Algum tempo depois Cron e Loran terminaram a coleta de armas. Os seleves começavam pouco a pouco a abandonar o espaço e o pai do rapaz foi ordenado a sair deixando para trás o seu filho. O meu sangue fervia. Não conseguia suportar a visão do rapaz magro aninhado junto à porta da taberna esperando novas ordens. Encarava o chão enquanto o seu tremor o embalava. Cron bebia a sua 10ª ou talvez 20ª cerveja ao balcão. Nem sinal de Harry. Apertei a capa preta poeirenta em volta dos meus ombros e imersa na escuridão que a localização da mesa ao fundo da taberna me fornecia tirei um pedaço de carne e coloquia sob a capa. Discretamente dirigi-me à criança sleve.
"Ei, toma. Come isto"
A criança olhou-me de olhos arregalados e depois na direção do pedaço de carne. Tremeu mais violentamente. O seu olhar seguiu instantaneamente para Cron e depois de volta a mim.
"Toma, insisti. Não te preocupes com ele" Disse referindo-me a Cron, incerta que as minhas palavras fossem verdade. Os olhos da criança brilharam e a sua mão trémula aceitou a oferta levando-a à boca rapidamente. Não voltou a olhar para mim. Estava faminto, percebi. Cerrei os pulsos e apertei as extremidades da capa com força, até o sangue sair dos meus dedos. Isto não estava certo. Não estava certo deixar crianças morrerem à fome.
Num impulso tomei uma decisão. Dirigi-me a Cron.
"Como pode o senhor usar um sleve para extorquir armas aos sleves? O rapaz estava faminto. Como pode se aproveitar do sofrimento de uma criança inocente para arriscar a vida de mais? Como pode tirar uma criança aos pais?"
"Cale-se humana imbecil. Você consegue ser mais parva que os sleves, mesmo quando achei que isso fosse impossível. Um espetro com centenas de anos já não pode ter todas as capacidades de discernimento preservadas. Selecionar uma humana! Um empecilho." Disse, a sua cara aproximou-se da minha perigosamente. As palavras eram cuspidas a meros centímetros. O seu bafo a álcool fez-me contorcer. A vibração da sua energia aumentou com a proximidade. Não me atrevi a dizer nada mais. Não era bem vinda. A minha opinião em nada importava. Contudo, tinha conseguido aquilo que queria, distrair Cron enquanto a criança comia o naco de carne. Suspirei, dando um passo para trás contra a parede.
"No entanto, admito que é um bom entretinimento, ver que tem alguma coragem nesses ossos... dirigir-se a um guardião achando que é alguém! Talvez não seja um mau entretinimento sem essas roupas também." Disse, aproximando-se. O seu olhar tinha passado da minha cara para uma zona um pouco inferior. Embrulhei a capa ao meu redor. O feiticeiro soltou uma gargalhada parecida com o som de uma cobra atiçada e deixou-me. As minhas costas encontraram as tábuas ásperas da parede de madeira. Deixei-me cair até encontrar o banco de madeira encostado à parede naquele canto escuro da taberna. Adrenalina corria nas minhas veias. Olhei para cima fitando a capa preta de Cron desaparecendo na escuridão. Senti o meu corpo tremer desobediente. O ar que respirava parecia não chegar aos meus pulmões. Deixei cair a cabeça sobre a parede atrás de mim. Eu podia fazer isto. Eu iria vingar Ray. Iria destruir Marchal e quem quer que se atravessasse no meu caminho, até mesmo Cron... Só tinha que sobreviver... mesmo que isso significasse evitar ações imprudentes como a que acabara de ter. Tinha que manter o foco em encontrar as pedras, chegar a Nazar e vingar Ray. Não era o meu lugar salvar quem quer que fosse.
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Philcrocks - Primeiro rascunho (Concluído)
FantasiaLara, uma feiticeira que odeia magia, deve abraçar os seus poderes na Academia de Guardiões de Philcrocks e aliar-se ao seu maior inimigo, o príncipe Marchal, para vingar a morte do seu irmão. * Lara luta todos os dias para manter a magia na sua vid...