Capítulo 5

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Toda grandeza advém da perda...”

- Não, Júlia, diga a eles pra começarem sem mim porque eu vou me atrasar um pouco, mas vou trabalhar agora de manhã. E se ficar algum serviço pendente pra mais tarde, eu faço hora extra. Ok. Até mais tarde.

Coloquei o telefone no gancho e me virei pra garota sentada na mesa da cozinha terminando o café e fiquei observando-a sem que percebesse. Desde a noite anterior só havíamos falado sobre coisas relacionadas ao seu estado, em nenhum momento foi feito sequer uma pequena menção sobre o ocorrido na noite anterior e no íntimo eu achava melhor assim, apesar de eu notar que tinha algo no ar esperando pra ser dito. Tínhamos combinado de eu levá-la cedo em casa, mas eu ainda tinha ficado um pouco incomodada com o fato de não saber notícias dela depois. Ela ainda me preocupava, agora mais do que nunca, depois de tudo... Mas, tudo o que!? O que afinal tinha acontecido entre ela e eu? Porque eu tinha a impressão que deveria protegê-la e que ela precisava de mim?

As perguntas sem respostas continuavam martelando minha cabeça desde ontem à noite e eu não encontrava explicação pra sensação maravilhosa que eu tinha sentido ao beijá-la ou simplesmente pelo fato de ela ter aberto o mundo dela pra mim de uma forma tão especial. Perguntava-me se não estava impressionada com ela justamente porque era o oposto de mim e mesmo sem me dizer, os seus olhos tristes e o seu corpo e evidenciavam uma vida difícil e sofrida. Eu tentava me convencer que meu lado solidário estava desabrochando, enquanto meu corpo dava sinais que não tinha esquecido a noite de ontem.

- Eu tenho um filho....

- Como!? – Falei despertando do meu torpor e levantando os olhos do meu café. Ela não deu mais explicações.

- ...as marcas nas costas foram feitas por dois seguranças que me pegaram roubando uma bolsa numa lanchonete de um shopping...

Eu não tinha idéia do que ela estava falando e muito menos esperava essa atitude naquele momento. Então, decidi apenas ouvir sem perguntas. Ela levantou e seguiu até a varanda, encostou-se à mureta e acendeu um cigarro com certa dificuldade. Depois de alguns instantes eu a segui e fiquei esperando que ela falasse por si só, senti que tinham mais coisas a serem ditas e de alguma forma ela precisava desabafar com alguém. Depois de algum tempo calada, olhando o mar ela continuou.

- ...a cicatriz que você viu eu consegui num desentendimento com um cliente dentro de um quarto de motel e o ombro deslocado, foi há 2 anos atrás numa briga de rua com duas mulheres mais experientes que eu nisso... Elas achavam que eu era bonita demais e roubaria os clientes delas... - Disse dando uma baforada. – ...quando o tempo vira, eu sinto dores horríveis no ombro...

- Eu sinto muito. – Comentei sem saber o que dizer ao certo.

- Não sinta dotôra, não é culpa sua, eu que escolhi essa vida maldita.

Ela continuou a fumar seu cigarro olhando pro horizonte e quando este acabou ela acendeu outro. Parecia ansiosa como da primeira vez que nos encontramos.

- Você falou sobre seu filho...

Ela sorriu, seu semblante mudou; de tenso se transformou em terno e abraçou-se como que abraçando um ser invisível que estivesse na sua frente.

- Minha filha... É uma menina... Ela tem cinco anos agora. Ela não vive comigo.

- Está com o pai?

- Não, eu não sei quem é o pai. Quem a cria é minha mãe. Eu mando dinheiro todo mês pra ela e economizo o que posso pra um dia comprar um canto e dar uma vida decente pra ela. Enquanto isso não acontecer, eu só posso vê-la de longe.

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