two.

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“Lembranças sempre retornam, não pode se esconder delas pra sempre.”

   Passava das 22:40 quando o novo namorado da mamãe decidira ir embora. Já vai tarde, pensei. Não é que ele não fosse um cara legal, é só que eu já sabia que não daria certo. Como os outros 15 namorados antes dele. Não adianta, minha mãe nunca irá conseguir amar outra pessoa sem amar a si própria primeiro. Mas se eu tento dizer isso a ela, é motivo de briga na certa, por isso prefiro evitar.

   — Ai... Até que foi divertido não acham? – Ela se jogou no sofá com um sorriso bobo estampado no rosto.

   — Confesso que gostei desse, mamãe. – Melissa disse enquanto estava concentrada em seu joguinho de petshop. – Ele me ganhou quando trouxe chocolate pra mim.

   Mamãe ri.

   — Que bom que gostou, porque sinto que dessa vez vai dar certo.

   Já ouvi isso antes.

   Tento não dar ouvidos ao que as duas estão conversando para evitar um conflito, pois como a Melissa já disse: eu não consigo segurar minha língua.

   — Sina, já arrumou as coisas para amanhã? – Mãe muda de assunto.

   — O que tem amanhã? Vamos ao shopping? – Mel reage animada.

   — Não, amor... Sina vai se mudar. – Minha mãe explica.

   — Ah, é verdade! Finalmente vou ter um quarto só pra mim! – Ela joga o celular de lado e começa a pular no sofá, fazendo um tipo de dança esquisita que optei por ignorar.

   — Faça bom proveito. – Comentei enquanto terminava de guardar a louça. – Mas quando estiver com medo dos trovões a noite não adianta me ligar por vídeo chamada, ouviu? – Debochei, fazendo referência a um dia em que fui dormir na casa da minha melhor amiga, Heyoon, e estava chovendo tão forte que a Melissa me ligou às 3 da matina pra que eu a acalmasse. Confesso que me senti especial, mas uso isso contra ela sempre que tenho oportunidade.

   — Me poupe, aquilo só aconteceu uma vez. – Mel se senta.

   — Sei... – Respondo rindo e caminho em direção à escada.

   — O que vai fazer? – Melissa pergunta.

   — Pegar algumas coisas que estão no sótão. – Respondo sem olhar para ela.

   — Eu te ajudo! – Se dispôs.

   — Tem certeza? Está tudo muito empoeirado lá em cima... – Começo a subir as escadas.

   — Não tem problema, eu consigo lidar com isso. – Diz.

   — Hm... Ok, então.

  
      [...]

    O sótão era, sem dúvidas, o lugar mais bagunçado daquela casa. Tudo que não tivesse uma devida importância era jogado ali em cima. Brinquedos da Melissa, fantasias de halloween velhas, bicicleta encostada, fitas dos nossos antigos aniversários, álbuns da família... Resumindo: absolutamente tudo que não havia utilidade.

   As aranhas e ratos que faziam a festa.

   Acendo a luz e começo a dar uma olhada no que eu poderia levar para o apartamento. Apesar de só ter velharia, haviam algumas coisas que eu tinha guardado no sótão para evitar que se perdessem no buraco negro que eu chamava de quarto, porque sério: sem condições para as dezenas de coisas que já perdi por deixar largado no criado mudo.

   — Ew, isso aqui é um lixão. – Melissa reclamou.

   — Eu te avisei. – Me estico para olhar atrás de alguns quadros antigos do tempo em que a mamãe curtia pintar. – Achei! – Comemoro ao achar a caixa que eu procurara.

   — O quê?! – Mel arregala os olhos para ver do que se trata.

   — Minha caixa de lembranças do tempo da escola. – Respondo e passo a mão nela, limpando a poeira que ali habitava. Ao encará-la tenho uma sensação estranha, consigo me lembrar o outro motivo pelo qual decidi escondê-la no sótão.

    — E que caixa, ein? – Mel diz surpresa. – Cabe um bolo de três andares aí dentro!

   — Você não pensa em outra coisa além de comida não? – Brinco.

   — Eu não. Existe coisa melhor que comida?!

   Faço que não com a cabeça e me apresso em sair daquele lugar apertado, meu nariz começara a formigar, sinal de que se eu ficasse mais cinco minutos ali, seriam duas horas de espirros consecutivos.

» thɑt summer - noɑrt. Onde histórias criam vida. Descubra agora