Há exatos quinze minutos Alice me encarava esperando uma reação que ela provavelmente não teria. Ela tentava encontrar alguma brecha em que pudesse se ancorar, mas a falta de sucesso era evidente em seu semblante. O que será que ela pensava?
Lentamente ela tirou a jaqueta que vestia, apoiando-a no braço do sofá. Em seguida tirou os sapatos e os deixou em um cantinho. Seu olhar parecia ler a minha mente. Seu silêncio era ensurdecedor.
Resolvi falar algo.
— Então – desviei o olhar – Por que viemos mais cedo para casa? Temos três horas ainda até voltar pra casa da sua mãe.
— Não se preocupe com isso – ela reclinou as costas na minha direção oposta, apoiando as suas pernas nas minhas – Já avisei que estamos sãs e salvas aqui.
Sua postura tinha mudado. O que ela estava tramando?
— E ela ficou ok com isso?
— Sim – ela se aconchegou – Gostou da noite? – perguntou despreocupada.
— Achei ótima. Tirando o incidente.
Ela fez uma expressão de dúvida.
— Que incidente? Não me lembro de nada – ela sorriu – A não ser você brincando com fogo o tempo inteiro.
Então era isso. Alice era mais esperta do que eu imaginava.
— Não fiz nada – dei de ombros – Apenas estava curtindo a noite. Era o intuito, não? – provoquei.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Claro, meu anjo – o sarcasmo pingava em suas palavras – Absurdo eu cogitar algo diferente. Mas eu não quero falar sobre isso agora.
— E sobre o que quer falar?
Alice sentou novamente ao meu lado e a distância entre nós havia se tornado minúscula novamente.
— Eu quero conversar com você – seu tom de voz era baixo.
— Estou toda ouvidos.
Ela respirou fundo, parecia estar brigando com seus pensamentos. Se a intenção dela era me confundir, bom, estava fazendo efeito.
— Há anos eu venho lutado contra os meus demônios. E não digo somente de eventos traumáticos, mas os meus próprios, sabe? – sua mão pousou sobre a minha – Sempre vivi uma vida livre. Sempre gostei da minha liberdade. Mas hoje... – ela parou por um instante – Hoje foi diferente. Encontrei um demônio novo.
— Como assim?
— Hoje eu não fui eu, Júlia. A Alice de verdade teria curtido até não sobrar mais energia. Teria dado oportunidade pra Saras, Julianas, Brunas, Amandas ou qualquer pessoa que surgisse e me fizesse me sentir um pouco mais viva. Um pouco menos vazia – ela suspirou – Mas hoje eu entendi que não faz o menor sentido.
— Por que não? – eu estava com medo da resposta. De novo não, Alice...
Seu olhar parecia perdido.
— Por que nunca foi de verdade mesmo, sabe? Era efêmero. Vazio. Sem sentido – seu olhar ficou baixo – E porque nenhuma delas, em hipótese nenhuma, me faria voltar 21h pra casa no dia do meu aniversário. Com uma festa organizada pelos meus amigos, cheia de possíveis oportunidades ao meu dispor e uma noite inteira pra explorar.
— Isso é algo ruim? – perguntei receosa.
Ela sorriu.
— Não. Claro que não – Alice me puxou pra um abraço – É a primeira vez que eu entendi o que é ter um propósito. Nessa noite – ela começou a enrolar a ponta do dedo em uma mecha de cabelo minha – O meu objetivo era que a sua noite fosse tão especial quanto a minha. Porque, Júlia, se não tivesse ninguém ali e só restasse nós duas, teria sido tão incrível quanto. E pra mim estaria tudo bem.
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Sete Luas
عاطفيةApós uma tragédia familiar, Júlia se fechou para o mundo e tudo o que envolvesse sentir. Ela se encontra em uma fase turbulenta da adolescência e no meio de milhões de questionamentos: escola, família, vestibular, amizades e o que escolher para o se...