Abri os olhos e logo vi que tinha algo errado. Olhei para o despertador, quase onze horas da manhã.
Levantei em um pulo e fiz minha oração rapidamente. Desci até a cozinha onde Noemi mexia em seu notebook tranquilamente:
-Resolveu acordar, Bela Adormecida?
-Não sei o que aconteceu. -Disse tomando um copo de café bem quente para acordar de vez. -Não sou de dormir até essas horas.
-Eu já ia te acordar. A empresa ligou, disse que você passou na entrevista.
Olhei para Noemi surpresa:
-Passei na entrevista? Que ótimo! Qual empresa?
-A nossa antiga.
A imagem de Boáz veio a minha mente e o leite se tornou amargo em minha boca.
-A moça disse que você precisa estar hoje às quatro horas da tarde para a segunda fase.
-A tarde?
-Sim.
Fiquei pensativa.
-Parece que não gostou...
-Não, eu gostei. Sera que vai acabar muito tarde? Como eu vou para a igreja?
-Quando eu e Eli trabalhávamos até tarde, nós participavamos da reunião lá mesmo na igreja do centro, se você quiser eu te passo o endereço...
Concordei com a cabeça, sabia que depois de um dia intenso que eu teria, ir até os pés do meu Senhor era primordial.
***
O teste havia sido mais tranquilo do que eu esperava. De todas as pessoas que haviam ido para a entrevista no dia anterior, apenas cinco voltaram e amanhã seríamos notificados quem havia sido contratado.
Não vou dizer que eu não estava apreensiva pelo resultado, mas eu confiava em Deus. O Deus que não havia desamparado Noemi obviamente não me desampararia. Nao era fácil acreditar em algo que eu não via, quando em toda a minha vida eu sequer havia ouvido falar nEle, mas eu não precisava que ninguém me ensinasse, a vida de Noemi era uma Bíblia aberta, os resultados da sua confiança em Deus eram os passos que eu queria seguir.
Muitas pessoas nos dias de hoje não querem ouvir falar sobre Deus, acham o papo cansativo e tedioso, abrir a Bíblia então? Nem se fale!
Essas pessoas nunca iam saber quem havia sido Abraão, Moisés ou Gideão, não iriam saber a transformação que Deus fez por intermédio deles, mas eles saberiam por mim.
Bruna havia feito o teste conosco, não havia visto Boáz em nenhum momento, ele era o chefe e como se mantinha ocupado durante todos os dias, quando comecei a trabalhar eu não o via. Via Suzana algumas vezes, e eu via que ela não tinha só como "defeito" dar em cima de alguns homens, mas a sua arrogância e prepotência em estar no cargo em que estava, era nítido em cada ordem que ela dava. Foram porcas às vezes que ela se dirigia a mim, e como eu estava apenas na semana de treinamento ela só se dirigia para pedir alguma coisa, fazer café, buscar água, organizar os papéis, como se eu fosse sua empregada, mas fiz tudo sem reclamar, eu precisava daquele emprego e não poderia dar nenhuma razão para não me contratarem.
Durante aquelas três semanas, eu voltava do trabalho tarde, por mais que eu tentasse ir para a cidade e para a igreja direto, eu chegava muito tarde, às vezes pregava apenas a oração final e comecei a participar das reunião ali no centro, que era a sede para eu não perder meu momento com Deus.
Entrei na igreja e me sentei em uma das poltronas, quando ele apareceu. Boáz vestia as roupas de trabalho e carregava sua Bíblia nas mãos. Seu olhar se encontrou com o meu e nenhum de nós dois disfarçou a surpresa, mas antes que pudéssemos falar qualquer coisa, o Pastor entrou e começou a fazer a reunião.
Confesso que no começo eu fiquei incomodada. Até aqui ele iria invadir o meu espaço? Mas logo repreendi os meus pensamentos, Boáz estava ali pelo mesmo motivo que eu, então eu deveria ficar feliz.
A reunião havia sido maravilhosa e por pouco me esqueci que ele estava no mesmo lugar que eu, mas quando fui para o ponto de ônibus que era em frente a igreja, não tinha como escapar. Boáz se aproximou de mim e sorriu:
-Boa noite!
-Boa noite.
-Esta me seguindo? -Ele perguntou rindo, mas eu não esbocei nenhuma emoção. -Quer dizer, não sabia que você frequentava a igreja...
-Nem eu sabia sobre você. Já faz uma semana que estou vindo aqui, e não o vejo.
-Eu venho pela manhã, antes de entrar no trabalho. -Ele respondeu prontamente. -Normalmente sou o último a sair do prédio da nossa empresa, não conseguiria participar a noite, só às vezes.
-É bom saber que há pessoas da mesma fé no nosso trabalho. -Principalmente se é o meu chefe, acrescentei em meus pensamentos.
-Verdade. -Boáz olhou para o relógio e pareceu preocupado. -Olha, eu até te daria uma carona até a sua casa... Mas creio que não é um bom testemunho. Se alguém ver, mesmo que não tenha maldade nenhuma, poderia comentar, e temos que preservar os bons olhos das pessoas sobre nós.
Concordei com a cabeça e finalmente dei um sorriso:
-Não precisa se preocupar, ficarei bem.
Ele balançou a cabeça e se despediu de mim.
Quando finalmente cheguei em casa, Noemi cochilava em um dos sofás com um livro aberto, certamente estava me esperando. Toquei em seus ombros a despertando e ela sorriu para mim:
-Finalmente, minha querida! Você chegou!
-Hoje tive uma surpresa muito agradável, Dona Noemi.
-E o que seria?
-Fui a igreja hoje e descobri que meu chefe é cristão.
-Que boa notícia, Rute! -Noemi se animou.
-Sim, eu sabia que algo nele era diferente.
-Sim, já vi Boáz uma vez por uma foto, fico feliz que ele esteja no caminho certo.
Olhei para Noemi surpresa:
-A senhora conhecia Boáz?
-Sim, minha querida. Boáz era parente de Eli, deve ser filho de algum primo ou sobrinho... Não lembro direito. Por isso, a venda da nossa empresa foi tão sossegada, Boáz é um rapaz compreensivo e estava disposto a levantar e continuar as finanças de Eli.
Me lembrei da entrevista e de como Boáz havia sido cuidadoso com o meu sobrenome.
Meu peito se apertou. Então ele só tinha me contratado porque eu era um parente distante?