nine.

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"Uma dose de autocontrole, por favor." – anônimo.

  » Alemanha. Dias atuais.

   Mamãe levou a Melissa para a casa da nossa avó para que pudesse me ajudar a guardar as coisas da mudança.

   O apartamento até que era bem aconchegante, não era dos maiores, mas dava pra se virar.

   — A Mel me contou que você andou falando umas histórias da sua vida pra ela... – Mamãe iniciou a conversa de costas pra mim, enquanto organizava meus livros na estante onde ficaria a tv.

   — Ela teve curiosidade então decidi falar... – Respondi baixo.

   — Que tipo de histórias? – Heyoon entrou no assunto, eu havia pedido que ela fosse me ajudar também.

   — Sobre o Noah. – Mamãe respondeu por mim.

   — Ah não, Sina. Sério que tá fazendo isso com você mesma? – Heyoon me repreendeu. Me mantive quieta.

   — Ela não aprende, Yoon.

   — Gente, eu só contei algumas coisas... A menina quis saber. – Disse tranquila.

   — Ok, continua remexendo nas suas memórias então, isso vai ser super saudável. – Heyoon joga o pano que segurava em cima do sofá e vai em direção ao banheiro com passos firmes.

   — Obrigada por tocar no assunto. – Ironizei e voltei minha atenção às caixas na minha frente.

   — Só falei porque sei que a Heyoon se importa com você.

   — Vocês deviam me deixar em paz, isso sim. – Disse com o maxilar firme.

   — É assim que nos agradece por nos preocuparmos? – Mamãe parou o que fazia e me encarou, cruzando os braços.

   — O que quero dizer é que não sou mais uma adolescente ingênua, mãe. Sei cuidar de mim... Afinal, tive que aprender.

   — E o que eu quero dizer é que precisa superar seu passado. Ficar repetindo ele para a Melissa não ajudará.

   — Eu já superei! – Grito. Tentando fazer mamãe parar de falar a mesma coisa que repetira nos últimos anos. Eu não aguentava mais o mesmo discurso.

    Ela não respondeu. Apenas balançou a cabeça com reprovação e pegou sua bolsa em cima do sofá, se dirigindo em direção à porta.

   — Mãe... – Chamo.

   — Não precisa se preocupar, não irei mais dar palpites... Faz o que você quiser. – Ela abriu a porta.

    — Espera! – Seguro a barra da sua blusa.

    — Me ligue se precisar de algo. – Ela se livrou de minhas mãos e saiu do apartamento batendo a porta com força.

   Tudo bem. Eu precisava de acalmar.

   Respirei fundo e fui até o sofá antigo que minha avó havia me cedido enquanto eu não comprava um novo. Me jogo nele e encaro a bendita caixa de lembranças que estava no meio da minha sala.

   — Acho que você não quer me ouvir agora, né? – Heyoon apareceu no corredor.

   — Na verdade eu queria não poder ouvir meus próprios pensamentos.

   — O que passa nessa cabecinha? – Ela senta a meu lado no sofá e segura minha mão.

   — Não quero falar. – Tento afastá-la, mas sei que irei me arrepender em breve. Eu precisava da Heyoon, ela era o que me mantinha sã.

   — Tudo bem. Por que não fazemos o seguinte: eu vou descer e procurar algum lugar que venda aqueles sanduíches com queijo cheddar que você tanto ama, que tal?

   A encaro e lanço um sorriso de canto.

   — Só se trouxer milkshake também.

   — Fechado! – Yoon diz animada. – Volto em 20 minutos, não sinta minha falta. – Ela salta do sofá e pega sua carteira que estava em cima da mesa.

   — Impossível, já sinto saudades. – Digo e ela sorri como resposta. Saindo em seguinte e me deixando sozinha com meus pensamentos... Tão bagunçados quanto aquele apartamento.

   Suspirei e dei uma última encarada naquela caixa. Aquela caixa, guardava coisas tão importantes para mim, mas que eu era constantemente obrigada a esquecê-las. Não entendo como é possível que todos queiram me obrigar a esquecer os melhores meses que já tive naquela minha miserável vida. Tenho certeza que se aquele verão não tivesse existido, eu estaria até hoje sem ter vivido um pingo de adrenalina. Eu não saberia o sabor do perigo, da emoção... Seria apenas mais uma garota alemã que anda por aí com seu rostinho lindo e é reduzida a isto. Realmente não entendo... Eles estão sempre dizendo “você precisa superar” “viva o agora, passado é passado” “siga em frente!” mas nunca se colocam no meu lugar para tentar entender que eu não consigo! E que culpa tenho eu?! Já tentei gritar por socorro, porém foi tão inútil que encontrei uma maneira mais fácil de lidar com tudo: fingindo que não penso mais sobre aquilo. Mesmo que todos os dias quando acordo, ele é o meu primeiro pensamento. Mas isso ninguém precisa saber.

   Pego a caixa do chão e a ponho em cima do sofá, olhando pela vigésima vez as fotos que ali estão. Seguro uma em minhas mãos que me arranca um sorriso desconcertado. Eu lembro daquele dia como se fosse ontem. Noah tinha acabado de ganhar sua motocicleta e queria me levar para uma tal sorveteria... Os planos daquela noite tomaram um rumo totalmente diferente do que esperávamos, mas se nao fosse isso, talvez nós não teríamos chegado tão longe.

» thɑt summer - noɑrt. Onde histórias criam vida. Descubra agora