Capítulo 4

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“Quando largamos os nossos medos, tocamos a nossa alma.”

O caminho todo até o meu apartamento foi feito em silêncio absoluto. Ela estava absorta em seus pensamentos com o olhar perdido através da janela do carro. Eu, por minha vez, também tinha muito no que pensar, minha mente estava turva e confusa. Eu estava com uma completa desconhecida ao meu lado no carona e pior, levando-a até meu apartamento, coisa que eu raramente fazia com meus amigos mais íntimos. Gostava muito de minha privacidade, além de ser uma pessoa super reservada. O fato é que eu parecia estar me enrolando de novo numa teia que eu mesma estava fazendo questão de cair, eu pressentia isso.

Vez ou outra eu a olhava de rabo de olho e pensava com meus botões: que tolice tinha sido essa de carona pra casa àquela hora da noite, sendo que não era o meu caminho de casa, eu teria de ir até a Central do Brasil e depois voltar aquele caminho todo em plena duas da madrugada, correndo inclusive o risco de ser assaltada naquele lugar inóspito. Confesso que não tinha pensado em nada disso. Talvez aqueles olhos tristes e distantes não me permitiram pensar em mais nada além de protegê-la naquela noite fria. Ela continuava imóvel ao meu lado como que conjecturando sobre suas possibilidades.

Em menos de quinze minutos chegamos à portaria do meu prédio, buzinei para o porteiro que já me conhecia e ele abriu a garagem, não sem antes me dar um sorriso mais do que acolhedor. Eu já estava mais do que acostumada com suas olhadas insinuantes em minha direção. Estacionei meu carro no térreo e subimos até o sexto andar na parte da cobertura,onde só haviam dois apartamentos, o meu e o de um casal de aposentados com os quais eu me dava otimamente bem. Eles tinham um filho,que era militar e vivia viajando em serviço. Os dois nunca perderam a esperança de que eu e Luís Gabriel formássemos um casal. Ele era muito interessante, tinha todas as qualidades que qualquer mulher não dispensaria em um bom marido, apesar de já ter sido casado uma vez e ter um filho de 7 anos que vivia com a mãe em Salvador. Eu nunca o vi com outros olhos que não fosse de um bom amigo e ele respeitava, mas no íntimo tinha esperanças de que um dia eu mudasse de idéia. Cada vez que voltava de suas longas viagens ele batia na porta do meu apartamento e fazia a mesma pergunta, se eu já tinha pensado sobre nós. A minha resposta sempre era a mesma. “Somos só amigos”. No fundo, eu sabia os motivos que me levavam a evitar um novo desastre na minha vida.

Descemos do elevador e andamos pelo corredor acarpetado que levava a minha porta, Sabrina me seguia calada, em suspense. Abri a porta e dei espaço pra que ela entrasse. Ela entrou observando tudo e parou no meio da sala me olhando, parecia querer saber o motivo de estar ali. Não tínhamos combinado nenhum tipo de encontro, mas ela também não tinha certeza do porque eu a tinha convidado.

- Você quer beber alguma coisa? – Disse colocando a bolsa em cima do sofá.

- Quero... Você tem cerveja? - Ela demonstrava um nervosismo evidente na voz.

- Você costuma beber tão cedo?

- É... Na verdade não tenho hora pra isso. Vai depender de com quem eu esteja...

- Ok. – Fui à cozinha buscar a cerveja e quando voltei ela estava parada perto do piano com uma foto na mão.

- Meus pais e eu. – dei a cerveja pra ela, enquanto ela punha o porta-retrato de volta no lugar.

- Olha, eu não quis ser intrometida viu...

- Não... Não se desculpe por isso,você não fez nada demais. Eu espero que você goste dessa.

Ela pegou a cerveja da minha mão e tomou três goladas de uma vez.

- Eu acho que você me disse que não bebia cerveja.

- É e não bebo. É Cecília que gosta e ela só toma essa importada.

- Cecília?

- Eu deixo guardada pra quando ela vem aqui.

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