Capítulo 16

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As palavras dele seriam um ótimo desentupidor de pias de tão ácidas que eram.

Mas sua voz pareceu ser suficiente para rachar o chão diante dos meus pés e me fazer divagar sobre o abismo que se formara entre mim e aquela mesa.

Bem, esse buraco poderia me engolir vivo. Mas eu suponho que não seria uma morte feliz.

Fiquei processando a informação. Ao tempo em que eu queria ir lá e bajulá-lo descontroladamente, voltei a sentir aquele desprezo inicial por ele. A vontade de socar sua poltrona...

-... O que...? – Perguntei como quem não tivesse entendido. Mas eu não era imbecil. “Quer dizer, eu sou, só que em uma modalidade mais poética”. Eu sabia que ele estava me dando um fora. Ou melhor. O Fora. Claro, eu não daria uma de ofendida e partiria para cima dele. Acima de tudo, ele ainda era o Sr. Fucking Way. Meu nível hierárquico ( e quando digo “hierárquico” é em todos os sentidos e situações) era abaixo do seu. Senão na base da pirâmide. Não importa o quanto transamos, ou quantas vezes ele demonstrou se importar. Eu sempre me sentiria submisso e nunca falaria nada dentro daquela sala que o irritasse.

- Prefere que eu desenhe, ou te mostre em forma de vídeo educativo?

Muito bem. Poderíamos resolver o efeito do seu sarcasmo, abrindo encarecidamente a janela e me fazendo cair de lá”

Eu sabia que quando ele mexia a mão daquele jeito, e falava daquele jeito, era porque ele tinha consciência do estrago que estava cometendo.

E podem até argumentar usando o fato de que eu sou um adulto, pago minhas contas e tenho minha autonomia. Mas quando alguém se envolve em um “relacionamento”, do modo e forma com a qual eu me envolvi, o mínimo que eu esperava era que desse certo.

Quando eu me dei conta de que estava caído por ele, pensei logo na mansão, cachorros e filhos. Não fiquei arquitetando o fora que ele possivelmente me daria.

Sua poltrona giratória, fez o movimento e se voltou para mim.

Uau.

Não sei o que quebrava mais meu coração: a situação em si ou aquela face ofensivamente bonita.

A beleza era tanta, que chegava a ser desagradável.

Eu queria beijá-lo e socá-lo. Infelizmente não podia fazer nenhum dos dois.

- Para  ter vindo aqui, ao contrário das pessoas comuns, você deve ter deficiência de alguns neurônios. – “Não diga que eu sou burro”. – Então acho que tenho que ser claro.  – Aquilo... – “Não diga ‘aquilo'. Essa palavra se transformou em um infarto no meu coração”. – Quer dizer... Nós dois... Aconteceu apenas no meio tempo em que ficamos naquela ilha.

-Você... – Eu não sabia nem o que dizer. Ele estava me deixando em frangalhos. Mas talvez... Isso tudo fosse minha culpa, afinal, eu mesmo poderia ter me ludibriado à ponto de ver as coisas de forma distorcida. – Deveria ter sido mais... Claro no início. – Falei sem conseguir olhar para ele. Óbvio que mais um milhão de insultos revoltosos se passaram pela minha cabeça. Mas eu simplesmente não tinha mais forças.

- Se eu tivesse sido claro no início, você ficaria enchendo o meu saco, então...

E eu não ia ficar ali pra escutar o resto. Seria muita babaquisse da minha parte. Saí da sua sala, sentindo que estava caminhando sobre o topo de um muro de fina espessura... Eu estava apaixonado. Mas eu também estava o odiando. E eu nunca soube lidar com esse sentimento.

Eu nutri muito ódio por Jamia. Mas até hoje eu acho que o fato de ela ter estimulado esse sentimento em mim foi minha culpa.

Ou seja.

In The Meantime || Frerard ||Onde histórias criam vida. Descubra agora