Capítulo 31

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 “As aparências enganam!” Eu não me sentia vítima e definitivamente não era.Mas,aquilo mexeu tanto comigo e minha autoestima. Talvez eu estivesse me sentindo menos mulher. Sei lá. Não é todo dia que me sentia traída duas vezes. Na verdade, o comportamento de Henrique até era de se esperar, sendo o homem ciumento que era e completamente obcecado por mim. Mas, não da pessoa leviana que Eduarda mostrou ser pra mim. Na minha cabeça, a partir daquele momento, ela havia dado um sentido diferente a tudo que tinha significado na minha vida até o momento. Eduarda não era minha vida, mas passou perto de ser.Resolvi ao invés de ir pra casa, passar no supermercado e comprar uma caixinha com 6 longnecks. Não era muito ligada a marcas, mas essa cerveja dizia no rótulo ser sem álcool. “Quem seria tão estúpido pra inventar uma bebida que deveria ser alcoólica, sem álcool?” Sorri como uma idiota do meu pensamento, mas completei.  “Talvez o mesmo estúpido que beberia uma coisa assim!” Dei um sorrisinho besta e o senhor que estava ao meu lado me olhou sem entender. Essa iria servir!- Penso que você pode gostar dela. Leve sem susto.Olhei pra trás e um rapaz engravatado com uma mochila nas costas e paletó enrolado no braço, começou a explicar-me o significado da graduação alcoólica de cada bebida daquele freezer.“Seria isso uma nova forma de cantada em supermercados!?”- Olha, se você está pensando em me levar pra cama com essa conversinha fiada, perde seu tempo. – Eu estava sem nem um pingo de paciência para ser delicada.Ele parou e me olhou fingindo que não entendeu, depois, me deu um sorriso de canto de boca.- Não está funcionando, então?- Definitivamente não! O que menos quero é um homem em minha cama hoje. – Falei já andando em direção aos caixas.- E amanhã? Poderia ser? – Provocou com um sorriso maroto.“Convencido!”- Você é bem petulante, não é? Eu sou casada! – Mostrei a aliança em minha mão.- Quando a mulher em questão vale a pena, eu me arrisco!- Pois fique a vontade pra continuar tentando com outras. – Apontei pras mulheres que passavam. – De mim não vai conseguir nada.- Tenho certeza que nenhuma me interessaria mais do que você... – Falou andando pra trás, na minha frente com um saco de pão numa mão e uma garrafa de vinho na outra. – Não pode me dar uma chance de conhecê-la melhor?- Se continuar a insistir eu vou chamar o segurança do mercado. Por favor, me deixe em paz!- Não estou fazendo nada demais.Parei e tirei os óculos escuros. Meu rosto havia desinchado um pouco, mas ainda era evidente a marca vermelha do tapa e o arroxeado embaixo do meu olho direito.- Como vê, eu não sou o seu sonho de consumo no momento. Infelizmente pra você, não poderei ser o prato do dia!Ele não esboçou reação, enquanto me olhava com os olhos arregalados e completamente estático."Era só o que me faltava!"Comprei a cerveja estranha com cartão de crédito,já que havia usado todo meu dinheiro pra “pagar” Eduarda e fui pegar o carro. Fiquei pensando que, no final das contas, havia gasto um dinheiro sem proveito, porque nem ao menos havíamos transado. Rodei, rodei e sem saber muito o que fazer, acabei indo parar na praia, no posto 6. Estacionei o carro, peguei a sacola com a caixinha e fui sentar na areia, entre os barcos dos pescadores, num canto mais afastado. Não sei porque aquele tinha se tornado o meu refúgio desde que tinha conhecido “aquela mulher”. Não entendia como uma pessoa poderia perder todo o seu significado de uma hora pra outra. Tomei o primeiro gole da cerveja, que por sorte, ainda tinha encontrado gelada àquela hora da noite.“Até que não é má!”- Posso me sentar com você?- A praia é bastante grande. – Respondi sem olhar.- Vejo que não melhorou seu humor do supermercado pra cá.Levantei num impulso quando percebi de quem se tratava.- Qual é o seu problema!? Porque tá me seguindo? – Gritei esbaforida.- Ei, calma... uma pergunta de cada vez. Eu não to te seguindo. O rastro do seu perfume que é irresistível.- Escuta aqui... - Coloquei meu dedo em riste, nervosa. - ...se você não sair da minha frente agora eu vou chamar a polícia!- Eiii... não fica nervosa. Eu trouxe minha própria cerveja. – Mostrou o saco plástico. – Eu não vou roubar as suas... Tranquila!- O que afinal de contas você quer comigo???- Primeiro, saber seu nome. Segundo, me apresentar. Mas, pode ser na ordem inversa. – Me estendeu a mão. – Maurício! Se não for um prazer pra você, tenho certeza que será pra mim.Meu queixo caiu e eu fiquei lá olhando o homem a minha frente sem saber o que dizer. Maurício! Isso só poderia ser uma piada de mau gosto. Bastava essa agora pra fechar minha noite terrível.- Falei algo que não gostou? Ou achou meu nome feio?- “Maurício...” – Pensei alto. Lembranças do passado me vieram a cabeça, mas não parecia sofrer mais tanto com isso.- Ah. Vejo que pelo menos meu nome te agradou. Agora, posso saber o seu?- Porque quer saber meu nome?- Vai cair a boca se falar?- Fernanda. – Respondi automaticamente, ainda um pouco anestesiada.- Então, Fernanda... Já posso me sentar? – Indicou o lugar onde eu estava.- Suas cantadas são sempre tão espirituosas assim?- Não. Nem sempre. Eu... posso? - Apontou a areia de novo.- Acho que pior do que está, minha noite não pode ficar. – Disse sentando na areia.- Acho que isso é um sim. – Sentou-se, jogando o paletó de lado e abrindo uma das garrafas de cerveja em seu colo.- Pensei que gostava de vinho. Não era isso que você estava comprando? – Perguntei por perguntar.- Na verdade eu não bebo vinho. Mas, isso funciona pra impressionar as garotas. Elas adoram as dicas de um bom “sommelier”. Sabe como é...- Então, estava tentando me impressionar?- Consegui?- Não!- Que acha de um brinde? – Propôs.- Com cerveja?- Porque não!?Sorri da estupidez do garoto. No fim das contas, ele era divertido. Tinha absoluta certeza de que deveria ter uns dez ou doze anos a menos que eu. Deveria estar com os hormônios à flor da pele como todos nessa idade e viu em mim, uma oportunidade de se dar bem. Afinal, mesmo com o rosto daquele jeito, eu ainda era uma mulher bem desejável e atraente.- Muito bem... Mau-rí-cio. A que brindaremos? – Entrei no jogo dele.- Ao nosso conhecimento! A vida! A você... linda!- Entusiasmou-se, batendo sua garrafa contra a minha.Bebemos um grande gole e eu fiquei reparando em sua figura. Não era forte, mas também não era fraco. Estatura mediana, musculatura proporcional, rosto risonho e cabelos lisos que pareciam serem louros naturais como a barba rala. Um pouco de gel no topete completava o quadro. Típico garotão conquistador.- Antes de você continuar a jogar charme pra mim, devo adverti-lo que sou lésbica. – “Isso sempre funciona!”- Ow. Não vejo problemas nisso. Até acho excitante. Sempre quis ter duas garotas fazendo amor em minha cama.- Nada para você? – Perguntei assustada.Ele ficou sério de repente e me olhou de forma profunda.- Para sim. Detesto covardia. Se eu encontrar na minha frente esse cara que fez isso nesse rosto bonito, eu faço o mesmo no dele.Ficamos em silêncio tomando nossas bebidas. Como eu poderia contar a um estranho, que pior do que tinham feito em meu rosto, tinham feito em meu coração!?Tive ímpetos de chorar, mas me segurei. O rapaz respeitou o meu silêncio e não disse mais nada por um bom tempo. Diferentemente de mim, suas cervejas continham álcool e à medida que íamos bebendo, ele ia se soltando mais e contando piadas bem engraçadas, me fazendo me soltar aos poucos também e até dar umas gargalhadas.Falamos sobre sua vida e evitei falar sobre mim o quanto pude. Contou-me que tinha 22 anos, tinha formação em tecnologia de informação (TI) e trabalhava no ramo desde os 19 anos. Dizia ter ficado noivo duas vezes, mas nenhuma mulher conseguia lhe prender a atenção. Tinha preferência por mulheres mais velhas, por serem mais maduras e ele gostar de ser sempre um “aluno aplicado” - em suas próprias palavras.- Sinto informá-lo que não cheguei aos 40 e nem estou querendo adotar ninguém. – Disse divertida.- Talvez não agora, mas quem sabe depois!? Talvez eu possa te ajudar a esquecer essa mulher.- De onde tirou que o meu problema é esse? Esquecer alguém?- Oras. A velha estória da mulher casada, que insatisfeita com o marido vai procurar aventuras na rua e se apaixona por quem não deveria. O marido descobre e a coloca contra a parede. Passei perto?- Você tem uma imaginação bem fértil garoto.- Eu não sou garoto! – Me olhou sério. – Sei apreciar uma bela mulher, como também sei reconhecer o sofrimento nos olhos de uma pessoa. Eu vi isso em seus olhos quando tirou os óculos. Você não é uma qualquer. Não é uma mulher de aventuras de um dia.- Porque veio atrás de mim? – Perguntei séria.- Fora que você é muito linda!? – Sorriu. – Eu acho que queria ajudar a tirar essa tristeza do seu olhar. Pelo menos te fazer rir um pouco.Sorri.- Vejo que consegui.- Eu... tenho que ir pra casa. – Olhei o relógio. –Tenho que levantar daqui a pouco pra trabalhar.- Posso te levar?- Não!- Tá bom... sem  segundas intenções. Dou minha palavra. – Beijou os dedos cruzados.Permiti que ele me seguisse de moto até em casa. Iria dormir em meu refúgio, em Copacabana mesmo. Decidi que queria pôr a cabeça no lugar antes que tivesse uma conversa definitiva com Henrique. Principalmente depois do que havia descoberto sobre a sacana da Eduarda e ele, o que eu mais queria no momento era a separação. Nem que fosse um divórcio litigioso.Quando paramos em frente à portaria do meu prédio, Maurício desceu da moto e veio se despedir de mim com um beijo respeitoso na mão, me entregando um cartão de visitas da firma em que trabalhava.- Se precisar que eu te faça sorrir de novo,me liga!- Eu vou ficar legal. Muito o..- Esse é seu novo amante Fernanda???Uma voz bem conhecida se fez soar as minhas costas e quando me virei, Henrique estava de braços cruzados e com cara de poucos amigos olhando pra gente.- Henrique!? O que você está fazendo aqui !? Andou me seguindo?- Você não apareceu em casa então, tive de sair a sua procura de novo. Aqui é o último lugar que procurei, mas não me deixaram entrar pra te esperar, disseram que eram ordens suas.- Eu quero ficar sozinha hoje, Henrique e quero que respeite minha decisão.- Sozinha com ele? – Olhou Maurício de cima embaixo. – Você não perde tempo, hein!? Não foi suficiente pra você a transa selvagem que tivemos hoje à tarde? Ainda teve que procurar outro pra te comer!? Você é igualzinha à vagabunda da sua amiguinha...O rapaz olhou de mim pra ele, acho que juntando as coisas que tinha lhe dito e as que estava escutando.- Ei, cara! Pega leve. Eu só vim trazer ela em casa.- Cala essa sua boca, seu michezinho de merda! Eu to falando com a minha mulher.Senti  Maurício avançar de encontro a Henrique e coloquei a mão em seu peito o barrando. A última coisa que queria era uma confusão na calçada do prédio em que eu morava.- Maurício, muito obrigada pela companhia, mas acho melhor você ir embora agora. – Disse querendo evitar um confronto.- Foi esse cara que te deixou assim, não foi? – Falou alterado. – Foi esse chifrudo que te bateu?- Maurício, por favor!!! Vá embora!! – Tentava afastá-lo pra longe.- Vamos entrar Fernanda. Temos muito pra conversar. – Me pegou pelo braço e já ia me arrastando até a portaria. - Eu não quero ir com você pra lugar nenhum. Me solta! – O empurrei.- Não tá vendo que ela não quer ir contigo seu mané!? – Maurício se interpôs entre nós.- Ora... ora. Não sabia que você estava pegando moleques pra criar meu bem. – Falou Henrique debochando. – Mas alguém vai ter de ensinar boas maneiras pra ele. – Colocou a mão na cintura alisando algo por debaixo da blusa.- Eu não sou moleque não. Sou mais homem do que você sua bicha! Bater em mulher é fácil. Quero ver bater em mim! – Socou os peitos com as duas mãos. - Vem!!!Desviei o rosto quando o primeiro soco foi trocado entre eles. Não pude mais conter quando ambos começaram a se engalfinhar no chão. Apesar de Maurício ser fisicamente mais franzino que Henrique, possuía mais agilidade e mais jogo de cintura, por ser mais leve, mas seus reflexos estavam seriamente afetados devido às cervejas que consumiu. Henrique aproveitou uma dessas brechas e o tombou no chão com um soco de esquerda, metendo a mão na cintura em seguida e apontando-lhe uma pistola prateada.- E agora galinho de briga!?? Vou te ensinar a não se meter com a mulher dos outros.Escutei a pistola sendo engatilhada e gritei pra que ele não atirasse enquanto jogava meu corpo em cima do dele. Com uma só mão, ele segurou meus cabelos e me jogou longe. Aproveitando a distração de Henrique o rapaz lhe deu um chute na mão mandando a arma pra bem longe e aproveitou para usar alguns movimentos de capoeira para dominá-lo. Quando este já estava no chão, Maurício montou em cima dele e começou a lhe dar tantos socos quanto conseguia, até tomar consciência de que ele já estava desmaiado e com o nariz quebrado.Aquela situação toda parecia tão surreal pra mim. Um desconhecido, tinha defendido minha honra de um homem que tinha sido um marido dócil pra mim, enquanto não descobriu que eu o estava “traindo” com uma ex-prostituta viciada, ex-detenta e agora, o ser humano menos confiável da face da terra. Minha cabeça estava entrando em parafusos.Escutei sirenes ao longe e deduzi que os vizinhos, assustados, tinham chamado a polícia pra nós. Levantei-me mancando, com um dos meus saltos quebrados e sentindo meu couro cabeludo arder. Fui até o corpo de Henrique estendido no chão checar o estrago que havia sido feito em sua cara. Passei a mão pelo seu nariz e senti sua respiração curta. Pelo menos estava vivo. Olhei para o lado e vi Maurício encostado no canteiro do prédio, respirando com dificuldade, sangrando pelo nariz. Rasguei um pedaço da sua própria camisa ensanguentada e comprimi seu nariz pra estancar o sangue. - Não é só meu sangue... é o daquele covarde também.- Obrigado por me defender. – Falei em tom carinhoso. – Pode parecer patético, mas você foi meu herói hoje.- Disponha linda. Sempre que precisar... – Sorriu cuspindo uma bolota de sangue.De repente apareceu gente de todos os lados. Curiosos, policiais e até duas ambulâncias dos bombeiros. Não sei em que momento saímos daquele rolo todo. Respondi várias perguntas dos policiais, algumas testemunhas foram ouvidas e até a arma foi recolhida para perícia. Henrique foi levado desacordado ainda para o hospital enquanto eu e Maurício recebemos os primeiros socorros ali mesmo nas ambulâncias. Fomos liberados logo em seguida pra prestarmos depoimento na delegacia e o exame de corpo de delito em mim, foi inevitável. Ficou evidenciada a violência física que sofri e também, sexo não-consentido. Mas, preferi não dar queixa, querendo evitar mais rumores. Já lhe era bastante complicado lidar com porte ilegal de armas e explicar como uma arma sem registros havia parado em suas mãos. Além disso, a surra que ele havia levado na frente de toda aquela gente já tinha servido pra me fazer sentir vingada.Não topei mais com Maurício. Na verdade, ele me ligava, mas eu o evitava de todas as formas, sempre recusando seus insistentes convites pra sair. Depois desse dia da delegacia eu resolvi que minha vida deveria dar uma guinada de 360º e tudo que eu menos precisava era de um relacionamento novo. Eu precisava sim, me livrar do que ainda tinha. A primeira providência que tomei foi contratar um advogado para entrar com o processo de divórcio. Henrique recusou-se veementemente a assinar os papéis e tivemos que partir para o litigioso. Mas isso não me incomodava mais. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu iria conseguir me libertar dele. Apesar de por diversas vezes ele me procurar para conversarmos a respeito, eu sabia muito bem o que eu não queria mais na minha vida. Tinha consciência de que tudo que começava errado, terminava errado.A segunda providência foi pedir demissão da exportadora, o que não foi muito bem aceito entre os superiores que tentavam me convencer de todas as maneiras a não cometer essa “loucura”. Logo em seguida coloquei o apartamento de Copacabana a venda com todos os móveis dentro, menos o piano, que levaria comigo pra onde fosse. Em menos de um mês ele foi vendido por um preço justo. Eu aluguei espaço num depósito para deixar meu piano enquanto não decidisse pra onde o levaria e deixei meu carro na garagem de um antigo amigo de firma. Enquanto eu não voltasse de viagem, ele estaria bem guardado.Minha intenção era passar uns tempos longe do Rio e de tudo que me lembrasse meus últimos anos aqui. Queria esquecer que existiu Henrique em minha vida e principalmente Eduarda. Fazia um esforço descomunal pra lembrar dela o menos possível. Nunca mais fiz menção de procurá-la e a única vez que Adelaide retomou contato comigo e tentou falar dela, eu a cortei. Apesar de Adelaide e as meninas serem uma parte importante da vida de Eduarda, eu tinha consciência que precisava separar uma coisa da outra.A minha ida a Porto Alegre não era só pra dar um tempo pra mim, mas pra quebrar esse clima horroroso com meu pai, que ficou pior depois que pedi o divórcio. Ele não aceitava que eu fosse uma “largada” e fazia questão de frisar que aquilo não era atitude de uma mulher direita. Apesar do clima pouco amistoso de papai, que se mantinha distante, eu pude ficar mais perto de dona Virgínia e ouvir mais seus conselhos.Fiquei dois meses no apartamento de meus pais e nesse interim, até recebi algumas propostas interessantes de trabalho. Mas, o que eu queria mesmo era realizar o grande sonho de ter minha própria empresa de exportação/importação. Foi com esse intuito que comecei a manter contato constante com Brenda, em Londres. Nos falávamos pelo MSN discutindo detalhes de como poderíamos começar esse negócio sem nos arriscarmos muito. Eu tinha meu dinheiro, que juntei dos anos que trabalhei na Merck e um pouco da minha rescisão e Brenda prometia tirar leite de pedra se eu topasse uma sociedade com ela. Mas, eu ainda precisava mais do que entusiasmo pra começar um negócio tão grande.Então, numa tarde aconteceu algo inesperado. Meu pai me chamou pra conversar em seu escritório de advocacia. A princípio eu estranhei, mas depois achei melhor relaxar e fui conversar com ele de coração aberto.- Fernanda... Sei que temos algumas diferenças. Mas, andei conversando com sua mãe e eu decidi te ajudar a abrir sua própria importadora. – Eu abri a boca pra falar e ele fez sinal com a mão pra esperar. – Sei que tem em seu quarto o levantamento dos custos iniciais do negócio e que anda conversando com sua amiga em Londres sobre isso...“Rápido no gatilho!”- É difícil saber o que o senhor não sabe da minha vida, não é papai!?- Guarde suas ironias pra você. Eu só estou tentando ajudar e você não está em condições de negar a proposta que vou te fazer.- E qual é a proposta?- Bem, eu entro com 50% dos custos iniciais e quando você puder sobreviver sem a injeção do meu capital no negócio, eu te vendo minha parte e saio do negócio. Você e sua amiga poderão firmar uma sociedade em partes iguais.Remexi-me na cadeira sem entender o que meu pai pretendia com aquele oferecimento. Era tentador demais pra não ter um alto preço.- O que quer em troca? – Finalmente perguntei.Ele levantou e se aproximou de mim por trás, colocando as duas mãos em meus ombros.- Está na hora de acabar com essas pequenas diferenças entre a gente.- Não fui eu que as criei!- Eu sei... mas, tem coisas que não me entram na cabeça. – Ele fez uma pausa. – Você ainda mantém relacionamento com aquela... “moça”?- Papai, eu não vou discutir minha vida íntima com você. Se o senhor vai colocar a nossa sociedade nesses termos, eu prefiro que nem comecemos. – Levantei irritada.- Senta aí!!! Eu ainda não terminei..- Você não me dá mais ordens!- Filha... Por favor...Larguei a maçaneta da porta e o olhei dentro dos olhos. Ele se aproximou de mim e pegou minhas mãos, levando aos lábios.- A única coisa que quero é sua felicidade e se porventura a sua felicidade for ao lado dessa mulher... – Ele baixou a cabeça, desolado. - ...que seja. Eu não vou mais interferir na sua vida.Fiquei extática vendo-o falar sem acreditar. - Traga-a aqui. Quero conhecê-la melhor.- Como é!? Trazer ela aqui? – Soltei uma gargalhada. – O senhor tá brincando comigo, não é!? Além disso, o senhor já deve saber tudo que precisa sobre ela.- Nunca falei tão sério em minha vida. Eu a aceito como o que você quiser que ela seja pra você. Contanto que eu não veja mais essa tristeza em seus olhos.- Pai... Minhas lágrimas desceram abundantes num choro represado durante anos a fio. Aquilo significava muito pra mim. Não só em relação aos meus sentimentos por Eduarda, mas a nós dois, a ele, a minha mãe, a nossa família como um todo. Parecia mentira. Pela primeira vez eu era aceita por meu pai sem ter de lhe dar nada em troca. Sem precisar ser sua “garota perfeitinha” e ainda sim, num tipo de relacionamento tão mal visto aos seus olhos. Ele continuou, também emocionado.- Fernanda, minha filha... Minha naná... - Ele passava a mão no meu rosto. Eu sorri ante o apelido carinhoso que era chamada quando criança. – Eu sei que fiz tudo errado com você, mas quero consertar isso a partir de agora. E quero que você me dê essa chance.Eu sorria emocionada, sem palavras.- Dá essa chance pro seu velho pai teimoso. Hum?- Eu... eu, não esperava que o senhor...- Vamos parar de choradeira. Sua mãe pode organizar um almoço no Domingo e você pode trazer sua... sua... “amiga” pra nós conhecermos. O que acha?- Eu adoraria. Mas, não posso fazer isso papai.- Como não pode!? Já não lhe dei todas as garantias de que a receberia de boa vontade?- Não se trata disso meu pai. É que... Não estamos mais juntas. Quer dizer... Na verdade, nunca estivemos de fato. É complicado. Foi uma ilusão de minha parte. Um engano.- Mas, então...Você não sente mais nada por essa moça?- Só não quero falar sobre isso agora.- Entendo. Mas, só quero que saiba que te apoiarei no que decidir pra sua vida. Seja o que for. Você é minha filha e eu a amo.- Obrigada.Decidi que voltaria pro Rio o quanto antes pra acertar o aluguel do galpão e a instalação do escritório em todos os seus detalhes. Eu já tinha tudo meticulosamente traçado antes mesmo de receber a proposta de papai. Brenda fez questão de me ajudar no projeto e logo pediu pra ser mandada embora do escritório em Londres também. Em 3 meses de muito trabalho, dor de cabeça e inúmeras noites em claro, finalmente o escritório foi inaugurado no dia 03 de Setembro, num coquetel organizado por meus pais. Até mesmo João Carlos, da Merck veio nos prestigiar, como meu grande amigo, que era. As pessoas ali foram escolhidas a dedo. As influências de papai e a minha já tão aclamada competência e arrojo, transformariam a noite em inúmeras possibilidades de contratos vantajosos. A minha felicidade transbordava pelos poros. Finalmente eu iria aplicar tudo que aprendi em Londres no meu próprio negócio.Brenda estava tão ou mais radiante que eu. Sua figura, já elegante por natureza, combinava perfeitamente bem com seu vestidinho grafite acinturado, com decote em v. Seus cabelos louros, presos por uma tiara de prata, caíam perfeitamente lisos pelo seu ombro esquerdo e em seus pés, um saltinho discreto, porém, que lhe arrebitava o bumbum na medida certa.Eu também não fiquei atrás, afinal, era a anfitriã. Escolhi um tailleur preto, bem moderno, com camisa e gola alta e um salto fino nos pés. Meus cabelos estavam presos em cachos, agora negros, no alto da cabeça. Era a imagem de seriedade e simplicidade que eu queria passar pros possíveis contratantes.Em dado momento, subi ao pequeno púlpito armado no meio do salão para fazer um breve discurso de inauguração. No meio do discurso minha vista começou a turvar. Segurei-me com força nas bordas  da bancada e foi inevitável tombar, momentos depois, desmaiada.

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