagem!

— Cada um fotografa a paisagem que quer.

— Eu não sou uma paisagem.

— Nisso eu tenho que discordar – ela fez uma pausa – Vamos passar um mês longe, não é justo eu voltar pra minha vida chata sem ter uma lembrança sua.

Comecei a caminhar em direção a trilha de pedras, refazendo o caminho que percorremos mais cedo.

— Tchau, Alice.

Ela correu em minha direção e parou na minha frente, bloqueando a minha passagem.

— Você tá sendo injusta.

— Por quê?

— Eu gosto quando revira os olhos. Quer dizer que o meu objetivo foi alcançado. Passar um mês sem isso é tortura.

Não ia deixar Alice vencer essa.

— Tá, tem sua foto. Vou embora.

Pude ver um sorriso de escárnio.

— Eu até apoiaria isso, mas as chaves do carro estão comigo e eu não acho que você tenha como dirigir. Acabamos de chegar, Júlia.

— Chamo um táxi.

— No meio do mato? Ótima ideia, bem inteligente da sua parte.

— O que quer de mim?

Sua expressão ficou séria, um pouco relutante.

— Já que não quer ficar, pelo menos vamos desarmar o acampamento.

Chega.

— Qual é a sua? – elevei o tom de voz.

— Júlia...

— Responde.

— Não pergunte o que você não quer escutar – sua voz era taciturna, quase um sussurro. Eu nunca a vi falar desse jeito.

— Eu quero saber.

Tudo aconteceu mais rápido do que eu imaginava e esperava. Até porque eu não esperava. Seus dedos mergulharam meu cabelo e me puxaram para perto. Nossos rostos ficaram a milímetros de distância. Eu podia sentir a sua respiração descompassada e seu corpo quente. Parte pelo clima, parte pelo momento. Seus olhos me encaravam com vontade e eu queria tanto quanto ela. Céus, eu estava perdida. Aquele caminho não tinha mais volta.

Sete LuasOnde histórias criam vida. Descubra agora