Capítulo 23

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“CONVICÇÕES SÃO  FRÁGEIS, QUANDO  MAL ALICERÇADAS.” Depois que a deixei no presídio segui direto para o escritório da Merck. Com sorte encontraria Cecília saindo do trabalho. Não deu outra. Quando ela desceu do elevador pra garagem, eu a estava esperando ao lado do seu carro, que conhecia muito bem pela cor extravagante. Ela se aproximou de mim com cautela.- Oi Ceci! Precisamos conversar.- Ah! Agora você lembra que eu existo é!? Agora você quer falar comigo? – Debochou tentando abrir a porta do carro nervosamente. A chave caiu de suas mãos e ela gritou um “merda” bem alto. Olhou pra mim. – Pois agora quem não quer sou eu!- Cecília, por favor. As coisas ficaram mal explicadas e a situação se descontrolou. Te peço desculpas de minha parte. Temos pontos de vistas diferentes e isso nunca foi problema entre a gente, mas desta vez você exagerou.- Exagerei!?- Olha, o que você viu lá no apartamento...- Não me interessa que tipo de relação você mantém com aquela... mulherzinha! Poupe-me os detalhes... me dá nojo só de pensar.Nesse momento o Mauro saiu detrás de uns carros vindo em nossa direção.- Problemas com a namoradinha Fernanda?? – Sarcástico.- Cuida da sua maldita vida e me deixa em paz. Seu imbecil!!- Ôoohh... como ela é bravinha! – Colocou as mãos pra cima. – Eu avisei que ela não prestava. Aliás, ela ainda continua tão boa no que faz com a boca? – Soltou uma gargalhada estridente. – Vocês devem conversar muito na cama, hein! Ela diz que você é o máximo!??- Vai se fuder Mauro!!Ele entrou no carro, que coincidentemente estava estacionado perto do de Cecília, com um sorriso zombeteiro, dando a partida. Parou próximo a nós duas.- Diz a ela que eu quero relembrar os velhos tempos... – Fez um sinal, como se estivesse se masturbando e pondo a língua de fora em movimentos rápidos.Senti a mão de Cecília em meu braço, mas não foi o suficiente pra me conter.- Seu merda!! Filho da puta! – Dei um chute na lataria do carro. - Sai da minha frente seu cretino asqueroso!!Estava com tanto ódio daquele sujeito que continuei a chutar o carro, enquanto ele dava ré. Acho que consegui fazer um estrago bem grande, devido a raiva. Ele não tentou nada contra mim, sabia que um escândalo na garagem da empresa, seria expô-lo no escritório. Apenas deu ré assustado e sumiu por entre as grossas colunas da garagem, cantando pneu. Acho que ele não esperava a minha reação.- Filho da mãe covarde!!! – Gritei a plenos pulmões.Num minuto apareceram os seguranças da garagem e algumas pessoas que passavam em busca de seus carros e  me olhavam assustadas. A nossa sorte era que a maioria dos empregados do escritório já tinham ido embora.- Tudo bem gente. Só foi um desentendimento bobo.  Já passou. Vamos sair daqui Fernanda! Onde está seu carro? – Sussurrou  Cecília me empurrando até onde indiquei com a cabeça. Tomou as chaves da minha mão e me jogou no banco do carona. Eu fazia tudo no automático, tamanha a adrenalina que ainda agitava meu corpo.Quando saímos do prédio e eu pude respirar o ar noturno, fui voltando a mim e me acalmando. Cecília me olhava sem dizer nada. Devia estar impressionada pelo meu comportamento anormal. Nunca ela havia me visto tão agressiva. Quando demos a volta pela Praça Mauá, minhas lembranças voltaram todas de uma só vez. Eu já estava exausta emocionalmente e meu estômago começou a sentir o resultado disso, dando voltas. Minha vista escureceu.- Cecília... para o carro...- O quê? Tá louca!? Aqui é muito perigoso!- Para o carro agora! – Berrei.Ela deu a seta rapidamente e nem bem encostou, eu abri a porta e botei pra fora tudo que estava no meu estômago. Cecília deu a volta no carro e veio me socorrer, quando eu quase caía do banco.- Nanda, o que você tem? Fala comigo! – Batia levemente no meu rosto.Ela se levantou pra pegar o celular no carro. Sentei na calçada e busquei o ar que me faltava com a cabeça baixa entre as pernas. Comecei a soluçar alto. Vomitei novamente. Dessa vez, um líquido esverdeado.- Oh, meu Deus! Nanda!?Ela tentou se aproximar novamente e eu fiz sinal pra esperar um pouco, enquanto outra rajada de líquidos saía de minha garganta. Fiquei imóvel, com a cabeça baixa e Cecília afastou meus cabelos para que não se sujassem em meu vômito. Sentou-se do meu lado e tentou me amparar.- Nanda!? Precisamos sair daqui. – Olhando pros lados. - Você consegue  se levantar?Estávamos numa das ruas transversais a Avenida Perimetral e o lugar, próximo ao porto, era sombrio e de pouca luminosidade. Seríamos presas fáceis ali. Apesar de zonza, tentei me levantar com a sua ajuda. Conseguimos chegar até o carro e eu praticamente desmaiei no banco.- Vou te levar ao hospital! Daqui até o Souza Aguiar é um pulo.- Não! Não precisa. Eu vou ficar bem. Só preciso de um bom banho e dormir um pouco.Minha cabeça latejava e eu agradeci quando Cecília não reclamou. Limitou-se a procurar uma caixinha de lenços no porta-luvas e colocou em meu colo, sem nada dizer. Senti sua mão acariciando a lateral do meu braço esquerdo. Eu estava tão zonza que nem percebi que ela tinha ligado o rádio e rumava direto pra Copacabana. “Vai me deixar em casa”. Seu semblante parecia agoniado, diferentemente do que sempre estivera. Alegre, jovial. Tinha um vinco de preocupação em sua testa.Chegamos ao apartamento e ela me levou até o sexto andar, depois de estacionar meu carro cuidadosamente na garagem. O ar da noite que eu havia respirado no caminho, me restaurou a sanidade e as forças. Apenas sentia uma dor aguda no estômago, como se estivesse se contorcendo. Fui direto pro chuveiro e quando voltei, Cecília havia preparado um chá de cidreira pra mim. Ela me olhou com pena.- Eu não sabia o que preparar, mas acho que o chá vai servir pra acalmar um pouco seu estômago. Tem uns biscoitos de polvilho, se você aguentar comer.- Obrigada. – Sentei no sofá e comecei a tomar o chá.Ela sentou-se ao meu lado, acariciando meus cabelos molhados.- O que aconteceu Fernanda?- Você viu.- Você sabe a que me refiro. Eu nunca te vi assim, tão agressiva antes.Ela esperou que eu dissesse algo. Continuei bebendo meu chá, calada.- Ela significa tanto assim pra você?Olhei-a sem nada dizer. Ela entendeu minha resposta. Suspirou.- Essa mulher vai te destruir! Você não enxerga o óbvio!?- Não fale do que não sabe. Você nem a conhece.- Eu não preciso conhecê-la pra saber que ela é nociva a você. Olha pra você! Olha o que ela já fez com você. – Apontou meus braços. - Você já se olhou no espelho hoje!? Tem noção do seu estado físico? Você tem arranhões pelos braços e um corte nos lábios, fora os malefícios morais que não são visíveis.- Eu caí da escada quando estava pintando a parede e bati minha boca na lata de tinta.- Ahh... por favor Nanda! Você pode inventar uma desculpa melhor. A quem você quer enganar!? Ela bateu em você?- Isso não tem nada a ver com ela!- Como também não tem a ver o que acabou de acontecer!? Você tem consciência do estrago que você fez no carro do Mauro? Não só no carro daquele idiota, como também na sua própria imagem lá na empresa. Pensa que seu nome não estará circulando nas rodas de fofocas do escritório por pelo menos 1 mês inteiro? Isso se não cair nos ouvidos do superintendente regional e aí, minha amiga, você vai tá ferrada! E tudo por causa dessa mulher!- Chega Cecília!! Eu já entendi! Como também quero que você entenda que ninguém tem nada a ver com minha vida fora dali. É minha vida particular!- Nossa!! Eu sou sua amiga! É isso que ganho por te ajudar? Por me preocupar com você?- Eu sei me cuidar sozinha! Não sempre foi assim!?- É, senhorita autossuficiente! Tanto que precisou que eu a trouxesse arrastada pra casa hoje. E depois? Como será!?Abaixei a cabeça, constatando a veracidade de suas palavras. Eu tinha consciência que estava um caco emocional e isso transparecia no meu físico. O cansaço daquele dia longo começava a se abater sobre mim. Suspirei alto e deitei minha cabeça no encosto do sofá. Ela se ajoelhou na minha frente e colheu meu rosto com ambas as mãos. Seus olhos estavam rasos d’água.- Pula fora enquanto é tempo Nanda!!! Antes que seja tarde demais... – Deu um beijo no meu rosto e se levantou . – Eu espero que você não perceba isso, quando não tiver mais jeito. Boa noite. – Saiu.Fiquei alguns minutos admirando o teto e pensando que nunca havia visto tanta maturidade em seu comportamento, como o dessa noite. Levantei, tranquei a porta e segui direto até o meu quarto, me jogando na cama, ainda em desalinho pelos acontecimentos da tarde. Adormeci profundamente.Nos dias que se seguiram tudo parecia normal. Exceto o fato de que quando saíamos em casais, Cecília e Carlos procuravam não fazer comentários sobre Henrique e eu. Não podia perder a amizade dela, mas também não podia aceitar que ela me dissesse o que fazer da minha vida. Eu, por outro lado me sentia segura com Henrique não sabia como lhe dizer que havia terminado o que nem sequer começou oficialmente pra mim.Numa tarde, depois de um almoço de domingo em meu apartamento, Cecília me interpelou na cozinha.- Então!? Já disse ao Rick que ele não faz mais parte dos seus planos?Larguei os pratos na pia, fechei a torneira e a encarei. Olhei pela porta da cozinha e os vi jogando cartas na mesa da sala.- Não.- E quando pretende dizer-lhe a verdade?- Ceci, prefiro não falar disso agora, tá!? Não vamos estragar nosso domingo.- Você ainda está com ela, não está?- Se quer saber, depois daquele dia nunca mais nos vimos.- Seria bom pra você que fosse verdade.Depois daquele incidente no apartamento, nossa amizade nunca mais foi a mesma. Cecília se esforçava para parecer natural em minha presença, mas não conseguia. Estava sempre com um pé atrás e com um olhar analítico. Seus comentários eram superficiais e seu sorriso, quase sempre, estava apagado.Henrique, por sua vez, me cobria de mimos e me tratava como se nada soubesse ou fazia vistas grossas para o que acontecia. Não dormíamos mais juntos e eu o evitava de todas as formas, alegando que teríamos todo tempo do mundo para ficarmos “grudados” depois do casamento. Dava graças a Deus por ele trabalhar demais. Só nos encontrávamos em ocasiões sociais onde não estaríamos sozinhos. Admiti só estar com ele pra resguardar as aparências e os comentários, que como disse Cecília, já circulavam de boca em boca no escritório. Minha amiga tinha razão quando afirmava que eu o estava usando. E eu não podia deixar de dizer que ele representava a minha “salvação” aos olhos dos meus pais.Quase no final do ano recebi um telefonema muito estranho, que não consegui identificar de imediato.- Fernanda??- Sim, ela. Quem deseja?Houve um silêncio na linha e outra voz soou entusiasmada.- Dona Fernanda!?- Adelaide??- Minha nossa sinhôra, quanto tempo!!! A sinhôra tá bem?- Sim e você? Não me mandou mais cartas e sumiu completamente. O que houve?- Ah, dona Fernanda, é que eu tive muito doente.- Eu posso ajudar em alguma coisa? – Perguntei preocupada.- Pode dona Fernanda. Tenho muitas saudades da minha menina e gostaria muito se ela pudesse passar o natal cumigo e com as meninas aqui em Petrópolis. Pensei que a sinhôra poderia interferir com os políça aí pra me ajudar.Sorri da linguagem simples e direta daquela senhora que eu havia aprendido a gostar.- Olha, eu acho meio complicado. Está muito em cima da hora e além disso, ela não pode ir muito longe do Rio.- Eu não entendo de lei, mas eu vi isso na televisão. E se a sinhôra trouxer ela e ficar responsável?- Eu???- É. Porque não!? Assim, aproveitamos e matamos logo a saudade de todo mundo junto.- Eu não posso me ausentar do Rio no final do ano Adelaide. Meus pais virão passar o natal aqui e...- Por favor Dona Fernanda! São só dois dias e além do mais as meninas sempre perguntam pela sinhôra.Pensei rápido. Eu tinha uma grande consideração por aquela senhora e me doía muito lhe negar um pedido.- Eu vou ver o que posso fazer Adelaide.- A sinhôra tem o endereço daqui, não é?- Se for o mesmo das cartas que me mandou, tenho sim.- Não, mudamos pra Petrópolis. Anota aí o endereço.Anotei o tal do endereço e depois de algumas observações e da promessa de conseguir uma “licença” de natal pra Eduarda, desliguei o telefone contrariada, mas eufórica. O simples pensamento de estar com ela de novo, mesmo que fosse numa reunião familiar, mexia com meus hormônios.  A VOZ DA CONSCIÊNCIA No dia seguinte, na hora do almoço, fui ao escritório do advogado.- Boa tarde senhorita Fernanda! Que surpresa. Sente-se! Quer um café, uma água ou um suco?- Obrigada doutor, mas não.- A que devo a honra? – Cruzou as mãos em cima da mesa.Expliquei-lhe os motivos de estar ali e ele me garantiu que isso seria viável devido ao bom comportamento de Eduarda e mesmo que Adelaide não fosse considerada família, era a coisa mais próxima disso que ela possuía. O juiz entenderia. Ainda me deixou a par das investigações que fazíamos por fora, com um detetive. Num dado momento o senhor de cabelos grisalhos a minha frente tirou os óculos de grau e os colocou em cima da mesa. Algo em mim dizia que a conversa seria delicada.- Fernanda, venho acompanhando esse caso há muito tempo e eu sei da sua luta para tirá-la de lá. – Fez uma pausa e pigarreou. – Bem o que eu estou querendo dizer é que aprecio tudo o que faz por essa moça.- Obrigada.- Mas sei que seu interesse por ela vai além de simplesmente ajudá-la.- Não entendi. – Me mexi na cadeira aparentando desconforto.Ele levantou-se e se pôs atrás de mim, andando de um lado pro outro.- Sou um homem vivido e com experiência suficiente para distinguir pena de gratidão e amor de desejo.Virei-me na cadeira buscando seu rosto e abri a boca para falar quando senti suas mãos pesadas nos meus ombros, me fazendo voltar à postura anterior.- Deixa eu terminar, minha querida... – Massageou levemente meus ombros. – Minha mulher diz que não podemos nadar contra a corrente e quando estamos a ponto de nos afogar, se debater é pior. Se deixe levar, até encontrar algo em que se possa se apoiar nas margens.- Desculpe, mas ainda não entendi o que está querendo dizer doutor. Seja mais claro.- A ama!Remexi-me na cadeira com mais vigor, não querendo aparentar nervosismo. Fiquei muda, esperando o astuto homem concluir.- Agora, um conselho... - Deu a volta na mesa e sentou-se em sua poltrona estofada, ajeitando a gravata. - ...esse é de um amigo, não do advogado. Há muitas pessoas lá fora que vão querer usar esses sentimentos contra a senhorita, ou por inveja, ou por maldade. Há caminhos que não podemos caminhar e se o fizermos, teremos que redobrar nossa atenção, para não cairmos em armadilhas escondidas onde menos esperamos.Ouvia tudo atentamente sem esboçar qualquer reação, como que paralisada. Eu sabia muito bem ao que ele se referia e o velho advogado era esperto o suficiente para ter percebido todo o meu dilema.- Se importa se eu fumar? – Me mostrou um velho cachimbo, que com minha negativa, acendeu logo em seguida em um minuto arrastado que não passava nunca. Como se me desse tempo suficiente pra pensar em suas palavras.Continuou depois de uma baforada.- A senhorita é uma mulher jovem, bela, impulsiva. Nessa idade achamos que somos donos do mundo e podemos tudo, mas nem sempre podemos. Há coisas que estão além do nosso alcance e mesmo que quisermos, não podemos mudar porque está além de nós.- O que o senhor está querendo dizer com todo esse rodeio de palavras? – Falei impaciente.- Perdoe-me, serei mais claro. Pelo tempo que a conheço, mesmo com a pouca convivência, aprendi a admirá-la. Justamente pelo empenho em salvar essa moça, não só da prisão, mas dela mesma. Como profissional diria que é louvável, como amigo e agora, admirador, diria que é uma atitude nobre e desprendida de julgamentos. Prometi fazer tudo para ajudar ambas e é o que estou tentando fazer nesse momento.Deu uma pausa.- Ninguém percebe que a senhorita também está precisando de ajuda. Que se sente confusa e perdida.Baixei a cabeça, e pensei que poderia esperar isso de um pai e não de um advogado, quase um desconhecido pra mim.Continuou.- Só tome cuidado com suas decisões Fernanda.  – Falou meu nome em tom sério. - Ouça seu coração, mas também meça com a razão.Saí daquele escritório sentindo um leve incômodo por suas palavras. Não queria admitir que ele estava certo e que eu me sentia tão perdida e desamparada quanto a própria Eduarda.Naquela tarde, checando meus e-mails, me deparei com um de Brenda. Foi como um bálsamo pra mim. Escrevi uma mensagem relativamente curta e depois de reler várias vezes a enviei. Fechei o laptop e suspirei. Seria tão fácil me apaixonar por uma pessoa como Brenda. Culta, livre e bem resolvida. Sabia muito bem que aquela noite de bebedeira não tinha sido um engano pra ela. Há muito tempo que percebia suas indiretas pra mim, mas nunca havia alimentado nada em relação a isso. A adorava como amiga e assim tinha que ser.“Porque nosso coração nunca faz o que é certo?”Alguém bateu na porta e logo depois Adriana entrou com um buquê de rosas vermelhas e rosáceas.- Não se preocupe que não são minhas. – Debochou . – Mas, não deixa de ser uma boa ideia. Ainda não tentei isso com você. – Piscou pra mim.Adriana já havia se tornado um divertimento a parte pra mim, naquele escritório onde respirávamos seriedade. Não me importava mais com suas indiretas e até já sentia falta quando a via amuada. Almoçávamos várias vezes juntas, mas fazia questão que nossas conversas sempre girassem em torno de assuntos profissionais. Em certas ocasiões, me “esfregava na cara” suas várias conquistas, que pra mim, eram completamente indiferentes. Adriana era do tipo conquistadora e eu seria mais uma na sua longa lista.- Obrigada Adriana.Ela hesitou por uns instantes com os braços cruzados no peito, curiosa.- Você pode me dar licença?- Ah, claro. Desculpe. Se precisar falar comigo...- Eu aviso, pode deixar.Reparei que no meio das flores havia um bilhete. Era de Henrique.“As rosas vermelhas representam a paixão e as rosas, todo o amor que sinto por você! Quer jantar comigo?”Sorri sarcástica. Cinco minutos depois meu celular toca.- Oi, minha deusa! Gostou das flores?- Sim, são lindas. Obrigada. – Falei sem muito entusiasmo.- E então, aceita jantar comigo hoje?- Não posso Henrique. Tenho que levar uns balancetes pra analisar em casa, pra segunda-feira.- Você nunca pode. Poxa Fernanda, não custa nada deixar pra analisá-los depois. Além disso, eu tenho uma surpresa pra você.- Que surpresa? O que está planejando?- Você vai ver. Às 21 no Antiquarius? Te pego as 20!Decidi não lutar contra a corrente e aceitei, meio a contragosto. Antes das 20:00 horas Henrique já esperava de frente a porta do meu apartamento com um pequeno vaso de orquídea e uma caixinha de presente em outra mão. Entrou, me olhando de cima embaixo.- Você está completamente maravilhosa!!!! – Afirmou extasiado.- Obrigada. São seus olhos.- Nãoo... é você que é uma deusa do amor e que me deixa louco! – Estendeu o vaso de orquídea. – Você se parece com ela. Rara e encantadora! – Beijou-me de leve os lábios.Sorri sem graça, aceitando o vaso.- Você também não está mal. Parece um príncipe.- O seu príncipe!“Se soubesse que eu preferia uma princesa!” Sorri do meu pensamento estúpido.Henrique me seguiu até o quarto, onde fui terminar de me arrumar. Ele chegou por trás de mim e colocou um pequeno estojo delicado em minhas mãos.- Abra!Fiz como me pediu sem mais delongas. Encontrei naquela caixa entalhada com um símbolo que me parecia um escudo, um par de brincos de ouro branco com pequenas pedras de diamantes encrustadas e pra acompanhar uma gargantilha no mesmo estilo com um diamante maior no meio de um coração.Nunca fui de me impressionar com joias, mas tinha que admitir que eram peças belíssimas, de um bom gosto extremo e uma delicadeza ímpar. Fiquei sem palavras.- Não gostou? - Perguntou sério.- Não é isso. Não posso aceitar. Deve ter custado uma fortuna.- Nada que você não merecesse. – Disse tirando a gargantilha de minhas mãos e colocando em meu pescoço. - Ficou perfeito! – Acariciou de leve meu colo. – Você é linda Fernanda!!! – Me abraçou, me beijando o pescoço com ardor.Desvencilhei-me dele antes que tentasse algo mais.- É melhor irmos, senão, vamos nos atrasar. – Passei por ele como uma flecha pra dentro do banheiro, colocando os brincos. Ainda a tempo de escutar um suspiro profundo.Chegamos ao Antiquarius antes da hora e percebemos os olhares curiosos que acompanhavam nossas figuras ao entrar. Senti-me como em um espetáculo teatral, onde eu fazia o papel do bandido, ali, ao lado daquele homem que a muitos olhos, se pareceria a um príncipe encantado. “O mocinho”.Sentamos e pedimos o cardápio, enquanto eu reparava olhos cobiçosos, tanto em mim, quanto nele. Éramos um casal pra ninguém botar defeito. Eu estava com um vestido longo, preto, um salto agulha e os cabelos soltos em cascatas cacheadas até o meio de minhas costas e Henrique trajava um terno cinza-brilhante feito sob medida, com uma camisa preta por baixo com um fino colarinho. Seus cabelos volumosos, cuidadosamente penteados e caídos charmosamente de lado. Era o homem perfeito!Fizemos os pedidos. Henrique escolheu paletas de cordeiro com feijão branco enquanto eu fiquei com as perdizes ao molho madeira. O jantar transcorreu sem mais surpresas, regado a um dos melhores vinhos da casa Quinta do Portal Gran Reserva Douro.- Essa era a surpresa que havia me preparado, ou tem mais alguma? Não me chamou aqui, com esse luxo todo só para um jantar romântico, não é?- Você é muito perspicaz minha bela! – Disse admirado. – Estava esperando o momento certo. – Tirou do bolso do paletó uma pequena caixinha aveludada me olhando intensamente.- O que é isso?- Meu pedido oficial de casamento! – Abriu a caixa e meus olhos cintilaram no par de alianças de ouro amarelo e branco coberto com uma camada de minúsculas pedrinhas de brilhantes. Eram os meus preferidos.  – Fernanda Villar Schimdt... - Falou num tom solene. - ...eu Jorge Henrique D’aguiar Mancini, seu eterno apaixonado, venho pedir oficialmente sua mão em casamento. – Seus olhos faiscavam. Ele esperou que eu falasse algo. Chocada, emudeci. – E então, aceita?Olhava-o como se fosse transparente e tentava me distrair observando os rostos alheios atrás dele. Meu coração disparou. A adrenalina em meu corpo foi a mil. Meu estômago deu voltas e mais voltas naquele curto espaço de tempo em que sua voz grave entrecortou meus pensamentos.- Fernanda!?- O que? – Disse com ânsia de vômito. Era assim toda vez que algo escapava ao meu controle.- Te fiz uma pergunta. Você aceita se casar comigo?- E... eu... n- Você o que?- Não posso Henrique!! – Disse de uma só vez, com medo de que minha voz não saísse.- Não pode por quê? Nós nos damos bem na cama e fora dela. Sabe o que sinto por você e não é novidade pra ninguém que eu faria qualquer coisa por você. – Dizia esperançoso.- Eu... eu simplesmente não posso Henrique. Entenda!!!- O que eu tenho que entender? Que você não me ama? Eu já sei! Não me importo! Posso amar por nós dois e...- Não faz isso Henrique...- Fernanda... Eu te amo!!Um bolo se formou na minha garganta e eu sabia o que viria logo depois. Levantei num rompante e corri o mais que pude até o toalete colocando todo o nosso maravilhoso jantar pra fora. Nem senti quando sentei no chão do reservado e deixei minhas lágrimas descerem aos borbotões. Não me importava com quem estivesse ouvindo. Depois de um tempo saí do reservado e fui lavar o rosto na pia. Algumas mulheres me olhavam com cara de assustadas, outras, com pena. Ouvi uma voz ao longe me perguntando se estava bem, mas eu só tinha intenção de sair dali correndo. Quando saí do toalete, Henrique me esperava nervoso no corredor.- Fernanda, meu amor, você está bem? – Agoniado.“Meu amor...”- Sim. Eu só quero ir embora. Leva-me pra casa, por favor.- C... claro. É só o tempo de eu pagar a conta. – Não escondia a decepção na sua voz.No carro, silêncio total. Eu poderia ver suas feições duras. Estava preocupado, mas havia algo mais, como se uma dor fina o machucasse por dentro.“Desculpa. Não queria te machucar, como acabo fazendo com quem se interessa por mim!”Depois de 20 minutos paramos em frente ao meu prédio. Ele desceu do carro e abriu a porta pra mim, como sempre fazia e me seguiu no elevador até o meu andar. Quando ia entrar junto comigo no apartamento, coloquei a mão em seu peito, parando o movimento.- Não. Eu quero ficar sozinha hoje. – Vi dor em seus olhos. – Por favor... outra hora a gente conversa melhor.Ele ficou mudo. Virei-me pra entrar antes de perceber a decepção total em seu semblante. Bati a porta e suspirei alto. Fui até o sofá e me joguei nele, adormecendo horas depois, com um vidrinho de comprimidos pra dormir  na mão.

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