Capítulo 9

142 6 4
                                    

"Mesmo não significando que melhorem.

As coisas mudam...

No dia seguinte liguei pro celular de Eduarda e só dava desligado. Eu tinha de levá-la até o escritório do advogado no final da tarde e já eram 11 horas e eu não tinha conseguido localizá-la. E como Adelaide não possuía nenhum meio de comunicação, eu decidi voltar na Saúde pela última vez. Aquele lugar não era apropriado pra se ficar desfilando de BMW, ainda mais por aquelas ruas esquecidas pelo poder público. Lembrei que a pequena Thaís havia me pedido uma boneca e passei na primeira loja de brinquedos que vi. Numa das ruas indo em direção a pensão, encontrei Adelaide com as duas crianças voltando da escola e parei pra oferecer carona, o que elas aceitaram saltitantes.

Chegando lá eu estacionei o carro e entreguei o presente a menina menor. Ela me agradeceu aos sorrisos e com muitos beijos babados, descendo do carro logo em seguida.

- Como se fala pra dona Fernanda?

- Brigadu tia Fernanda... – Me deu um beijo molhado e saiu correndo pra dentro da casa, seguida pela irmã maior, como sempre calada, como se tivesse medo de perder a boneca no caminho.

- Sua filha maior é sempre quieta assim? – Indaguei um pouco curiosa.

- É dona Fernanda... Desde que o pai abusou dela, que o capeta o tenha, aquele disgraçado! – e fez o sinal da cruz. – Os cara da favela quando suberam, mataram ele di pau. Pois se não tivesse acontecido isso, o maldito ia morrer de cachaça.

Eu não sabia o que dizer diante do que aquela mulher me contava. Na verdade, eu já tinha ouvido falar em maus tratos e abusos por Maurício, mas nunca havia conhecido alguém tão diretamente.

- A senhora nunca procurou ajuda psicológica pra sua filha?

- Não... Eu não tenho muito estudo dona Fernanda e o que eu posso dá pra essas crianças eu dou. Imagina se vou ter dinheiro pra bancar um tratamento desses... O pai deles me deixô na miséria, e dispois do que aconteceu, eu achei melhor sair de lá com as crianças.

- Entendo...

- Mas a senhora não quer apear e subir não dona Fernanda!?...

- Não, eu só vim aqui falar rapidamente com a Eduarda, a senhora pode chamá-la pra mim, por gentileza?

- A Du não aparece em casa desde ontem de noite dona Fernanda.

- Mas como!? Ela não deixou nenhum recado, se ia demorar ou não?

- Não, só me deixô a chave dibaixo do tapete, como sempre faz. Eu saí na rua e quando voltei ela num tava mais. Óia dona Fernanda, eu não custumo me meter na vida da dudinha não, mas ela num tá bem.Tá acontecendo alguma coisa com a menina, mas ela num me fala nada. Parece sempre que tá cum medo di alguma coisa.

- Eu sei Adelaide... Eu sei...

- A senhora gosta muito dela num é!? Dá pra ver nesses seus óios verdis, que brilham mais que a lua quando vê ela...  – Ela percebeu meu desconforto pelas suas palavras e emendou – ...dona, eu num tenho nada cum isso, mas eu sei quando uma coisa faz bem pra alguém, e a sinhora dona Fernanda, faz bem pra alma da menina. Ela fica alegre quando a senhora tá por perto. Feliz...

- Adelaide, eu...

– e continuou – ...eu já sofri muito nessa vida sabe, e eu num quero que ela sofra a mesma coisa. Eu tenho dois filhos que sumiram no mundo e nunca mais tive notícia. Ela é como uma filha pra mim. Por tudo que é mais sagrado dona Fernanda, protege essa menina, eu não sei o que tá acontecendo, mas ela precisa da sinhora.

Logo em seguida a Adelaide tirou de dentro de uma pequena e surrada bolsa um terço de madeira escura com detalhes dourados que cheirava óleo de lavanda e me ofereceu.

- Óia, eu queria que a sinhora ficasse com esse terço, que é pra protegê a sinhora de todo mal, onde a senhora for. Se a sinhora tivé protegida, minha menina também vai tá. Aceita...

- Obrigado Adelaide... Eu... Eu vou fazer o possível pra ajudar sua menina. Pode confiar... – e apertei sua mão, por cima da janela do carro.

Eu liguei o carro e tentei sair dali o mais depressa possível, enquanto sentia a vista embaçar e o gosto das lágrimas salgadas deslizando pra dentro de minha boca.

CoquetelOnde histórias criam vida. Descubra agora