Capítulo 21

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Talvez eles olhassem para trás por conta dos chifres que Gerard colocou em mim, que cresceram demais e como de um bode. Retorcidos, longos e roçando na porta da cozinha, fazendo aquele barulho que o giz faz quando se encontra apaixonadamente com um quadro negro.

Ou talvez – me parece um hipótese válida, eles estivessem maravilhados com o buraco de minhoca que minha bunda e a força de sua grandeza fizeram atrás das minhas costas, sugando o universo ao nosso redor.

Ou... O impacto da novidade fez com que perdessem a noção de profundidade e passassem a achar que eu era a parede atrás de mim – o que eu acho improvável.

Quando eu era criança eu tinha horror a palhaços. Todos os anos um parque ia para Yellow Spring, os trazendo. Mamãe sorria e dizia que iríamos ao parque, e como de costume, em situações tensas, meu intestino resolveu da o ar da graça da pior forma. Toda vez tinha um palhaço em especial que ficava me perseguindo, tentando me seduzir de alguma maneira. E quando eles falavam, um arrepio em forma de garra diabólica subia dos meus calcanhares até a nuca.

E foi exatamente a mesma sensação quando ouvi a voz de Marin atrás de mim.

- Temos que resolver isso. – Ela disse, fazendo meu coração, não bater mais forte, mas implorar para parar e eu arrebentar minha cara morta no chão. Me virei para ter certeza de que tinha realmente ouvido ela, só para ter certeza de que os fluidos do Sr. Way que ainda circulavam dentro do meu corpo, não haviam me deixado um retardado completo e com indícios de esquizofrenia.

Jamia descia as escadas, aproveitando a situação para demonstrar seu choro copioso falso. Essa era a hora da Nazaré Tedesco aparecer e fazer ela rolar escada abaixo. Mas, enfim.

Respirei fundo.

Óbvio. Eu precisaria de muito oxigênio para continuar ali, de pé e firme. E não correr o risco de sair correndo descalço pelas ruas da cidade e terminar essa história dramaticamente me jogando de uma ponte – isso me trouxe a recordação da Nazaré Tedesco novamente, yeah.

Eu sabia que  eu era melhor que isso.

Sou algo além do meu caos; da minha tristeza.

E da minha dor de barriga por causa do nervosismo.

Na verdade eu não queria sair correndo descalço pelas ruas só pra me jogar de uma ponte. Eu queria correr descalço para o banheiro, já que a minha barriga tinha começado a dançar uma valsa barulhenta e eu sentia movimentos circulares dentro dela, como roupa e água numa máquina chacoalhando.

Mas ao mesmo tempo, eu quis arremessar o bule de chá com o objetivo de vida de ele atingir em cheio aquela cabeça maquiavélica e vitimista de Jamia. Ela estava no último degrau, com a mão cobrindo o rosto de madeira maciça. E suas lágrimas eram reais. Os atores de Hollywood passariam longe dela. Ele murmurava “que vergonha”. Com biquinho de tristeza e tudo.

Mais ridícula do que minha cueca de patinhos.

Mamãe olhava Marin. Estava chocada e com o pires paralisado na palma da mão. Não reparei muito bem – meu coração desenfreado não me deixava raciocinar perfeitamente bem, mas a tal esposa do líder tinha em mãos uma torta de desgraça com cobertura de amora.

Todavia, quem mais me preocupava naquela sala era meu pai. Ele continuava com a mão no rosto.

Com vergonha.

De mim.

Eu tinha plena consciência de que eu não deveria me sentir uma aberração por gostar de homens. Essa era uma definição que Jamia havia homologado para me fazer sentir culpado e continuar na sua bolha negra e sufocante.

In The Meantime || Frerard ||Onde histórias criam vida. Descubra agora