Eu creio em Ti

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Cada dia que se passava, eu e Joabe nos tornavamos mais próximos. Era óbvio que tinha alguma coisa a mais da parte dele, mas eu fingia que não percebia, por mais confortável que eu me sentia com sua amizade, era só aquilo que eu sentia, amizade.

Já havia conversado com Noemi diversas vezes, e pensava que talvez futuramente eu e Joabe nos acertariamos, afinal, éramos amigos a pouco tempo e eu ainda precisava acostumar com a ideia de gostar de outra pessoa que não fosse o Quiliom.

Eu olhava distraidamente para Joabe que estava do outro lado do salão, quando o cheiro inconfundível de seu perfume atingiu o meu nariz. Sabia que ele estava ali, mesmo antes de vê-lo. Olhei para cima onde os olhos claros de Boáz me encaravam com um misto de anseio e animação.

-Sim, senhor? -Falei quebrando o silêncio.

-Semana que vem, como você sabe, teremos uma festa para a comemoração dos novos contratos e sócios da nossa empresa que darão oportunidade de erguemos a filial que está em São Paulo... Estamos requisitando a presença de alguns funcionários que tem se destacado, e a senhora é um deles. -Ele estendeu o envelope bege, que lembrava facilmente do que a empresa trabalhava, eu sabia que as coisas estavam indo bem, a colheita da cevada estava nos proporcionando um bom rendimento. -Espero que aceite

Sorri aceitando o convite, mas com uma ansiedade crescendo em meu peito. Eu já havia estado presente diante de pessoas importantes nas inúmeras festas que eu ia ao lado de Quiliom, mas era aí que o problema aparecia, eu sempre estava ao lado de Quiliom, nunca precisava falar nada, apenas sorrir e acenar enquanto Quiliom me apresentava como sua esposa, mas agora eu estaria por mim mesma.

-Você vai, né? -Boáz perguntou ao perceber a hesitação que era demonstrada em meu rosto.

-Vou...

Ele procurou meus olhos:

-Rute?

Eu não iria recuar:

-Vou sim. -Transmiti o máximo de confiança, não para ele, mas para mim.

Boáz concordou e saiu andando e finamente pude respirar tranquilamente. Não entendia o que acontecia comigo quando estava perto dele, era um incômodo, mas era algo bom. Sua segurança e transparência era nítido até no levantar de sua sobrancelha.

Balancei a cabeça para afastar aqueles pensamentos, mas vez ou outra durante o expediente minha mente viajava, e era difícil lutar contra tudo aquilo. Boáz era educado, gentil, responsável e tinha a mesma fé que eu, por ser muito reservado com sua vida pessoal, eu apenas tinha uma suposição de que ele não estava em um relacionamento.

Pedia para Deus a todo instante limpar meu coração, não queria agir na emoção, já havia cometido aquele erro antes. As lembranças amargas da convivência com Quiliom vieram a tona. Confesso que no mesmo momento, senti tristeza e preocupação com o meu futuro.

Olhei para a janela que existia ao lado da minha mesa e olhei para o imenso céu que se estendia e comecei a cantar uma música que já havia ouvido Noemi sussurrar tantas vezes:

Quando todos os meus medos já não cabem mais em mim
Quando o céu está de bronze e parece que é o fim
Quando o vento está revolto e o mar não quer se acalmar
Quando as horas do relógio se demoram a passar
Muitas vezes não consigo os Teus planos compreender
Mas prefiro confiar sem entender

Eu creio em Ti
Eu creio em Ti
Eu olho pra Ti
E espero em Ti

Quando você sente medo, do teu lado Eu estou
E é bom que você saiba que Eu sinto a tua dor
Nunca, nunca se esqueça que o mar posso acalmar
E que Eu sei o tempo certo da vitória te entregar
Este tempo é necessário pra te amadurecer
E depois tem novidade pra você

Eu cuido de ti
Eu cuido de ti
Descansa em Mim
Comece a sorrir

O que Eu tenho é bem melhor
Pois só Eu sei do amanhã
Então recebe abraço Meu, pois da tua vida cuido Eu

Assim que terminei de sussurrar a música, nada de extraordinário havia acontecido, mas eu sabia que devia confiar em Deus. Abraão tinha cem anos quando finalmente gerou Isaque, se ele não retrucou, quem era eu para retrucar?

-Rute? -Bruna me chamou balançando a mão em frente ao meu rosto. -Rute! Pelo amor! Acorda!

Olhei para ela ainda distraída.

-Desculpe...

-Minha querida, acorda. Você está no trabalho ainda. -Ela colocou uma pilha enorme de papéis em cima da minha mesa. -Preciso que revise tudo e entregue na sala da Suzana.

Acenei com a cabeça já desanimada olhando para os papéis e respirando fundo. Pelo menos com tanto trabalho não teria espaço para Boáz, tampouco para Joabe.

***

Com os dois braços eu segurava todos aqueles papéis desajeitadamente em parei em frente a porta do escritório de Suzana, me vi no dilema de ter que segurar tudo aquilo com apenas uma das mãos. Mesmo com a porta entreaberta, eu sabia que não era educado entrar sem ser convidada, muito menos ficar ali em pé escutando a conversa dos outros.

Mas foi inevitável eu não escutar:

-Pode apostar, Talita. Nessa festa, Boáz será totalmente meu. -A voz de Suzana chegava melosa até os meus ouvidos.

-Nosso chefe não é besta, Suzi. Não acha que ele vai desconfiar?

-Está tudo esquematizado. -Ela falou e eu podia imaginar um sorriso presunçoso em seus lábios vermelhos. -Eu sei exatamente o tipo de suco que ele sempre toma, pedirei a Aaron colocar o remédio. Não altera nada no gosto e quando ele começar a se sentir tonto o conduzirei até um dos quartos, Boáz só acordará no dia seguinte e quando nos ver juntos achará que aconteceu alguma coisa.

-Ele é um homem muito certo pra cair nisso, não acha?

-Por isso mesmo. Logo ficarei grávida e Boáz se casará comigo. A pobre funcionária que ele se aproveitou.

Torci o nariz e me afastei da porta indo em direção ao banheiro e vomitei todo o meu almoço, enquanto segurava os papéis ao lado do meu corpo.

Eu não deveria ter ficado ali. Eu não deveria ter escutado. Mas eu fiquei, eu escutei... E agora?

Meu nome é NoemiOnde histórias criam vida. Descubra agora