CAPÍTULO 33

84 5 2
                                    

“Não se pode fugir do que se quer, por toda uma vida, mas tem coisas que é mais bonita, quando é uma fantasia. A realidade nem sempre é igual, ou tão aproximadamente bonita. Porém, para suportarmos a realidade, muitas vezes temos de viver dentro de uma fantasia.”

Acordei e fiquei olhando fixamente, por um bom tempo, o conta-gotas intermitente do soro acima de minha cabeça, até me dar conta de onde eu estava. Parecia que estava aos poucos acordando de um sonho confuso e desagradável. Ainda sentia meu corpo dormente, mas, agora, mais vivo do que nunca. Certamente, porque eu havia passado por uma experiência marcante, há algumas horas atrás. Comecei a me lembrar de alguns flashes de momentos que me aconteceram, há não sei quanto tempo atrás. Parecia que eu estava adormecida há anos. Comecei a me situar do lugar que estava; era um quarto grande e pintado de branco, com mais quatro leitos ao meu redor. Ao virar minha cabeça, pesada pela medicação, vi uma enfermeira que, neste exato momento, trocava meu soro.

- Onde estou? – Balbuciei.
- No Carmela Dutra. – Limitou-se a dizer, meio mal-humorada.
- O que... - Levantei a cabeça o máximo que meu estado, permitia. Nisso, notei um oco em minha barriga.
- Minha filha... O que aconteceu?
- Calma. – Colocou a mão no meu tórax, pra me deitar de novo – Seu bebê está na incubadora. Ele vai ficar bem e você, precisa descansar.

Observei atentamente ela dar petelecos na seringa e depois me aplicar uma injeção.

- O que é isso?
- É pra dor. – Sem dizer mais nada, ela foi se afastando.
- Eu preciso ver minha filha.
- Sossegue. Seu marido está aí fora. Vou avisá-lo que você acordou.

Eu olhei pros lados, procurando algum rosto conhecido e notei que estava numa enfermaria, muito branca, com mais cinco mulheres que, possivelmente acabaram de dar a luz como eu. A maioria das mulheres dormia. O silêncio era incômodo e aproveitei pra me relembrar dos últimos acontecimentos. Pensei ter visto Eduarda e até, ter sido amparada por seus braços pequenos e suas mãos delicadas. Ouvi um barulho de passos masculinos se aproximarem e senti náuseas, por aquele cheiro que, ultimamente me enjoava.

- Meu amor, como se sente?

“Meu amor? Filho da puta! Como um canalha como você, ainda consegue me chamar de amor, depois de ter me ameaçado e de ter sido a causa do meu bebê ter nascido antes da hora!?”

Desviei o rosto, contrariada.

- Bem.
- Nossa filha é uma menina linda... – Falou com lágrimas nos olhos, acariciando minhas têmporas. – É linda, como você!
- Como ela está? Quero vê-la.
- Você não pode agora. Ela ta na incubadora. Eu mesmo, só pude ver ela através da vidraça. Mas, deu pra notar que ela herdou todo o encanto da mãe. – Deu-me um beijo suave na testa.

Dei um riso fraco. Notei que ele estava se esforçando para ser agradável e me dei conta que, de fato, ele era o pai da minha filha, eu gostando ou não da idéia.

- Como cheguei aqui?
- A ambulância do SAMU te trouxe. Você está em um hospital público. Eu tentei transferir vocês duas pra um particular, mas o médico me aconselhou a não fazer isso, porque aqui, nossa filha já estava recebendo todo tratamento necessário.
- Eu sei. Mas, quem foi que me socorreu? Eu me lembro...
- Você não se lembra de nada? – Sua testa vincou.
- Não de tudo, mas sei que Eduarda estava lá, na minha porta. Onde está ela?
- Não sei de sua amiga... – Disse num tom sarcástico - Quando eu cheguei, não havia mais ninguém aqui.
- Então, como soube do acontecido?
- Não importa esses detalhes. Importa que você está bem e que logo, logo, vocês duas vão pra casa comigo. Seremos uma família de novo.
- Do que está falando? – Inquiri abismada.
- Fernanda, temos um filho em comum e que vai precisar de cuidados especiais. É mais um motivo pra recomeçarmos. Não acha!?

Não respondi. Aquilo era absurdo demais e eu não estava em condições de discutir, no momento. Seu sorriso se abriu, como que antecipando o meu silêncio, a uma afirmativa.

- Já avisei os seus pais e eles estão vindo. Vou buscá-los no aeroporto daqui há pouco.
- E, Brenda?
- Não se preocupe com isso, agora. Pense somente na nossa filha. Já pensou em um nome, pra ela?
- Não.
- Ela se parece com um anjo. Que tal, Angélica? – Dizia olhando pro teto branco.
- Pode me deixar sozinha, por favor? Estou cansada.
- Você está se sentindo bem? Se quiser, posso chamar a enfermeira e...
- Não é necessário. Só quero ficar sozinha mesmo.
- Claro, meu amor... – Beijou-me os lábios, sem eu esperar e se encaminhou pra porta, piscando pra mim, ao se virar. – Mais tarde nos veremos. Amo você, Fernanda!

Saiu como se pisasse em nuvens. Se não conhecesse seu outro lado, até diria que tinha se regenerado de tudo que tinha feito comigo. Mas, não. Agora, era que eu tinha que me preocupar em dobro.

Passei o restinho da manhã sonolenta. Hora acordada, hora cochilava. Ainda me sentia lerda, pela quantidade de medicamentos que havia ingerido. A certa altura, sonhei que Eduarda estava no batente da porta, me fitando com os olhos risonhos e quando se aproximava, a imagem se desvanecia pra dar lugar ao vazio.

Minha mãe chegou sozinha algumas horas depois e ficou no quarto comigo, até anoitecer. Disse que papai precisou ficar pra resolver um caso que estava defendendo, mas que tão logo pudesse, viria pro Rio. Brenda também chegou com os olhos reluzentes e um buquê de flores lindíssimo, apesar de não ter podido ficar com ele na enfermaria.

- Parabéns, mamãe! – Disse se me abraçando calorosamente. – É uma menina linda! Linda!
- Você a viu?
- Claro! E eu ia perder o melhor da festa!?
- Essa é boa, todo mundo vê minha filha, menos eu que sou a mãe! – Fiz cara de contrariada.
- Paciência, minha filha.
- Vocês estão me escondendo alguma coisa?

Elas se entreolharam, silenciosas.

- Então, como ela é?
- Bela... – Brenda, acariciou-me o rosto - ...assim como você. 

Pegou a minha mão e beijou. Ficamos nos encarando por alguns segundos. Minha mãe pigarreou ao nosso lado, quebrando o momento de encanto que começava a se formar entre nós, enquanto Henrique olhava a cena de longe, extático. Ela se deu conta do que tinha dado a perceber e se endireitou na cama, contando rapidamente, como tinha sido o dia no escritório.

- Bem filha, eu tenho que encontrar um hotel pra deixar as malas e tomar um banho. Amanhã pela manhã, eu volto pra ficar com você e minha netinha.
- Se a senhora não se incomodar, pode ficar na minha casa. Lá tem espaço suficiente. – Ofereceu Brenda.
- Não quero incomodar.
- Não é incômodo, além do mais, a Fernanda me mataria se eu deixasse a senhora dormir em um hotel. – Disse piscando pra mim.

Eu retribuí a piscadela divertida e essa interação, não passou despercebida pela velha dona Virgínia.

- Eu também tenho que ir. – Escutei a voz grave de Henrique ao fundo. - Tenho que passar na construtora amanhã pra ver se está tudo bem, mas na hora do almoço, volto pra ficar com você.
- Não é necessário. Minha mãe vai ficar comigo.
- Mesmo assim, faço questão. Mais do que nunca, eu preciso estar por perto.

Ele se aproximou e me deu um beijo nos lábios, como se ainda fôssemos um casal. Brenda franziu o cenho, sem largar minha mão, mas não disse nada e minha mãe, só fazia olhar de um pro outro. Poderia jurar que ela estava chocada. Seria trágico, se não fosse cômico.

Mais ou menos, vinte minutos depois, o médico de plantão entrou na enfermaria, pra checar as pacientes e aproveitei pra lhe fazer algumas perguntas que estavam rondando minha mente.

- Quando poderei levar minha filha, pra casa?

O homem levantou os olhos da prancheta, em que fazia anotações, divertido.

- Qual é a pressa? Não está sendo bem tratada em nosso SPA? Somos um hospital público, mas bastante conceituado.
- Longe de mim reclamar – Entrei na brincadeira – É que eu não costumo dormir fora de casa e além disso, preciso ver meu bebê.
- Logo, logo, você a verá. Tenha paciência. Daqui a pouco, uma das enfermeiras virá lhe ajudar a colher o seu leite.
- Colher meu leite? Eu não vou amamentar o meu bebê?
- Por enquanto não. Como já deve saber, seu bebê está na incubadora e precisou do auxílio de um respirador artificial. Sendo assim, não poderá ser amamentado por você, no momento.
- Como assim? O que meu bebê tem? – Ergui o corpo, tensa.
- Acalme-se. Só descanse, você ainda precisa se recuperar. Passou por uma cirurgia delicada. Amanhã, seu médico virá lhe explicar os procedimentos que foram feitos, tanto em si, quanto no bebê.
- Mas...
- Descanse, preciso ver outros pacientes. Hoje a noite vai ser longa.

O jovem médico ia se virar pra sair, quando parece que se lembrou de algo, batendo na testa e voltou.

-Ahhh... Uma coisa. Havia uma moça aí fora, que insistia em lhe ver. Seu marido proibiu sua entrada, mas mesmo assim, ela insistiu muito. Estava acampada aí no corredor desde ontem a noite e não arredou o pé pra nada.

Meu coração acelerou, involuntariamente. Algo no meu íntimo, dizia que a conhecia.

- Como ela é doutor? O senhor pode descrevê-la pra mim?
- Jovem. Não muito alta. Cabelos cor de chocolate, até mais ou menos o meio das costas. Seios pequenos. Coxas grossas. Bumbum arrebitado. Bastante sensual. Muito bonita, por sinal e...

“Que medicozinho safado!”

Olhei-o, franzindo o cenho, ele percebeu meu incômodo e mudou de assunto.

- A conhece?
- Sim. Uma amiga. Seria possível deixá-la entrar, doutor?
- Não será possível. Ela não se encontra mais aí fora. Além do mais, mesmo que ela ainda estivesse aí, o horário de visitas, já terminou há muito tempo.

“Droga, era Eduarda. Tenho certeza!”

Cinco minutos depois, ouvi passos. Meu coração acelerou, mas, era só a enfermeira trazendo um utensílio, que não tinha lembrado de ter visto, em nenhum lugar.

- Boa noite! Vamos ao procedimento? Levante um pouco o corpo e afaste o roupão.
- Pra que isso?
- Seu bebê precisa se alimentar. E isso, é uma bomba que vai retirar seu leite, pra que eu leve até onde ele está. Ele está bem, não se preocupe.

Não fiz mais perguntas, apesar de estar bastante confusa. Eu era uma mãe de primeira viagem e ainda não entendia os procedimentos do hospital. A enfermeira me explicou pacientemente como se usava a geringonça e pra minha alegria, eu tinha leite o suficiente pra alimentar um batalhão de bebês.

Naquela noite, dormi de cansaço. Estava preocupada, mas realmente precisava descansar, porque eu sentia que havia algo no ar e que eu precisaria ser forte. Acordei pela manhã com minha mãe, na minha frente.

- Bom dia, filha!

Vi preocupação no seu semblante e ela foi logo falando que havia conversado com o médico e se posto a par de tudo o que aconteceu.

- Como está minha filha? Porque, não a trazem aqui?

Antes de eu obter minha resposta, o médico entrava, pela porta adentro, dando bom dia.

-Como se sente?
- Melhor, os pontos ainda doem e não posso nem fazer xixi sozinha.
- É, assim mesmo, depois melhora. Tivemos que fazer uma cesariana, porque você chegou aqui praticamente desmaiada e não teria como proceder um parto normal.
- Eu entendo.
- Como sabe, sua filha nasceu prematura e em conseqüência disso, seus pulmões, não estavam completamente formados. Tivemos que colocá-la na incubadora, pra receber cuidados especiais, durante o tempo que necessitar.
- Mas, é grave doutor?
- Remediável. Só necessita de cuidados delicados e no momento, você não poderá alimentá-la pessoalmente. Isto será feito por meio de sonda. Visitas, por enquanto, só de longe e quando for liberado, terá que ser com roupas especiais e máscaras. No estado em que se encontra sua filha, qualquer perigo de contaminação, pode ser letal. A senhora entendeu?

Passei a mão na testa, desconsolada. Senti uma leve vertigem.

- Já falei com o seu marido e já o pus a par da situação toda. A família será um apoio fundamental pra recuperação do bebê.
- Mas, quando posso levá-la pra casa?
- Espero que breve. Talvez, em alguns dias, ou umas semanas. Vai depender de como seu organismo vai se desenvolver. Alguma pergunta mais?
- E... Eu acho que não. – Balbuciei.
- Filha...
- Mãe... Eu...
- Eu sei. Shiiii... Vai ficar tudo bem. – Abraçou-me.
- Bem, com licença. – O médico saiu.

Nessa mesma noite, uma enfermeira, bastante idosa, me entregou um papel contento um telefone de contato e um endereço logo abaixo. Em poucos segundos reconheci a letra e deduzi se tratar de Eduarda.

- Você tem uma fã ardorosa, menina. – Disse a enfermeira, com um sorriso dúbio no rosto.
- Ela está aí fora, ainda?
- Não, já foi. Mas, plantou acampamento por dois dias, aí no corredor. Se ela não fosse mulher e bem mais nova que você, diria que está apaixonada.
- Isso foi um comentário preconceituoso!? Não sou uma idosa e sim, mulheres podem se apaixonar entre si! – Exclamei mais irritada do que imaginei.  – Obrigado – Indiquei o bilhete.

Sem dizer mais nada, a senhora saiu, pisando duro.

Com três dias de internação, eu tive alta médica e voltei pra casa de Brenda, apesar das reclamações de Henrique, que insistia que eu deveria ir pro seu apartamento. Mamãe ficou comigo lá durante dois meses inteiros, em que eu me revezava de casa pro hospital e quando minha filha recebeu alta, foi peça fundamental nos cuidados diários que eu deveria ter com meu bebê prematuro. Brenda tratava o bebê como se fosse nosso e todo carinho e cuidado que tinha com ela, eu recebia de maneira igual.

Como sempre, ela era a mais racional de nós duas e mesmo a contragosto e apesar de tudo que aconteceu, me  aconselhou que a presença de Henrique seria um estímulo a mais para o bebê  e toda ajuda seria bem vinda. Então, ele vinha três vezes por semana visitar o bebê, dias esses que ela fazia questão de estar presente em casa. Ele ajudava a dar banho e até a arrotar. Apesar das reticências que eu ainda tinha com ele, ele se mostrou dedicado e nunca mais tocou no assunto de solicitar a guarda da nossa filha. Estava um clima harmonioso entre nós, na medida do possível. Procurei esquecer aquele dia fatídico e de culpá-lo pela delicada saúde de nosso bebê. Havia coisas mais importantes a me preocupar.

Numa tarde de agosto, eu estava em casa sozinha, dando de mamar. Mamãe tinha ido ao supermercado e Brenda estava no escritório, ouvi vozes, vindo da sala.

- Mãe, já chegou?
- Já. To na cozinha.

Voltei a me concentrar no que estava fazendo. Meus olhos trasbordavam de emoção, enquanto eu olhava no fundo dos olhos do meu bebê e segurava sua pequena mãozinha.

- Valeu a pena, tudo que passei, por esse momento... – Balbuciei pro meu bebê, que me encarava com os olhos vivos e brilhantes.
- Valeu a pena, tudo que passei, por esse momento...

“Essa voz!”

Levantei a vista, no sobressalto, em direção a voz que repetia a minha frase anterior.

- Eduarda!? – Exclamei num misto de susto e surpresa.

Abri um sorriso involuntário e o mesmo se deu com ela. Imaginei que minhas bochechas também estariam coradas.

- Oi! - Cumprimentou, com os olhos brilhantes.
- Oi. Como entrou aqui?
- Desculpe, não queria atrapalhar. Eu subi com sua mãe.
- Minha mãe deixou você entrar? – Perguntei mais surpresa, ainda.
- Sim. Já nos conhecemos do hospital. – Disse minha mãe, da porta do quarto. – Essa moça disse que tem coisas pra explicar a você e eu não vi mal nenhum em permitir sua entrada. Fiz mal?
- N-não! Claro, que não!
- Bem, então, vou deixá-las a sós. Dá licença. – Saiu, encostando a porta do quarto.

Sem pensar muito, fiz sinal com a cabeça pra que ela se aproximasse.

- Não posso falar muito alto, pra não perturbá-la. Vem.. – Afastei os lençóis pra que ela sentasse bem perto de nós. 
- Eu, não sei se seria bom. Eu tava sentada na calçada, lá embaixo e pode ser perigoso pro seu bebê. Infecções, essas coisas... - Falava nervosamente, com as mãos.

Adorava quando percebia que Eduarda falava demais por estar nervosa com alguma coisa. Estendi minha mão e agarrei o seu pulso, a puxando pra mais perto.

- Vem cá, não seja tímida. – Sussurrei – Meu bebê quer te conhecer...

Meio sem jeito, ela se sentou devagarzinho ao meu lado e com os olhos marejados, ficou me observando amamentar, em silêncio. Eu acariciava o rosto de meu bebê, enquanto sentia o calor da respiração de Eduarda, acariciar meu ombro nu. 

- Isso te lembra alguma coisa? – Perguntei, tentando testar suas emoções.
- Não muito. Eu tive pouco tempo pra ficar com minha filha. Não lembro muita coisa sobre ela.
- Que pena... É uma sensação deliciosa. Mas, você não disse que iria procurá-la?

Ela sorriu desanimada.

- E fui, mas... ela já tinha sido adotada por um casal bacana que não podia ter filhos. Eles já tinham um filho, também adotado e... Eu fiquei feliz em saber que ela não vai se sentir mais sozinha. Enfim... - Enxugou as lágrimas com as costas da mão direita e suspirou alto.
- Eu lamento Eduarda. Sei que você queria muito ter sua filha de volta.
- Esquece. Já desencanei.
- Você vai ficar bem... – Coloquei uma mexa de cabelo atrás de sua orelha.
- Os olhos dela, se parecem com os seus... – Ela sussurrou pra mim.
- Você acha? – Sorri embevecida.
- Acho... 

Olhei seu rosto de perfil e ela, ao se virar, quase tocou seus lábios nos meus. Nossos rostos estavam bastante perto. Um assomo de ternura, por ela e por aquele momento, perpassou a minha alma e minha vontade foi beijar-lhe os lábios e retribuir todo amor que eu sentia trasbordar de meu peito, naquele momento. Mas, eu sabia que não era conveniente. Eduarda, notando meu receio, mudou de assunto.

- Já escolheu o nome dela?
- Sim. Nicole. Você me disse uma vez que era fã da Nicole Kidmam e que se um dia tivesse outra filha, daria esse nome a ela.
- Não brinca Fernanda! – Seus olhos reluziram de contentamento. 

Abri um sorriso luminoso pra ela.

- Obrigado por ter nos salvado. –Coloquei a minha mão em cima da dela  – Se não fosse você, talvez esse momento nunca acontecesse.
- Você desmaiou nos meus braços e eu chamei a ambulância no desespero, enquanto tentava acordá-la. Não sabia que estava grávida e muito menos, a ponto de dar a luz. Confesso que fiquei chocada e assustada.
- Há quanto tempo você estava sem comer e sem dormir direito, naquele corredor?
- Desde que te levei pro hospital, na quarta-feira. Não consegui pregar o olho um só dia.
- Porque não a deixaram entrar?
- Seu marido não deixou.
- Ex...
- Henrique disse pros médicos que eu fui a causa do seu quase aborto. Então, proibiram minha entrada nas visitas, com receio de que eu pudesse fazer alguma coisa contra você.
- Que besteira!
- Mas, não foi só isso. Disse que se eu me aproximasse de você, de novo, me mataria.
- E mesmo assim você veio me procurar?
- Não importa. Tanto faz se ele quer me matar ou não. Não é o único.
- Porque me procurou?
- Porque eu tinha decidido sumir da sua vida, mas não podia fazer isso, sem antes te explicar tudo.
- E, como conseguiu me achar? Me mudei há bastante tempo de Copacabana.
- Eu estive lá e o porteiro, que já me conhecia, disse pra mim perder as esperanças, porque você não tinha deixado endereço nenhum. Aí, minha única chance seria seguir seu ex-marido e alguma hora, ele me levaria até você.

Eu olhei pra Eduarda, cheia de perguntas, ainda esperando respostas.

- Você foi me procurar, pra dizer exatamente o que? – Perguntei, me apoiando na cabeceira da cama.
- Pra explicar que eu e Henrique nunca fomos amantes. Nos vimos algumas vezes, mas porque ele foi me procurar, como cliente, na época que eu fazia programas.
- Então, vocês transaram?
- Eu não sabia que vocês estavam noivos. E, pra mim, ele era só mais um que pagava por prazer.
- Quantas vezes vocês se encontraram?
- Não sei.
- Quantas???
- Não lembro Fernanda! Talvez, umas quatro ou cinco vezes. Eu tinha alguns clientes fixos.
- Você mentiu pra mim, quando tinha dito que não fazia mais programas. E, eu acreditei em você. Eu fiz amor com você, correndo o risco de até pegar uma doença.
- Você sabe que eu sempre me protegi.
- Não sei de nada, porque não conheço realmente quem é você. Não me admiraria se você ainda usasse drogas.

Ela abaixou a cabeça, sem ter o que responder. Mordi os lábios e engoli saliva, pesadamente. Não me agradava, nem um pouco, ouvir aquilo que ela tinha dito.

- Posso pegar ela no colo?

Coloquei Nicole pra arrotar, com a cabecinha em seu ombro e fiz sinal para que ela batesse de leve em suas costinhas.

- E, depois, quando você já sabia que ele era meu marido, continuaram a se encontrar?
- Não. Eu não quis mais. Mas, ele continuou me procurando e me ameaçando de morte, caso eu me aproximasse de você de novo.
- Então, ele sabia que você e eu...
- Sim. Talvez ele quisesse descobrir o que tanto você via em mim já que ele achava que eu era só mais uma puta comum.
- E, na noite que eu encontrei aquela gravata embaixo da sua mesa, vocês transaram?
- Não! Por favor, acredita em mim! Ele chegou lá em casa louco da vida, querendo me agredir e dizendo que eu era a causa dos seus problemas. Eu puxei uma faca pra ele, e consegui expulsá-lo do meu cafofo. Nunca mais o vi, até o dia do hospital.
- Você foi quem avisou a ele que eu estava lá?
- Sim. Eu peguei o número no seu celular antes de sairmos na ambulância.
- Você disse que recebia dinheiro dele, era pra ficar longe de mim?
- Eu sei que fiz errado em aceitar, mas eu fiz pela Dedê e as crianças.
- O que fez com os 12 mil reais que eu depositei em seu nome?
- Dê e Dona Emília usaram pra reforma da pensão e usaram também pras despesas com as crianças. Entenda, elas são tudo que tenho na vida.
- E a mim?
- Você não é minha. Nunca foi...
- Talvez, eu tenha sido mais do que você imagina e você foi quem não soube dar o valor necessário.
- Você ainda me ama, Fernanda?

Nesse momento, ouço barulho de passos vindo do corredor e Brenda entra pela porta do quarto, com um sorriso no rosto, agarrada a um ursão de pelúcia marrom do Puff e com um embrulho de presente.

- Nanda, olha o que eu... – Parou imediatamente de falar quando seus olhos se cruzaram com os de Eduarda.

E como desgraça pouca é bobagem, apareceu Henrique logo atrás, segurando um velocípede rosa da Barbie numa mão e um andador, também rosa, em outra.

“To ferrada!”

Continua...

CoquetelOnde histórias criam vida. Descubra agora