Dois anos depois...
Mato Grosso, meu estado era quente, mas quando São Paulo estava no verão conseguia ser pior. Porque a cidade de São Paulo era abafada, o sol batia no asfalto e parecia que ficava pior e quando chovia? Ao invés de refrescar ficava aquele ar quente e dentro de casa era insuportável ficar.
Com a idade que eu já tinha alguns problemas de saúde já começavam a aparecer, eu tinha uma alimentação saudável, me cuidava ao máximo, mas vez ou outra quando o calor estava insuportável minha pressão abaixava, não era nada com que eu precisasse ficar preocupada, uma leve tontura e um mal estar, mas que passava mais rápido do que tinha vindo.
Então, imaginem! Começo de Janeiro o calor insuperável que nem conseguir ficar na cozinha preparando a comida eu conseguia. Rute e Orfa eram quem estavam fazendo o jantar, enquanto eu estava na sala assistindo ao jornal. Só estávamos nós três em casa, ambos meus filhos haviam ido para uma viagem para Santa Catarina, as coisas da nossa empresa não iam nada bem e essa viagem era a oportunidade de tentar levantar as coisas.
Eles haviam pegado o avião a tarde e eu começava a me sentir incomodada, não só pela pressão baixa, mas alguma coisa parecida estar errada. Em silêncio comecei a orar pela vida de meus filhos, tantas outras vezes eles haviam viajado sem mim, porque eu estava me sentindo daquela forma?
-Dona Noemi, o jantar está pronto! -Rute anunciou e Orfa veio até a sala se sentar no sofá.
Me levantei para ir até a cozinha, mas o telefone começou a tocar ao mesmo tempo que Orfa com a voz assustada exclamou:
-Rute! Venha aqui! -Ela aumentou o volume da televisão.
-Alô?
-"Últimas notícias sobre o acidente de avião que acabou de acontecer na divisa de São Paulo com o estado de Paraná..." -A voz da jornalista se escutava ao fundo.
-Poderia falar com a Noemi? -A jovem moça perguntou.
-Sou eu mesma.
Ela recitou meu RG e eu afirmei que era o meu.
-"... O avião caiu após o piloto tentar fazer um pouso de emergência por causa do mal tempo. Até agora não temos informações de nenhum sobrevivente. Os parentes já estão sendo avisados. O vôo tinha destino direto para Curitiba..."
-Precisamos que a senhora se encaminhe para o IML, de acordo com os registros a senhora é parente de duas vítimas...
Eu já não estava escutando mais, meu peito se afundou e a tontura voltou mais forte do que antes, tentei me segurar na mesa, mas ela parecia estar longe de mais.
Minha visão escureceu e depois disso eu não vi mais nada.
***
Antes de abrir os olhos eu já sabia. Por mais que eu não quisesse acreditar. Meus dois filhos haviam falecido.
Eu pensei em ficar ali, deitada para sempre, tamanha era a dor que crescia em meu peito, e apenas uma frase vinha na minha cabeça:
"Eles estão mortos."
Eu nunca mais iria ver a determinação de Quiliom, ou melhor, a sua teimosia, em querer tudo do seu jeito, tudo da sua forma. Seu jeito estressado que eu não fazia ideia de quem havia puxado, mas em quase todos os momentos eu podia ver as atitudes de Eli.
Primeiro meu marido, depois o meu filho.
"Eles estão mortos."
Senti meu coração se apertar ao pensar em Malom, ele havia ido algumas vezes para a igreja para acompanhar Rute, mas aonde estaria sua alma agora?
Abri os olhos, mas comecei a chorar. O teto do hospital estava embaçado e por mais que eu tentasse, eu não era forte.
Chorei, e como eu chorei.
-Noemi... -Miriam estava ao meu lado sentada, se levantou e não precisou falar mais nada. Apenas se sentou na cama e me abraçou.
-Eles estão mortos. -Sussurrei e Miriam me abraçou ainda mais forte.
Não sei por quanto tempo eu fiquei daquele jeito, poderiam se passar anos e ainda assim todas aquelas lágrimas não seriam o resultado da dor crescente dentro de mim.
Primeiro tinha sido o meu marido e agora meus dois filhos... O que Deus queria de mim?
-Noemi... -Miriam sussurrou quando eu já não tinha mais lágrimas para chorar. -Você precisa ser forte.
-Eu não consigo mais. -Falei desolada.
-Consegue, as meninas precisam de você. -Ela falou e eu foi aí que eu lembrei de Rute e Orfa.
As duas também haviam perdido cada uma seu respectivo marido.
Me levantei e caminhei até a janela e as vi, em total desespero. Rute e Orfa não tinham o que eu tinha.
Poderia estar doendo, mas eu sabia que aquilo não ia me matar. Eu tinha o Espírito Santo.
-Elas precisam da sua força. Você tem a Deus, Noemi. Elas só tem a você.
Concordei limpando o rosto, tentando parecer melhor do que realmente estava. Sai a sala que as duas estavam. Ambas olharam para mim, seus olhos estavam vermelhos e seu semblante era o pior. Me aproximei e me sentei no meio das duas. Ambas me abraçaram e voltaram a chorar.
-Vai ficar tudo bem... -Sussurrei com a voz rouca. -Deus vai cuidar de nós, como Ele sempre cuidou.
"Eu continuo confiando em Ti, meu Senhor."