Capítulo 11

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Eu quero te roubar pra mim

Eu que não sei pedir nada

Meu caminho é meio perdido

Mas que perder seja o melhor destino

Ana Carolina

Eu sempre gostei de sentar na varanda de madrugada e ficar observando o céu escuro, ouvindo o som do silêncio penetrar em meus sentidos numa calma morna e tranquila, daquele tipo que refrigera a alma de qualquer estressado. Mas naquele momento, estar ali tinha um significado de uma angústia imensa, estava me sentindo tensa, com uma opressão no peito e na garganta. Confesso que não tinha digerido nenhuma parte do que Eduarda tinha me dito. Era um pouco demais pra mim aquilo tudo. Não esperava me envolver tanto em duas coisas tão sem controle pra mim. Crime e paixão. Não queria esse tipo de responsabilidade pra mim, mas também não podia virar as costas pra ela.

Ela havia me explicado um pouco por alto o que aconteceu na noite fatídica passada, mas em momento nenhum tocamos no que ela disse logo depois. “Eu estou apaixonada por você!” Aquilo ecoava tão fresco em minha cabeça quanto a brisa fria que acariciava o meu rosto. Inconscientemente fechei mais um pouco o robe, não sabia dizer se era o frio da madrugada que me incomodava ou os últimos acontecimentos que me atravessavam como mil facas afiadas por dentro.

Vi-me de novo sentada naquela cama a ouvindo, sem esboçar nenhuma reação, não podia, não sabia o que dizer, não sabia como lidar com aquela situação que de certa forma eu havia atraído pra mim. Agora ela estava lá, dormindo em minha cama, depois de seu monólogo de explicações inexatas e desculpas sofríveis. O cansaço de uma noite e um dia inteiro sem ter dormido finalmente a venceu e ela adormeceu exausta. Pensei que seria o melhor para o momento, pois tanto ela quanto eu precisávamos ficar sozinhas por motivos diferentes. Eu, para pensar.

Apartei de minhas lembranças presentes para mergulhar em recortes de lembranças antigas e dolorosas. Deixei-as de lado e fiquei brincando com a fumaça do cigarro que tinha acabado de acender, apesar de não fumar e não gostar. Mas, eu tinha essa mania estranha, toda vez que algo que me tirasse o chão acontecia, eu me envolvia com algum vício entorpecente pra esquecer o que me causou a dor ou o incômodo. E agora, porque estava fazendo isso? Por causa daquela mulher estranha deitada em minha cama? Era ela que depois de tanto tempo me levava a fazer coisas que em sã consciência eu não costumava fazer e desde o começo foi assim. Algo imprevisível e luxurioso me dominava em relação a ela. Algo que eu não podia controlar, mas ao mesmo tempo um sentimento doce e calmo.

Um barulho de porta se abrindo e eu dispersei meus pensamentos. Olhei na direção de uma figura de cabelos revoltos e descalça parecendo procurar algo. Agradeci mentalmente por ter-me “escondido” na parte mais escura onde tinha um caramanchão de folhagens, coisa que era permitido ser cultivado se morando no último andar, além de outras plantas que eu possuía e que formavam quase um jardim suspenso. Apesar de não ter tempo pra cuidar, isso ainda era um dos prazeres caseiros que eu tinha; quando eu podia, fazia aos domingos e quando não tinha, pedia pra diarista fazer por mim. Voltando à minha figura misteriosa, observei-a andar com certa graça até a sacada da varanda e ficar admirando a rua vazia lá embaixo. Por um momento achei que ela ia se jogar, tal a forma como curvou seu corpo no parapeito. Isso era uma das coisas que me encantavam nela, o seu jeito moleca e despretensioso me “encantavam”. Eu estou encantada por ela? Será?

Fiquei admirando seu perfil através da pouca luz do recinto, parecia se formar um halo de anjo em cima de sua cabeça, como algo divinal e místico aos meus olhos, algo que me fascinava e me atraía de forma inconsciente. Mesmo com a vida que levava e as coisas pelas quais passara, eu tinha a impressão que sua essência e até certa pureza estavam ainda intocadas dentro daquela alma e que uma pessoa que soubesse se infiltrar nas entranhas dessa mulher descobriria maravilhas virginais. Olhei pra minha mão tentando identificar a marca do cigarro que eu fumava, mas isso pouco me interessava, eu queria era me distrair dos pensamentos que estava tendo em relação àquela mulher que eu teimava em ver como uma menina desamparada.

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