Capítulo 21

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NÓS SOMOS CÚMPLICES, NÓS DOIS SOMOS CULPADOS. NO MESMO INSTANTE EM QUE SEU CORPO A O MEU, JÁ NÃO EXISTE NEM O CERTO E NEM ERRADO. SÓ O AMOR QUE POR ENCANTO ACONTECEU...” Submergi na água e voltei à tona pra dar de cara com Henrique na beira da piscina me oferecendo uma caipirinha e um prato de torresmo. Subi meus olhos pelo seu corpo malhado e fui parar nos seus olhos luminosos.- Achei que iria querer experimentar minha especialidade. – Disse triunfante – Tome, prove.Desde aquela conversa com Eduarda tinha deixado as coisas acontecerem na minha vida. Tinha deixado ele se aproximar de mim, com seu jeito de quem não quer nada. Talvez fosse pela minha carência ou por ele me tratar sempre como uma rainha. Já não importavam mais os motivos. Eu só queria ser um pouco cuidada. Já haviam se passado quase 7 meses. E eu tinha decidido sair da fossa sentimental em que estava atolada. Só tinha 31 anos, mas já estava tão cansada da vida.Saí da piscina e aceitei o copo gelado, pegando um pouco de torresmo com a mão. Ele observava sem reservas as gotas de água escorrerem pelo meu corpo. Apesar de eu detestar malhar, sempre tive tendência a ter a musculatura definida. Eu me cuidava e de vez em quando caminhava no calçadão da praia, mas ultimamente havia pensado em entrar numa academia pra gastar minhas energias retidas. Entrei numa delas e comecei a fazer aulas de boxe, pra aliviar o estresse do trabalho.- O que foi? – Perguntei me fazendo de inocente.- Você tem idéia do quanto é maravilhosa? – Disse teatralmente. – Tem consciência do quanto me deixa louco? - abriu os braços.- Tenho. Você me diz isso sempre. Muda o disco! – Provoquei . – Suas cantadas estão ficando gastas. Já lhe disse isso uma vez.Tomei a caipirinha em um só gole e entreguei-lhe o copo.- Você realmente é muito bom nisso!- Sou bom em muitas coisas. É só me dar a chance de mostrar.- Você sabe que aprecio o jeito que me trata e o tenho em muito boa conta. Sabe como agradar uma mulher e é um gentleman.- Só isso? Nada mais? Do que adianta se ainda não consegui conquistá-la pra mim?- Talvez... um dia. Tudo é possível...- Então demonstre que se agrada de mim apenas uma vez. – Disse num sussurro me puxando pra si pela cintura e aproximando sua boca da minha. Tentei virar o rosto, mas ele prendeu-o entre as mãos e roubou-me um beijo abusado, enquanto acariciava meus cabelos molhados.- UHUUUUUU!!!! Até que enfim! – Gritou Carlos entusiasmado. Assoviando bem alto logo em seguida. – Ai! – Recebeu um tapa no braço. – O que eu fiz?- Para com isso Carlos! Vai deixá-los tímidos! Finja que não tá vendo nada. – Sussurrou Cecília.“Esqueci que tínhamos uma plateia. Droga!”- Eu sabia que tinha algo no ar... Quando virá o casório? – João Carlos gritou de onde estava em nossa direção sem nenhuma cerimônia.- Não sou mulher de casar ! – Gritei de volta desconcertada, ainda sentindo um fogo queimando em meus lábios. – Só o uso pra sexo! – Fiz graça.Henrique fez cara de ofendido e depois soltou uma gargalhada, junto com os demais. Não estava acostumada a receber convidados em minha casa, mas por insistência de Cecília resolvi fazer uma festa de confraternização com os mais chegados pra comemorar o meu trigésimo-segundo inverno. Foi divertido. João Carlos com a esposa Dora, Carlos e Cecília e é claro, o penetra mais bem vindo, Henrique.Naquele dia confesso que bebi demais e exagerei na caipirinha, mais a mistura com cerveja e Vodca e fiquei completamente embriagada e tonta. Afinal, era o meu aniversário! Me permiti ser irresponsável naquele dia e me sentia segura pra isso. Eu estava com meus amigos. Meus amigos... Mas, faltava algo ali comigo. Ou melhor, alguém.Era sábado e no domingo não trabalharia. O clima entre eu e Henrique ficava cada vez mais quente como era de se esperar, embriagados do jeito que estávamos. Não fiz questão de esconder que flertava com ele durante toda a noite. O devorava com o olhar. Afinal eu era uma mulher no final das contas.Estávamos todos já meio altos, reunidos em volta da mesa, perto da piscina degustando o delicioso churrasco que Henrique havia assado, mais uma de suas qualidades (perfeito demais!), quando surgiu a conversa que eu estava fugindo de ter desde que cheguei.- E então Henrique, quando vai pedir a mão dessa mulher ma-ra-vi-lho-sa em casamento? Se você não pedir, eu peço! – João levou uma cutucada da mulher nas costelas. – Aiiii!- Eu só não peço porque já tenho a minha. – Carlos beijou a mão de Cecília com ar debochado. – Mas, que ela é um bom partido, isso é!- A melhor executiva que a Merck Export já teve... E a mais bela! - Sossega o facho João! Já não acha que bebeu demais? – Dora fingiu-se ofendida. – Não tá me vendo aqui não??- Tô... como se não bastasse uma, agora tem duas de você! Ai, meus cartões de crédito!Todos caíram na gargalhada. Só Henrique que me olhava impassível do outro lado da mesa, com um sorriso de canto de boca quase imperceptível. O churrasco foi bom. Há muito tempo não me sentia tão à vontade numa festa. Detestava aniversários, inclusive os meus. Sempre preferi viajar. Nos meus 15 anos ao invés de festa eu pedi uma viagem aos Estados Unidos, num intercâmbio que fiz com o pessoal do curso de inglês. Mochila nas costas e dormindo em albergues. Fiz questão que fosse assim.- Mas você não diz nada homem!  - Fui tirada de minhas lembranças pela voz arrastada de João Carlos.- O que posso dizer...? Ela sabe que é só estalar os dedos e eu estarei do seu lado no mesmo segundo. – Sorriu maliciosamente pra mim. – Só depende dela...Pra minha sorte o celular tocou nesse momento e eu pedi licença pra atender. Pra minha surpresa, era Brenda, me desejando feliz aniversário. Conversamos alguns minutos animadamente e nos despedimos. Agradeci a consideração. Sua voz soou meio triste. Me indagava o porque disso.Horas depois o grupo se dispersou e cada casal tomou o seu rumo depois de nos despedirmos. Estrategicamente Henrique ficou, alegando que alguém teria de cuidar de mim, devido ao meu estado. Como não poderia deixar de ser, ele ficou e cuidou de mim. Não preciso dizer que me botou na cama respeitosamente e adormeceu no tapete ao meu lado. Se ele queria me impressionar, tinha conseguido. Me acordou com uma aspirina e o café na cama e cozinhou meu almoço a tarde. Perfeito! Depois de lavar a louça do almoço ainda me ajudou a arrumar a bagunça do churrasco do dia anterior. Assistimos um filme no DVD e quando a noite caiu ele me surpreendeu indo até o carro e pegando meu presente. Uma coletânea das maiores personalidades do Jazz. Insistiu para que ouvíssemos. Terminamos a noite, entre flertes e taças de vinho, fazendo sexo no sofá da sala.Depois desse dia nos tornamos algo como “namorados”. Ele me levava a eventos do meio da arquitetura e da construção e sempre me apresentava como sua noiva. Não me importava. Sabíamos que não era assim. Quanto a mim o apresentei a minha mãe, em certa ocasião que ela esteve no Rio. Como não podia deixar de ser, ela o adorou. Antes porém, tentou tocar novamente no assunto Eduarda. Assegurei-lhe que nada mais me incomodava quanto a isso. Ela respirou aliviada e me incentivou no novo relacionamento. Henrique não poupava esforços para agradá-la e certa vez, comprou-lhe uma obra de arte e mandou entregar em Porto Alegre. Dois meses depois aceitei seu pedido de noivado diante dos meus pais, num jantar em um dos restaurantes mais caros do Rio. Todos estavam felizes. Menos eu. Talvez fosse bom pra mim. Iria pagar pra ver. E ao final de tudo, ele era um homem apaixonante.Henrique fez questão de realizar uma festa de noivado à altura de seu EGO. Não poupou esforços e nem dinheiro para que boa parte da nata da sociedade carioca soubesse do nosso enlace. Eu havia optado por um jantar íntimo, mas ele havia preferido algo mais espetacular. E assim foi. Ele fechou uma boate e se encarregou de chamar uns colunistas conhecidos e alguns repórteres do meio de eventos. Cumpri com meu papel, meio a contragosto. Apesar de me sentir pouco a vontade, foi do jeito que tinha que ser.Permaneci alheia a todo burburinho que girava ao redor do nosso “romance” e decidi reformar o apartamento como terapia antiestresse. Henrique dizia ser perda de tempo, já que quando “casássemos” moraríamos no seu apartamento na Lagoa que era bem mais amplo.Numa tarde de setembro o interfone toca. Era o porteiro me avisando que tinha alguém querendo me ver e se podia subir. Quando perguntei de quem se tratava e obtive a resposta meu coração saltou imediatamente no meu peito como um louco varrido. Faltou-me o ar, minhas pernas bambearam. Tinha a impressão que meu cérebro sairia pelas têmporas. Respirei fundo. Uma. Duas vezes. Respondi sem sentir.- A deixe subir... obrigada. – Apenas um fio de voz.Não sabia o que fazer. Andei de um lado pra outro. Fui até o banheiro e molhei o rosto afogueado pela emoção repentina. Olhei-me no espelho. Não pude crer que o velho brilho voltava com força total. Não havia esquecido. Não poderia...Não demorou muito e a campainha tocou suavemente, uma, duas vezes, como as batidas parcas do meu coração, que agora parecia querer parar. Como meus passos chegariam até a porta? Andei devagar, como se tivesse indo pra guilhotina. Minhas mãos tremiam. Abri.Eduarda...Fitei intensamente seus olhos e em questão de segundos, tudo que vivi com ela veio à tona. Lembrei-me de seus gritinhos de felicidade pela janela do carro ao ver o mar de Copacabana. Do dia em que me ensinou a pescar mariscos. Do nosso primeiro beijo apaixonado... “Apaixonado!? O que estou dizendo? Lembre-se que ela era uma prostituta! Vendia amor. Era seu trabalho fazer pensarem que era de verdade.” Senti uma enorme vontade de chorar. Em minha garganta agora havia um nó que parecia querer me sufocar a qualquer momento. Estava mais ansiosa que uma adolescente em sua primeira descoberta sexual.Ficamos nos encarando por um tempo que pareceu um século, em poucos segundos. Como meu cérebro parecia que tinha sido “abduzido” e minha voz não saía, ela decidiu quebrar o silêncio gritante entre nós.- Eu posso entrar? – Disse baixo, entre a timidez e o receio. Realmente não parecia ela. Dava impressão de estar “domada”.- Não é exatamente uma boa hora. - Não vou demorar. É rápido.- Tá... – Soltei o ar que estava em suspenso e abri espaço pra ela passar.“Devo estar com cara de idiota!”Ela parou no meio da sala e só então notou a minha aparência. Eu estava com um boné na cabeça, mas mesmo assim tinha tinta até nos cabelos. Usava uma jardineira jeans surrada apenas com um bustiê curto por baixo. Tinha meus pés descalços e, pendurados nos bolsos da jardineira, pincéis sujos de tinta. Nada do que ela já tivesse visto em mim. Indaguei seus olhos surpresos e parecia querer brotar de seus lábios um sorriso de zombaria.- Desculpe vir sem avisar. Não queria atrapalhar. Você... está pintando o apartamento? – Falou como se eu tivesse criado duas cabeças.- Não é o que parece? – Virei meu boné pra trás e coloquei as duas mãos na cintura, em atitude de deboche. - É... - Riu - Desculpa, é que... bom... eu nunca imaginaria você fazendo uma coisa dessas...- Sei... Você não veio aqui se oferecer pra me ajudar, veio? – Disse tentando controlar minha tensão e me fazendo soar grave.Seu ar surpreso desapareceu e deu lugar a uma expressão desconfiada. Ela limpou a garganta, se aprumou e continuou.- Eu... vim devolver uma parte do dinheiro que você gastou comigo no processo. – Tirou um grande pacote pardo de dentro da bolsa e me estendeu. - Sei que prometi tudo, mas ainda não deu pra juntar... e... – Tirou outro pacote pequeno. – Esse daqui é do tratamento da Thaís.Aceitei o primeiro pacote e recusei veementemente o segundo, provocando um leve vinco em sua testa.- O tratamento da menina é por minha conta. Não tem nada a ver com você e eu. Fiz por ela. Não espero paga por isso.- Mas, eu não quero...- Já está decidido! - Cortei-a bruscamente. – Não há o que se discutir sobre o assunto. Guarde seu dinheiro. Tenho certeza que vai precisar mais do que eu.- Ela tá muito melhor. Graças a você. Obrigada.- De nada.Vi mais confusão em seus olhos. Parecia se sentir humilhada. Joguei o primeiro pacote em cima da mesa de centro displicentemente, sem nada dizer. Depois peguei minha garrafa de cerveja que estava em cima da mesma e saboreei todo seu conteúdo num grande gole gelado.Precisava arrefecer o fogo que me consumia por dentro. Nem bem sabia o porque. Quando olhei de novo pra ela, pude perceber surpresa em seu semblante novamente. Tive pena.- Está com sede? Quer uma cerveja?- Acho que vou aceitar. Tá muito quente lá fora. – Se abanou.Achava que àquela altura ela estava tão confusa quanto eu. E daí? Que me importava o que ela sentia? Não entendia porque ela tinha vindo pessoalmente me entregar o dinheiro, mas não iria facilitar as coisas pra ela perguntando diretamente.Fui até a cozinha e voltei com duas long necks estendendo uma pra ela, que aceitou prontamente. Seus dedos escorregaram nos meus e senti um arrepio no corpo inteiro. Me fiz de indiferente. Ela ficou me olhando com uma interrogação em seus olhos.- Que?- Você detestava cerveja...- E você não tinha modos! – Falei num impulso.Esperei pela resposta. Ela baixou a cabeça e sorriu constatando a veracidade das minhas palavras. Quando levantou, me encontrei com seus olhos risonhos pela primeira vez em muito tempo.- Você tá certa... as coisas mudam...- Algumas continuam exatamente do jeito que eram. Nem mais, nem menos...- É... - Vi um brilho de desejo em seu olhar, quando me olhou de cima em baixo.- Não quer se sentar? - Perguntei, já tirando o lençol de proteção de cima do sofá. O que ela fez prontamente.- Não vai contar o dinheiro? – Apontou pro pacote.Sentei em silêncio no sofá de frente pra ela e comecei a tirar os maços de dinheiro de dentro do pacote. Estavam dispostos em notas de 100, 50 e alguns bolos de 10 reais. Enquanto contava o dinheiro, ela me observava do outro lado, na expectativa. Quando terminei, senti minha boca seca. Tomei um grande gole de cerveja e suspirei alto.- Onde conseguiu 12 mil reais, Eduarda? – Perguntei com mais raiva do que queria transparecer em minhas palavras.- Não importa. Eu prometi te pagar e aí tem o dinheiro.Levantei furiosa.- Droga!!! Você tá se prostituindo de novo???Notei que estava com os punhos cerrados. Ela não esperava essa minha reação e deu dois passos pra trás, como uma garotinha assustada durante um momento. Tomou fôlego.- Você não tem nada a ver com minha vida!!! O que eu faço ou deixo de fazer é problema meu!!! Não me trate como se eu fosse sua filha, eu não sou!!!!- Não adiantou de nada, não foi!? Tudo foi em vão... tudo... – Uma lágrima de raiva misturado com impotência escorreu pelo meu rosto. – Você não aprendeu nada com o que te aconteceu... Quer se ferrar de novo?? Que se dane!!! – Gritei. Tive a certeza que meus vizinhos do lado me ouviram.Me abaixei resoluta, juntei todo o dinheiro dentro do pacote novamente e joguei bruscamente em cima dela.- Pega essa merda desse dinheiro sujo e saia da minha frente! Agora!!!O pacote se chocou contra o seu peito, abriu e espalhou todo o seu conteúdo no chão. Ela olhou pra mim com ódio no olhar, mais do que aquele dia na delegacia.- Meu dinheiro é sujo pra você? Só porque eu não ganho babando o ovo de engomadinho?? Foda-se!!! Enfia no cu se quiser! Queima se preferir! Minha dívida com você está paga!Andou a passos largos até a porta.- Você acha mesmo que essa merdinha desse dinheiro vai pagar tudo que gastei com você? Tá brincando comigo? – Debochei.Ela voltou-se e parou ao meu lado.- Pessoas como você me dão nojo!!! – Virou as costas pra sair.- Uma vagabunda como você está acostumada com coisa pior...Eu estava ferida, não pelas suas palavras, mas ao pensar que aquele corpo que eu tanto desejei só pra mim tinha pertencido a outros novamente e sabe-se lá de quantas formas... Ainda mais pra pagar uma coisa que eu não queria paga. Tinha feito porque a amava e queria seu bem. A odiei por isso. Queria feri-la também.- ...você nunca vai passar disso... uma vagabunda!!! – Exclamei com despeito.Ela voltou no mesmo segundo e desferiu um bofetão no meu rosto tão forte que cortou meus lábios. Ardeu, doeu, mas não mais do que o estrago que eu tinha feito em sua autoestima. Botei a mão no rosto dormente.- Escuta bem sua patricinha metida! – Colocou o dedo em riste na altura do meu nariz. - Eu posso ser uma puta, mas eu prefiro me deitar com todos os homens do mundo, por pior que sejam, do que com você! Você gosta de usar as pessoas e descartar. É egoísta, mesquinha e esnobe! Me arrependo de ter te conhecido. Se um dia você passar por mim, muda de calçada!! Odeio você Fernanda Villar!!! – Gritava selvagem a plenos pulmões.Fiquei ensandecida. Me desconheci. Meus demônios voltaram com força total. Alcancei suas mãos na chave e imprensei o corpo dela violentamente contra a porta. Seu rosto bateu com um baque na madeira fria.- Vou te dar uma lição que você nunca vai esquecer sua puta! – Cuspi rouca de raiva e do desejo que me nascia no ventre.- Me solta porra!! – Gritou entre os dentes.- Não! Agora você vai comprovar tudo que falou de mim! - Irada.Joguei-a no chão com violência e lancei as chaves da porta pra longe. Uma das latas de tinta, derramou ao seu lado, pelo impacto. Ela me olhava com os olhos de terror e surpresa.- Tira a roupa ou eu tiro!- Não! Você me dá nojo! – Cuspiu em minha direção e me lançou um insulto.Montei em cima dela e rasguei sua blusa. Ela me arranhava os braços e o peito se debatendo, ao mesmo tempo em que tentava me dar tapas no rosto. Segurei suas mãos, privilegiada pela posição em que estava e forcei minhas pernas pra segurar o seu corpo. O boxe tinha contribuído um pouco pra minha agilidade.- Não grita que é pior! Aguenta calada, como você sempre faz! – Rosnava.Nesse momento o interfone toca insistentemente. Dei-me conta de que poderia ser o porteiro, por causa do barulho e levantei pra atender.Eduarda aproveitou meu momento de distração e num rápido movimento me deu uma rasteira, ficando agora em cima de mim e pegando um pequeno canivete que trazia no bolso da calça. Colocou bem junto a minha jugular e ameaçou.- E agora? O que cê vai fazer, hein!? Fala!!!Recuei a cabeça e tentei tomar fôlego com os olhos vidrados, mas em nenhum momento desviei-os dos seus. Só consegui emitir um som parecido com um engasgo. Tentei travar suas mãos, mas ela colocou os joelhos exatamente em cima das minhas mãos.- Tá com medo, tá?? Você não é a toda poderosa? Não é? – Gritou. – Como vai resolver isso agora,hein???- Tira... is... sso... d...- Shiiiii... Cala a boca!!! – Senti os respingos de sua saliva banhando o meu rosto. Empurrou mais o canivete contra a minha pele, provocando um pequeno corte superficial logo abaixo do maxilar.Eu respirava com muita dificuldade, tomando cuidado pra lâmina não me cortar ainda mais. Preferi me calar e me concentrar somente em respirar, enquanto ela continuava a me torturar.- Cadê sua arrogância, senhora dona da verdade!??? – Gargalhou debochada. – Pelo que pode ver, não foram só bons modos que aprendi naquele inferno...Ela retirou a lâmina do meu pescoço e substituiu pela mão esquerda, que me sufocou ainda mais, enquanto brincava com a lâmina fria na superfície do meu rosto.- Sabia que eu poderia te matar aqui, agora? – Olhou dentro dos meus olhos com um prazer quase sádico. - Faça! – Desafiei, puxando o ar com dificuldade.Suas narinas dilatavam e o suor pingava de seu peito nu em meu tórax lanhado. O sal irritou a minha pele ferida e eu gemi por um instante. Ela parou imediatamente tudo que estava fazendo, como se tivesse se dado conta de onde estava chegando comigo. Olhou-me. Largou o canivete no chão, dando um grito estridente pra logo depois bater com os punhos no chão, em cada lado de minha cabeça. Parecia possuída por uma força maior contra a qual ela não podia lutar. Nem eu. Vi em seus olhos arrependimento. Desabou sobre meu corpo.Fechei os olhos tentando me achar no meio daquele momento absurdo. Depois de alguns segundos senti a ponta da sua língua passar suavemente pelos meus lábios cortados. Entendi que deveria ser seu pedido de desculpas. Relaxei. Ela agora brincava com meus lábios, lambendo, sugando, gemendo em minha boca. Nossas lágrimas novamente se misturavam. Sem nos darmos conta, nos afundamos em um beijo profundo, férvido, apaixonado. Ela soltou minhas mãos e as levei às suas costas, puxando seu corpo contra o meu, como se nunca mais quisesse que eles se separassem.Faltou-me o ar. Interrompemos o beijo. Nos fitamos apaixonadamente.Acariciei seus cabelos que agora faziam cócegas em meus seios. Ela acariciou meu rosto delicadamente, numa atitude tão contrária a sua anterior, exatamente onde tinha batido. Em cima do corte no meu pescoço, de onde escorria um filete fino de sangue escuro; ela lambeu. Como se quisesse curar minhas feridas, me fazer esquecer sua atitude irascível de momentos atrás. Eu podia ouvir as batidas do seu coração, a sua respiração acelerada. Seu movimento de encaixe no meu corpo. Instintivamente desci as mãos até sua cintura e a fiz sentar-se em cima do meu púbis. Esqueci do mundo e de tudo que tinha acabado de acontecer. A queria com urgência naquele minuto.Nossas bocas novamente se encontraram com loucura. Apertei seus seios em minhas mãos e gemi com o simples prazer do toque. Por sua vez, ela tentava descer meu macacão até a altura das minhas coxas, de forma a alcançar meu sexo. Abri minha boca numa exclamação muda de prazer, quando senti sua calcinha molhada encostar no meu ventre. Levantei o corpo e a fiz se encaixar na minha cintura, tentando enfiar meus dedos por entre nós e achar o caminho do seu prazer. Não havia dominadora e nem dominada. Ambas queríamos a mesma coisa. Mudei de posição e enquanto tentava me encaixar desesperadamente entre suas pernas, a campainha toca insistentemente.- Dona Fernanda! Tá tudo bem aí? – A voz do porteiro.Ficamos em silêncio tentando que nossas respirações voltassem ao normal.- Dona Fernanda, abre por favor. Os vizinhos de baixo ameaçaram chamar a polícia. A senhora tá bem? – Sua voz já soava assustada.- Merda!!!! – Levantei do chão ajeitando minhas roupas, sem olhar pra ela. – Tô sim, só um minuto!Fiz sinal com o dedo pra Eduarda ficar em silêncio enquanto tentava me recompor. Ela levantou do chão e fez o mesmo com suas roupas. Limpei meu rosto e meus braços com o primeiro pano que vi na frente. Lembrei que havia jogado a chave em algum lugar e enquanto procurava, senti meu estômago dar voltas. Abri a porta.- O que foi Luís? – Tentei parecer o menos culpada possível.- Desculpa dona Fernanda, mas os vizinhos de baixo reclamaram de muito barulho. Tentei ligar do interfone e a senhora não atendeu. Pensei que alguma coisa tinha acontecido. – Disse olhando curioso pra dentro do apartamento. Seus olhos cresceram quando viu o dinheiro espalhado pelo chão da sala. Não havia sinal de Eduarda.“Merda! Detesto gente curiosa.”- Como pode ver, eu estou pintando o apartamento. É normal portanto, arrastarem-se móveis. Daí o barulho.- Ahh... é que disseram que era uma briga... e... – Apontou pro meu macacão - ... tem sangue no seu macacão...- Diga-lhes que a televisão estava alta. E quanto ao sangue, caí da escada. É só isso Luís?- É sim senhora. A senhora tem certeza que não precisa de ajuda?- Absoluta. Está tudo bem. Pode ir tranquilo. Obrigada pela preocupação.- Tudo bem. Boa tarde senhora.Fechei a porta devagar. Agora que meu sangue tinha esfriado, eu não sabia como agir com a presença de Eduarda em minha casa. Olhei pro dinheiro no chão pensando em como remediar aquela situação. Apesar do clima que havia se desenrolado depois, tínhamos dito muitas coisas que não deveríamos. Havia muita mágoa naquelas palavras. Fui ao banheiro da suíte à sua procura. Achei-a lavando o rosto no banheiro social. Seus olhos se encontraram com os meus através do espelho, vermelhos, inquietos, fugidios. Seus cabelos molhados, escorria água por seu peito, ainda meio nu. Lembrei-me que tinha de lhe emprestar uma camisa.Fiquei a admirando do batente da porta enquanto ela passava as mãos nervosamente pelos cabelos. A danada era bela e provocante. Sem pensar duas vezes caminhei até ela e pra minha própria surpresa, ao invés de beijá-la, agarrei uma toalha seca que estava dobrada em cima da pia e comecei a enxugar seus cabelos com delicadeza. Senti seu primeiro soluço angustiado, logo vieram outros, acompanhados de lágrimas de desabafo. Puxei-a pro meu corpo e a abracei tão forte como nunca havia feito antes. Eu também precisava disso. Choramos juntas. Desabafamos. Ficamos naquela posição por muito tempo. Não sei precisar quanto. Sabíamos que muitas coisas nos separavam, mas as que nos juntavam, eram suficientes pra manter a chama acessa.Alguém me disse uma vez que podemos achar o certo no lugar errado. Acho que de certa forma, tinha razão.

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