forty eight.

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“Me fez feliz como ninguém, me faz triste como jamais fui."
    
 

   Não consegui dormir nada aquela noite. Cada vez que fechava os olhos o rosto de Noah aparecia para atormentar meus pensamentos. Quero dizer, é como se ele estivesse ali. Dentro do quarto comigo. Sua risada soava tão forte dentro de minha cabeça que eu podia jurar que ele estava dormindo na cama de cima de minha beliche. Só tinha dois problemas: eu não tinha beliche e o Noah definitivamente não estava no meu quarto.

   A noite nunca pareceu tão longa. Diversas vezes fui pega de surpresa pelo ar que me faltava. Quando finalmente conseguia cochilar, meus pulmões falhavam e bom, eu levantava sufocada. Não conseguia entender nem tão pouco aceitar que aquilo fosse real. Afinal, eu tinha falado com ele um dia antes do ocorrido.

   Como eu queria que o Noah fosse o tipo de pessoa que não conseguia guardar um segredo, eu certamente teria o convencido de deixar essa visita para um outro dia. Quem sabe em algum feriadão? Por que raios ele tinha que embarcar numa terça- feira pela manhã?! Maldita mania que ele tinha de acordar cedo!

   Levantei inúmeras vezes para ir beber água e todas elas eu senti medo da escuridão dos corredores da minha casa. Mas do que eu tinha medo, afinal? Não tinha mais volta, ele estava morto. E se tornara cada vez mais morto a cada vez que eu pensava nele.

   Noah Urrea me proporcionou momentos únicos em minha vida. Tenho certeza que se não fosse por ele, eu até hoje viveria trancada em meu quarto maratonando vídeos de tipos de mortes bizarras que podem acontecer caso você atravesse a rua sem olhar para os dois lados. Ou certamente estaria comendo pizza na casa da Heyoon, ouvindo ela reclamar que não tinha roupa suficiente, mesmo que seu closet estivesse estourando por não suportar o peso de tanta peça. O fato é que Noah me mostrou uma realidade diferente de tudo que eu já havia vivenciado. Ele me mostrou como é bom ser correspondida – amorosamente falando – e de certa forma me fez encarar as coisas com outros olhos.

• • •

   Doutora Kath se mantera com os olhos fixos em mim desde que falei com todas as palavras que o Noah havia falecido. Parecia não saber o que dizer. Com a foto da Mel nas mãos, ela se mexeu na cadeira e arqueou as sobrancelhas. Em seguida, puxou o ar e começou a dizer coisas que me surpreenderam, pois eu já estava preparada para ouvir frases e conselhos prontos, daqueles que lemos naquelas mensagens de bom dia que sua tia manda no grupo da família. Mas com Kath foi diferente, ela parecia realmente se importar.

   — Sina, o que eu posso dizer? E-eu sinto muito! – As palavras saíram engasgadas. Balancei a cabeça enquanto sorria fraco, como forma de agradecimento. – Posso imaginar como se sentiu. Agora realmente entendo porque é tão doloroso superar. – Me mantenho em silêncio. – Bom, eu sei como é quando alguém que amamos morre. É arrebatador, você sente como se estivesse incompleto. – Concordo com a cabeça. – Mas acredito que seja importante tentarmos seguir em frente. Você já deve ter ouvido isso milhões de vezes nesses últimos anos, mas é a única coisa que resta a ser feita, e estou aqui pra te ajudar, pois foi por isso que veio até aqui. – Kath me lança um olhar confortante. – Você já tentou imaginar essa tragédia como algo bom?

  — Algo bom? – Semicerro os olhos e não consigo evitar minha cara de dúvida. O que ela queria dizer?

  — Sim. Você acredita em Deus, Sina? – A voz da Doutora saiu mais grave do que de costume. Engulo a seco e penso por um instante.

   — Acredito.
  
   — Ótimo. E por que não tenta imaginar que tudo isso tenha sido parte de seus planos? – Continuo em silêncio, tentando entender aonde Kath queria chegar. – Digo, você mesma citou inúmeras coisas boas que o Noah trouxe para sua vida. As experiências, as risadas, os ensinamentos, a Mel... – Ela faz uma pausa, encara a foto e só então prossegue. – Você aprendeu muito com este rapaz, não foi?

   — Sim. – Respondo de imediato.

   — Então, Sina? – Ela espera que eu tenha alguma reação, mas ainda não consigo compreender. – Olha, eu vou dar uma opinião muito pessoal agora. Eu acredito muito que todos nós viemos enviados a este mundo com um propósito. E apesar de não sabermos qual é, ele se faz presente sem nem notarmos. O que houve entre você e Noah precisava acontecer! Desde os momentos bons até os piores, você precisava passar por isso. Porque essa era a missão do Noah. – Kath solta os ombros e um sorriso enorme se forma em seus lábios. Os olhos dela brilhavam como eu jamais tinha visto. – Ele nasceu com o propósito de ensinar alguém a amar, e mais do que isso: veio te ensinar a dar valor aos mínimos detalhes. Te ensinar que o orgulho não leva a nada, as paranóias não levam a nada, que o ciúmes excessivo só prejudica... Você consegue ver agora?! O Noah fez sua melhor versão desabrochar, Sina. E quando finalmente você entender isso, o peso de não tê-lo por perto será menor. – Ela faz uma pausa e logo em seguida prossegue. – Por que não transforma toda essa dor em algo construtivo? Tenta, sei lá... Escrever sobre isso... Dar palestras motivacionais... Distribuir o máximo de afeto que puder por aí, não sei! Só ponha em prática tudo que o Urrea dedicou sua vida a te ensinar. Percebo que o que você tem é medo de seguir em frente. Tem medo de amar outra pessoa... De se relacionar outra vez. Mas Sina, você precisa de uma vez por todas cortar as raízes com o seu passado e tentar outra vez! Tem que começar a botar em prática o seu propósito. Ou vai preferir jogar sua vida inteira fora por algo que deu errado?

   As palavras da Doutora Katherine foram como um soco na boca de meu estômago. Ela me deu uma surra e o choque de realidade que eu estava precisando. Kath acabara de soltar todas as verdades que ninguém nunca tivera coragem de me dizer, mas que no fundo eu já sabia.

    De repente eu me peguei sorrindo para ela que também retribuía.

   — Você é real? – Falo baixinho.

   — Até onde sei, sou. – Sorri fraco. – Bom, pelo jeito você entendeu o que eu quis dizer. E espero que ponha em prática as coisas que foram ditas hoje. – Ela segura minha mão firme e encara meus olhos. – Onde quer que o Noah esteja, ele vai ficar extremamente feliz de ver que a mulher que ele amou está seguindo em frente de uma maneira tão linda. – Sorri de canto. – Você pode fazer isso, Sina! Acredite.

   Respiro fundo e deixo cair uma lágrima que há tempos estava presa no canto de meus olhos. Doutora Kath me ajudou muito naquele dia. Era como se ela tivesse conseguido me libertar de diversas amarras que acumulei todos esses anos. Ela conseguiu encontrar a cura para uma dor de sete anos em apenas duas sessões de terapia.

   E serei eternamente grata por isso.

» thɑt summer - noɑrt. Onde histórias criam vida. Descubra agora