DEZEMBROMais alguns minutos ali e desconfiariam do meu sumiço repentino. Mesmo com a água fria da torneira e o esforço sufocante interno, ainda era visível o cansaço no meu organismo. As duas olheiras, a cada dia mais sombreadas, quase disfarçavam aqueles olhos distantes e cansados que encaravam a si mesmo no espelho. Uma pele pálida, quase sem vida, dava lugar às primeiras rugas, que começaram a se formar naquele ano. Era novo demais pra me enxergar daquela forma, mas o espelho não mentia, por mais que eu, diante dos outros, tentasse.
Yeonjun provavelmente sabia que eu havia entrado no banheiro pra chorar. Não era tão incomum, de qualquer forma. Na verdade, eram os dois únicos estados de humor que havia experimentado nos últimos meses: a completa indiferença, robótica, e uma tristeza alarmante, desesperançosa, amarga, que tentava transpirar pela pele, mas sempre sem sucesso. Qualquer variação entre os dois humores era uma simples transição de um para o outro, como experimentava agora. Após uma crise sufocante de choro, recompusera a postura o suficiente pra voltar ao trabalho.
Era uma quinta-feira à noite e a dor de cabeça fulminava, me lembrando que o expediente deveria estar perto do fim. Daí para a cama, mais um dia em piloto automático e poderia finalmente aproveitar a solidão de um fim de semana. Talvez trocasse os canais da televisão o dia inteiro, até que a noite chegasse e me tirasse a culpa de dormir por horas. Se não, caminharia pelo parque com Yeontan, tentando encontrar algum oxigênio por entre as árvores e mentindo pra mim mesmo de que não cairia no vício de novo. Os cenários possíveis eram limitados, mas ainda menos desesperadores do que chorar em silêncio no banheiro da livraria.
O inventário do mês estava pronto. Bastava que tudo permanecesse em ordem por mais algumas horas e eu, como gerente, poderia fechar a loja e ir embora. Era especialmente estressante conferir a ordem ao meu redor. Detestava ver tudo em seu devido lugar, enquanto minha mente divagava sem rumo, tentando evitar os assuntos recorrentes. Buscava compreensão naquela bagunça, alguém tão sem futuro quanto eu, ou uma simples pilha de livros que me lembrasse que as coisas fora de ordem também permaneciam de pé. Um sinal, empatia. Qualquer coisa.
- Jungkookie - Yeonjun me alcançou ao me ver sair do banheiro - quem era ao telefone?
- Assuntos de casa - me limitei ao responder.
- Era Taehyung?
- Sim - respondi, tão seco e direto quanto pude, esperando que, daquela forma, ele compreendesse que o assunto não correra bem e ele deveria parar de questionar sobre. Yeonjun pareceu compreender o recado.
- Entendo... Você deveria ir pra casa agora, sabe que eu posso fechar a loja.
- Não diga besteiras, Yeonjun. Você vai conhecer seus sogros hoje à noite, já deveria ter ido embora daqui se quiser causar uma boa impressão.
- É, eu provavelmente estou atrasado - ele riu, sem jeito, como de costume.
- Suma daqui, já terminamos o inventário. Diga aos estagiários pra irem pra casa também, estou dispensando eles.
- Eles acabaram de sair, enquanto você estava no banheiro.
- Ok, então vá se divertir.
- Jungkook - ele parou diante de mim, com a bolsa atravessada no corpo e ajeitando o casaco, mas hesitou antes de prosseguir com a fala - vá em segurança pra casa.
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Stigma - taekook;vkook -
Fanfiction[FIC EM EDIÇÃO] Ao crescer entre as paredes daquele orfanato religioso e conservador, Jeon Jungkook não imaginava que seu melhor amigo de infância o faria questionar todas as suas crenças e despertaria nele a vontade de experienciar pela primeira ve...