CAPÍTULO 43

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“Eu acredito no amor que atravessa oceanos de tempos só pra vir nos beijar mais uma vez.” - Internet

Fernanda passou em minha vida como um raio que corta uma tempestade. Foi a única flor do meu deserto. Ela faleceu numa madrugada quente de dezembro. Uma quinta-feira. Era a terceira vez que ela foi internada pelo mesmo motivo. O médico foi claro com  a família (a mãe dela) três dias antes de ela vir a óbito. Eu tinha ido a uma conferência de medicina infantil por insistência da própria Fernanda que dissera que nunca faria a besteira de ir embora sem me ver, até porque, ninguém esperava que ela piorasse tanto de uma hora pra outra, mas as chances eram boas.

De hora em hora, ou sempre que podia, eu ligava pra saber notícias suas, através de dona Virgínia. Nunca fomos tão ligadas como nessa época. Sabíamos que estávamos a perdendo aos poucos e não havia nada que pudéssemos fazer, mas sempre tinha uma pequena esperança que tudo voltasse a ser como antes.

A conferência duraria três dias, dada a quantidade de apresentações que teria. Minha necessidade de estar presente, se deveu a eu integrar uma equipe de pesquisa de regeneração celular para crianças portadora de câncer no sangue. Eu não poderia faltar. Instruí Otávio a ajudar no que pudesse e seu temperamento caridoso me deixou mais tranquila.

Fernanda não estava mais tão responsiva nos últimos dias em que estive com ela, mas eu sei que ela se esforçava ao máximo para parecer mais forte do que era. Houve um certo período que teve a necessidade da cadeira de rodas pra evitar o esforço desnecessário. Eu, como médica, conversei com ela e ela entendeu ou fingiu que aceitou, balbuciando um sim, quase inaudível. Também trouxemos oxigênio pra não precisar estar indo no hospital a todo momento e fizemos algumas adaptações essenciais na casa. Até uma cama especial fora alugada. Tudo visando seu conforto.

Uma tarde eu a vi chorando na varanda de casa em meio as roseiras que ela tanto adorava. Seu pequeno jardim era recheado de rosas vermelhas  que ela fazia questão de tratar com todo cuidado, coisa que ela se dedicou a fazer como hobbie, em seus últimos meses de vida. Era domingo e eu tinha trocado o plantão pra almoçar com ela e acabei passando o resto da tarde e boa parte da noite. Ela sempre dava a entender que tinha uma necessidade quase vital da minha presença, apesar de não pedir.

Esse domingo, por acaso, foi uma reunião exclusivamente de mulheres. Eu, Fernanda,  dona Virgínia, Cecília e Nicole. Era engraçado como esse bando de mulheres me fazia sentir em uma grande família feliz. Nossa!!! Me lembro de nesse dia ter pensando uma coisa bem estúpida, a de que todos já haviam aceitado o nosso amor, menos nós duas. E talvez, até dona Virgínia, com toda sua seriedade, já havia me considerado sua nora, apesar de nunca ter dito nada a respeito.

Parei na soleira da porta e fiquei admirando sua imagem. Ela inspirava o ar marítimo de olhos fechados e ficou assim por longos minutos. Não sei como ela me notou, estando de costas, mas ela me pediu que a levasse do outro lado da calçada perto da mureta de proteção da praia. Levei.

- Gosto disso – disse, repetindo o gesto que fez na varanda.

Fernanda agora falava pouco e sentia tudo com mais intensidade. Eu sempre achei ela muito agitada mas ultimamente parecia ser outra pessoa, mais contemplativa, mais espiritualizada, talvez. Reparava mais nas coisas. Dava impressão que queria se despedir de cada coisa da qual sentiria falta, fosse pra onde fosse.

Seu semblante era mais sereno, exceto quando João Carlos vinha trazer uns papéis referentes a empresa deles. Aí, sua cara fechava e ficava vários minutos em silêncio, fazendo cálculos astronômicos, que pareciam nunca ter fim. Gostava de vê-la assim, toda dedicada ao que amava fazer. Aquela empresa era tudo pelo qual ela lutou na vida dela. Eu entendia quando ela se trancava no pequeno escritório que foi montado pra ela trabalhar em casa e se isolava do mundo. Ali era seu mundinho. Ali ela mandava e desmandava porque conhecia cada peça do jogo.

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