Poetry

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Esse é o penúltimo capítulo da fic!

SETEMBRO

Nunca havia sido bom em dissociar a minha vida da fantasia que era. Uma infância divertida, infernizando os adultos e sempre tendo tudo ao alcance dos meus braços? Havia tido. Certamente não tive tudo aquilo que a maioria sonha, mas tudo o que me permitira imaginar, e não era muito. Uma mente limitada vinha a calhar pra gente como eu. Enxergava sempre um palmo adiante dos olhos, qualquer coisa além disso seria um esforço pretensioso de quem queria fingir ser o que não era, e isso nunca havia sido do meu feitio.

Não havia conhecido meus pais, era verdade, mas assim não precisava imaginar a dor de perdê-los, apesar de tantos outros sob o mesmo teto que eu não terem tido essa escolha. Se não estiveram ao alcance dos meus braços, eu não os enxerguei também. Por muitos anos, não precisei ter amor, sendo poupado também de toda a dor que viria como consequência, eventualmente. Era fácil viver um dia após o outro pra aquele que nunca sequer sonhou que podia viver muito. Eu e eu mesmo no mundo, e Deus sabe que, ainda que eu não fizesse por meus amigos, eles fariam por mim. Mas o próprio preço, alto ou baixo, cedo ou tarde, sempre se paga.

Eu me apaixonei. Droga, só eu sabia o quanto. E quantas noites eu precisaria não dormir, me sentindo estúpido, até finalmente admitir os sentimentos pra mim mesmo? No fim das contas, eu não havia procurado, mas foi ele quem me achou e, dessa vez, fui eu quem não tive escolha. Não pediu passagem e nem teve pressa em me amordaçar, eu me apaixonei tão lento e dolorosamente quanto poderia ter sido. E ele, com as suas palavras difíceis, os sentimentos escancarados e as atitudes transparentes, sempre tão impaciente e indeciso, atirando a primeira pedra sem nunca saber qual o alvo, querendo tudo de mim pra si, sem conseguir se entregar em retorno.

E se antes era meu orgulho sobreviver sozinho, transformara-se em um carma não saber mais viver sem ele e tudo o que ele representava. A alegria, a diversão, o amor e a confiança, mas também o medo, o luto, a enfermidade e a instabilidade. Era um convite sem recusa e endereço, por quanto tempo aquele sentimento decidisse sobreviver. Um compromisso de corpo e alma, uma dedicação leal e exclusiva, que talvez terminasse na manhã seguinte, mas nenhum de nós poderia ceder antes do fim pronunciado.

Não foi fácil enxergar Taehyung. Estava muito mais distante do que um palmo à frente, mesmo quando dormia nos meus braços. Fora como abrir os olhos pela primeira vez. Eu enxerguei todos e a mim mesmo. Talvez não tivesse vivido tão sem amor quanto imaginava durante toda a vida, nem era tão egoísta quanto julgava e muito menos tinha sido poupado da dor de quem ama.

O vazio se mostrou. Não me apertava o peito e nem tirava o sono, mas é que também não havia nada ali.  O lugar que deveria ser ocupado por um par fora preenchido por uma só, que jamais me aceitaria como era e, caso contrário, eu não saberia, pois ela já havia partido.

Em alguns dias, eu partiria também. Era o meu único pensamento naquela noite. Enquanto Taehyung se divertia sentado no meu colo, suando como no inferno naquele carro, eu só me permitia pensar no medo de, mais uma vez, estar longe dele. Não era mais uma abstração do meu imaginário covarde, mas sim a nossa realidade, despedaçando pouco a pouco a fantasia. De fato, eram apenas alguns meses, mas depois que eu pisasse fora do orfanato, nada mais seria o mesmo. Era um mundo desconhecido. Eu nasceria de novo, como um feto inútil no centro do caos.

Ele, finalmente entregue, aproveitava o momento como uma criança despreocupada. Os remédios que tomava e a melhora gradual da autoestima o tornaram alguém cada vez mais desinibido. Ao contrário de mim, ele ansiava por poder andar de mãos dadas nas quatro estações e visitar o cinema sempre que possível. Sonhava em voltar a estudar e me ensinar mais das coisas do mundo. Queria frequentar uma boate lotada e beber até vomitar como os outros da nossa idade, observando os casais ao redor e suas manias peculiares. Agora, mais do que nunca, ele queria ver o mundo e se dizia pronto pra renascer também.

Stigma - taekook;vkook -Onde histórias criam vida. Descubra agora