forty seven.

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"Eu nunca ouvi um silêncio tão alto" - Camila Cabello

» Alemanha, dias atuais.


- Devo admitir que tô me segurando o máximo que posso para não cair no choro agora mesmo. - Comento rindo para amenizar o peso de minhas palavras. Doutora Kath encara o relógio em seu pulso.

- Já passa das sete e meia, tem problema pra você? - Ela me fita através das lentes de seu óculos de grau.

- Não, tudo bem. Vou terminar de contar, pois não tem a menor chance de eu adiar essa história para uma próxima sessão... Quero sofrer tudo hoje e voltar mais leve semana que vem. Eu simplesmente não tenho mais ninguém para conversar e sinto que isso está me matando por dentro, mais do que nunca. - Digo tudo de uma vez e em seguida dou uma respirada funda, que faz meu peito doer um pouco.

Kath afasta sua cadeira para mais perto de mim e repousa sua mão direita sobre a minha, me fazendo encará-la.

- Está tudo bem, não há nenhum problema em não ter alguém pra conversar, você pode extravasar de outras maneiras... Pode conversar com as paredes - Ela da uma pausa e ri sozinha. -, pode parecer estranho, mas ajuda. Você pode escrever sobre o que sente... Até mesmo extravasar na dança, você não disse que gosta de dançar? - Balanço a cabeça positivamente. - Viu? Há outros jeitos de lidar com suas memórias. Você só não pode tentar matar seus sentimentos ou querer acabar com eles... A dor existe, faz parte de você e precisa ser sentida. É a única maneira de passar pela superação. Certo? - Um sorriso confortante se forma em seus lábios. Eu faço que sim com a cabeça para mostrar que entendi. Suas palavras tinham mesmo o dom de acalmar um coração agitado. - Pois bem, continue, por favor. O que aconteceu depois que você voltou para a Alemanha?

Ah sim, isso...

Esfrego as mãos umas nas outras e tento me acalmar. Os próximos acontecimentos não eram tão fáceis de ser descritos. Eu lutara todos esses anos para esquecer esse dia em questão. Pelo visto não adiantara de nada, pois ainda doía como se tivesse acabado de acontecer.

» Alemanha, 2013.

Era uma manhã de sexta-feira nublada quando eu acordei com um grande burburinho em meu estômago. A lasanha que eu tinha comido na noite anterior não havia agradado a pessoinha que habitava o meu corpo. Levanto atordoada e cambaleio até o banheiro sentindo o vômito bater no céu da minha boca, pedindo passagem pra sair. Caio sentada e abraço o sanitário, tombando a cabeça para frente e fazendo uma limpa na minha barriga.

Ouço minha mãe chegar no local e soltar um grito abafado ao me ver jogada no chão. Ela se agacha a meu lado e pergunta se estou bem, murmuro que sim e passo a mão na boca para limpar o canto que estava sujo de vômito. Já fazia duas semanas que eu tinha dado a notícia a minha mãe, mas ela ainda não se acostumara com os enjôos matinais. Todo dia era um susto diferente.

Mamãe recebeu a novidade melhor do que imaginei. Eu havia pensado em mil e uma reações diferentes para aquele momento, mas ela conseguiu superar todas, de uma maneira positiva, é claro.

Eu também já tinha contado ao Noah. Óbvio que ele surtou, como eu já imaginava. Ele era a única pessoa capaz de chorar de felicidade e me xingar por não ter falado antes, ao mesmo tempo. Foram três horas de ligação com ele berrando em meu ouvido. Sua reação foi extremamente linda e genuína, eu me peguei inúmeras vezes me torturando por não ter tido coragem de fazer aquilo antes e poder apreciar seu sorriso pessoalmente, assim que soube que seria pai.

Noah disse repetidas vezes o quanto me amava e o quanto estava feliz pelo fato de eu estar carregando um filho dele dentro de mim. Ele prometeu com todas as forças que iria fazer o possível e impossível para estar por perto e confessou o quanto tinha vontade de me abraçar naquele momento. Enquanto soluçava do outro lado da linha, o Senhor Olhos Verdes deixou claro que queria muito acompanhar cada etapa de minha gravidez e que jamais nos deixaria passar necessidade. Ele conseguiu ficar mais entusiasmado do que eu. Noah Urrea queria muito aquele filho. Ele queria muito ver o sorriso do neném, queria muito ouvir as primeiras palavras, queria muito vê-lo dar os primeiros passos, queria muito descobrir o sexo junto comigo. Noah queria muito tudo isso. E é por esse motivo que eu não consigo aceitar que ele tinha ido embora antes de tudo isso acontecer.

No dia 26 de Novembro de 2013, um acidente de avião chocou o mundo inteiro. A aeronave perdeu força em seu motor e acabou caindo, levando mais de 350 pessoas a óbito. O vôo saía de Miami e pretendia pousar na Alemanha. Sim, esse acidente foi o responsável por levar a vida do meu Noah.

Lembro como se fosse hoje do dia em que mamãe sentou comigo no sofá e disse que tinha que conversar sério comigo. Sua voz quase não tinha força para sair e ela estava extremamente inquieta. Seus lábios não tinham cor e suas mãos tremiam como vara verde. Eu não conseguia entender, pois não me recordara de nada que fosse tão importante, afinal. Minha mãe enrolou, enrolou e enrolou, até que finalmente cuspiu as palavras. Ela me contou que o Noah havia entrado em contato com ela e que estava muito animado com uma surpresa que estava planejando. Noah pediu para que ela guardasse segredo e que ele me encontraria no dia do meu pré-natal. Assim ele conseguiria ver "os dois amores de sua vida juntinhos e de quebra ainda ouviria o batimento de seu filho", mamãe disse que ele usara exatamente essas palavras.

Quando ela me contou do acidente eu não consegui acreditar. Fiquei em total estado de choque. Não pude mais prestar atenção em nada que saía de sua boca, parei de ouvir quando ela lançou a frase "O Noah faleceu, eu sinto muito". Mamãe se desmanchou em lágrimas aquela tarde, enquanto eu mantive meus olhos petrificados, encarando a parede branca em minha frente. Era possível sentir as lágrimas se acumulando em meus olhos, mas era como se eu não conseguisse mover meu corpo. Foi a pior notícia que já recebi na vida. Nada nunca me abalou tanto e de maneira tão brusca.

Quando finalmente o estado de choque passou, eu quis gritar, quis esperneiar, quis reclamar com Deus e até cogitei quebrar cada móvel daquela casa. Mas tudo isso era em vão. Eu sabia que não adiantaria e que nada traria o Noah de volta.

Eu deitei em minha cama e chorei com tanta força que era possível ouvir meus soluços do lado de fora de minha casa. Eu não sabia o que fazer para aliviar a dor que estava sentindo, era sufocante imaginar uma vida sem o Noah. Quero dizer, uma coisa é terminar o relacionamento e cada um ir ficar em seu respectivo país. Pois, apesar da distância, eu sabia que poderia ligar a qualquer hora do dia que ele me atenderia com o maior prazer. Eu saberia que ele está bem e fazendo tudo que ama. Eu ainda poderia ouvir suas piadas ruins e sua risada contagiante. Mas e agora o que seria de mim? Não é como se ele tivesse se mudado para outra cidade, ele não estava mais presente, porra! Em lugar nenhum! A não ser em meu coração, mas esse já não estava aguentando tanta pancada.

Sabe quantas vezes eu liguei para o Noah naquele dia?! Mais de quarenta. Quarenta vezes seguidas ouvindo a mesma mensagem. "Alô? ... Háaaa te peguei! Não posso atender no momento, baby, mas deixa seu recado aí que depois eu retorno, beleza?" Não, Noah. Você não me retornou.

Eu não pude me despedir dele. Não pude dizer que o amava pela última vez. Eu não sabia que roupa ele estava usando no dia que embarcou naquele maldito avião. Não senti mais seu abraço, não senti mais seu cheiro. Eu nunca mais ouviria ele me elogiando, mesmo quando eu estava nos meus piores dias. Eu nunca mais iria saborear do seu beijo e admirar o jeito que ele me olhava. Nossa, o jeito que ele me olhava... Era a coisa mais linda que eu já havia presenciado.

Bom, foi isso. O meu primeiro e único amor morreu aos 17 anos, indo me fazer uma surpresa. E levou com ele uma grande parte de mim, para não dizer que me levou inteira. É uma ferida que parece não cicatrizar nunca. E as pessoas ainda têm coragem de me pedir para esquecer e seguir em frente. Desculpa, mas como faço para seguir em frente se todos os dias a voz dele ecoa em minha mente?

» thɑt summer - noɑrt. Onde histórias criam vida. Descubra agora