Parte II
RuteEu estava exausta. A sapatilha havia feito machucados em meus pés e aquilo seria um lembrete de sempre quando for caminhar por muitas horas, ir de tênis.
Havia ainda muitos currículos a serem entregues, mas eu não podia desanimar, quanto mais difícil ficava, mais próximo da benção eu estaria.
E eu precisava de uma resposta. Já se fazia um mês que eu havia ido morar com Noemi em Acorizal. Deixamos aquela cidade enorme de São Paulo e agora estávamos ali. Noemi ainda tinha dinheiro, depois da venda da sua empresa, ela havia guardado tudo e sabia como usar, mas eu não podia viver para sempre às custas dela, eu precisava ter a minha própria renda.
Abri a porta de nossa casa e limpei o suor que escorria sobre a testa. O céu já escurecia e o cheiro de comida acertou em cheio o meu nariz fazendo com que meu estômago me alerta-se de que faziam mais de cinco horas que eu estava sem comer.
Tirei as sapatilhas e sentindo o chão gelado embaixo dos meus pés caminhei silenciosamente até a cozinha.
Noemi cozinhava e baixinho sussurrava uma música que eu não conseguia escutar. Ali estava uma mulher que havia se tornado um exemplo enorme para mim. Suas atitudes, suas palavras eram tudo que eu precisava ver e escutar.
Mas eu sabia o quanto a morte de seus dois filhos a havia abalado, e quando a vi cozinhando, estranhei. Durante todo aquele tempo estávamos comendo comida congelada comprada no mercado. Eu era um desastre em questão de cozinhar, só sabia fazer o básico e Noemi se recusava a fazer a comida, até aquele momento. Limpei a garganta sinalizando que eu estava ali presente.
-Rute, minha querida! -Ela sorriu e aquele brilho em seu rosto havia retornado, e eu via que seu sorriso não era falso e nem havia sinais de um esforço sobre humano para ele existir. Noemi não parecia a mesma mulher que eu havia deixado de manhã sozinha enquanto ia entregar currículo. Ela sequer estava cozinhando!
-A senhora cozinhando? -Perguntei me aproximando do fogão.
-Fiquei com vontade de cozinhar! -Ela sorriu. -Vá, se troque e desça para jantarmos. Vou colocar a mesa.
Concordei sem questionar, quando já havia me trocado, desci e me sentei a mesa notando que ela havia colocado cinco pratos.
Eu, Malom, Quiliom, Orfa e ela.
Engoli em seco. Quando ela começou a servir, vi que ela percebeu seu erro e parou o que estava fazendo:
-Dona Noemi... -Me levantei prontificando para retirar os pratos. -Pode deixar...
-Por favor, Rute. Comece a comer a sua comida. -Ela apertou meu ombro e senti urgência naquele gesto. Me sentei e comecei a comer. -Irá demorar algum tempo para eu me acostumar, mas vai dar tudo certo. -Noemi colocou sua comida e se sentou a minha frente. -Como foi a entrega de currículos hoje?
-Entreguei em várias empresas, todas disseram que qualquer coisa entrariam em contato comigo. Estou confiante, Noemi. -Ponderei por alguns momentos em falar que eu havia entregado currículo na nova empresa que era dela, mas decidi por fim que não seria bom falar, eu nem sabia se eles sequer iriam me ligar. -Sei que Deus vai me honrar.
-Eu não tenho dúvidas, minha querida. Eu não tenho dúvidas!
***
Consequência de tanto calor? Uma chuva que parecia que o céu estava descendo até a terra.
Eu não tinha ido de sapatilha, mas havia esquecido o guarda-chuva. Respirei fundo enquanto andava de volta para casa e olhei para o meu reflexo em uma vitrine. O cabelo todo escorrido e as roupas todas ensopadas. Eu precisava chegar o quanto antes de pegar um resfriado.
Olhei para o que restava dos currículos em minhas mãos e os joguei na primeira lata de lixo que vi.
Abri a porta de casa e suspirei.
Péssimo dia.
-Rute, voltou cedo. -Noemi olhou para mim de cima a baixo vendo eu molhar a entrada inteira.
-Graças a Deus que eu consegui voltar. -Torci meus cabelos. -Achei que ia ser levada pela enxurrada. Quando a senhora falar para eu levar o guarda-chuva, vou levar sem questionar, mesmo que esteja um sol de matar!
-Estava esperando você.
-Aconteceu alguma coisa?
-Ligaram aqui para casa procurando você. Era da nova empresa de proteínas, que será inaugurada daqui três semanas. A empresa que comprou as nossas ações. Disseram para você estar lá amanhã de manhã para a entrevista, seu currículo foi selecionado.
Olhei para ela sem acreditar e pensei que talvez ela estivesse decepcionada por ser a sua antiga empresa.
-Se a senhora não quiser, eu não preciso ir amanhã, tenho certeza que outras empresas me ligarão...
-Rute, pare de falar! Vai tomar um banho e depois vamos escolher sua roupa para sua entrevista.
Sorri para ela animada, mas um misto de medo e ansiedade rodopiaram em meu estômago, e eu só conseguia agradecer a Deus pela oportunidade.