Alguns feiticeiros vestidos de negro e usando chapéus pontiagudos aglomeravam-se com nobres vestidos com os fatos de festa, estupendos como Lara nunca vira. Entre eles alguns feiticeiros de mantos esverdeados podiam ser distinguidos. Lara sentiu um arrepio Eram os feiticeiros de Ashen.
"Ei, até que enfim! Venham daí que há muito a fazer, depressa! O que se passa? Parece que foram lançados no meio de ratazanas pela vossa cara! Animem-se." exclamou Murtagh, que saiu do meio de um grupo de feiticeiros dando uma trinca numa espetada de cabrito.
"Meio que fomos" bufei baixo. Mas soltei o ar que não sabia que sustinha. Sorri. Se era Murtagh que nos ia dar o castigo não podia ser assim tão mau, ou podia?
Mas Rupert não pareceu muito agradado pela forma como as coisas seguiram, nem pela alegria de Murtagh.
"Eles não vão para a festa para se divertirem, vão para um castigo Murtagh, talvez fosse hora de lhes impores alguma disciplina..." olhou para mim, como se apercebendo do meu alivio, o seu rosto franziu-se, "no meio de todos estes feiticeiros de Ashen não sobrevives muito tempo, humana" disse com desdém, "É para o meio deles que vais... e não há cá magias nem truques para te defenderem desta vez. Ou muito me engano muito ou não voltas de lá inteira... ouvi dizer que há lá zelvs, eles compelem os sleves sabes... nem sei o que fazem com os humanos. Alguns deles até os transformam emk escravos" disse num sussurro ameaçador, o tom de satisfação notório na sua voz.
Harry apertou ferozmente o punho da sua espada e Misa olhava de olhos muito abertos em seu redor, pareceria nem respirar.
"Zelvs?" repetiu Harry, "mas eles estavam proibidos de fazer magia Zelv em Philcrocks." Era suposto a bênção das espadas reforçar a aliança com Ashen, não ameaçar os sleves em Philcrocks.
"Deviam ter pensado nisso antes de desrespeitarem o vosso clã e perderem a magia" disse com um sorriso amarelo, enquanto o candelabro lhe iluminava todas as rugas no rosto, afundando-lhe os olhos encovados.
Murtagh saiu do escuro, pedindo licença entre o grupo de feiticeiros de manto verde com cara de frete e aproximou-se deles a passos largos, com uma sleve atrás de si. Uma rapariga deveras bonita e vestida em trajes menores.
"Já não era sem tempo, que não quero perder a animação toda por vossa causa! Estão bem?", mas os seus olhos recaíram sobre mim. Agradeci-lhe com um sorriso não ter feito nenhum comentário sobre a capa que usava nem as razões para estar disfarçada. Limitou-se a dar um gole no copo de vinho que a sleve lhe ofereceu. Vestia um enorme sobretudo de lâ, preso ao peito por um brasão reluzente do clâ Lua.
Podes ir Rupert, rebaixar os humanos não é a tua função! Eu dou-lhes as tarefas a partir daqui.
*
"Muito bem" disse Murtagh, depois de beber mais um golo de vinho, eu não acho prudente por alunos a desempenhar este tipo de tarefas..." disse num sussurro trémulo, contudo Lara não tinha a certeza se a voz lhe tremia de medo ou do vinho, "Mas bem Cron é que sabe, ele diz que vocês dois sabem bem o vosso papel" Murtagh olhou intensamente para Misa e para Harry que trocaram com ele um olhar suspeito, um olhar de respeito e sacrifício que nunca lhes tinha visto antes. Um arrepio percorreu-me. Não pude deixar de pensar que ele se referia a algo mais que ao castigo. "E tu Lara, sei que és corajosa o suficiente, mas não deves por-te em risco hein? Deves confiar em Misa e Harry... todos precisamos de uma ajuda de vez em quando... É preciso muita coragem para ser vulnerável! Mas somos sempre melhores juntos. Por isso não vos quero a arriscarem-se sozinhos, ouviram?" Murtagh olhou para mim, e a memória do meu saque de droga na taberna fez-me estremecer. Engoli e seco. Não agir sozinha, relembrei-me. "Se virem alguma coisa suspeita chamem-me!". Sigam-me.
Murtagh abriu as enormes portas de madeira que davam para o salão de festa, emergindo-os instantaneamente numa música vibrante que envolvia uma multidão de feiticeiros, capas negras, chapéus pontiagudos, brindes, danças, palmas e urros eram ouvidos por todo o lado, numa imensidão a perder de vista, por cantos e recantos escondidos, apenas a luz da lua e a de uns quantos candelabros, candeias iluminavam os espaço, constantemente lançado em sombras. O céu estrelado brilhava sob os imponentes arcos de pedra que delimitavam o espaço. Murtagh conduziu-os até à orla da multidão de convidados, Lara começou a distinguir sleves e feiticeiros de Ashen, toda a gente em Philcrocks tinha sido convidada, relembrou-se. Com a mão que segurava o copo de vinho Murtagh apontou-lhes o caminho por entre a multidão. Lara apercebeu-se de movimentos nas sobras. Nas vidraças de janelas altas pousavam vários corvos vigilantes. Corvos de Cron. Franziu a testa. O trono desaparecia de vista por entre o denso aglomerado de súbditos, de capas negras e chapéus pontiagudos no ambiente fracamente iluminado. Uma leve brisa roçou-lhes os cabelos quando corvos esvoaçaram sem que ninguém parecesse prestar-lhes atenção, enquanto eles encaravam o baile e os feiticeiros sob a noite nublosa.
Olhem ali, disse Murtagh, estão a ver aquela sleve, olhem no pescoço dela... estão a ver aquela marca?
Sangue escorria do pescoço da servente... uma mordida. Lara arregalou os olhos alarmada. Aquilo é uma mordida de um animal, não estou certa do quê. Anda por aí algum animal enfeitiçado... Já não é a primeira vez que vejo sleves feridas em Philcrocks sem se lembrarem de como aquilo lhes aconteceu... Na semana passada encontrei uma morta. Vamos tentar encontrar o desgraçado que anda a sugar sangue.
"E se o animal nos encontrar primeiros?" perguntou Misa, incapaz de disfarçar o medo.
"Nada aqui vos fará mal enquanto eu estiver por perto. Tudo o que precisam de fazer é de servir algum vinho, cumprimentar e receber os convidados e aos feiticeiros de Ashen, não queremos que Cron pense que não vos castiguei" disse piscando o olho, "e ponham o olho às sleves... o rei fará um discurso e nessa altura em que tudo estará mais calmo e atento estejam atentos a algo estranho.
Misa estava um pouco corada, nunca pensara ter sido tão rebaixada às funções de sleve, mas por algum motivo isso parecia já não a importar tanto, e Harry parecia satisfeito, só que não fosse por irritar os pais que com certeza estariam num lugar de destaque perto da família real e do trono.
A última coisa que Lara queria era ser obrigada a enfrentar o clã e todos os feiticeiros, sobretudo Dafne. Mas Lara esquecera-se que Dafne também tinha sido igualmente castigada pelo pai de Loran e estava agora sentada com os restantes membros do clã. Lara conteve o riso. Dafne excluída da mesa principal. Estava com uma cara de quem poderia matar alguém só com o olhar. Quase lhe via o fumo sair-lhe pelo cabelo impecavelmente penteado e adornado.
"Eu não vou para o meio daqueles impuros!" ouviu-a gritar para uma sleve.
Esperem aqui um minuto, disse, Murtagh que se apercebendo da confusão, estava junto dela num minuto.
"O meu lugar é a dançar com os nobres, com o príncipe! Não aqui" Lara detetou o pânico na sua voz.
"Ah isso é que é se queres continuar na Academia – contrapôs o Murtagh – andaste mal e agora tens que pagar. Já tens sorte em não ser pior"
"Mas isto é o lugar dos criados, não é para nobres. Pensei que não poder trazer as aias já fosse castigo suficiente! Se o meu pai soubesse disto..."
"Olha rapariga, em Philcrocks é assim", grunhiu Murtagh, "aias, para que querias as aias, afinal? Vai para ao pé dos membros dos clãs ou és expulsa. Se achas que é isso que o teu pai quer então volta para o teu quarto e faz as malas vá!"
Dafne não se moveu, olhou para Murtagh furiosamente, mas acabou por bufar e afundar-se novamente no seu lugar.
"Bem vamos dividir-nos. Há sleves feridas por todo o lado, o animal deve andar por aí há um bom bocado", disse Murtagh abanando a cabeça, tentando esquecer o conflito com Dafne, "peguem nos copos de vinho e vão dançar, misturem-se na festa e se houver problemas ou virem alguma coisa suspeita enviem o vosso animal... e juntamo-nos logo todos"
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Philcrocks - Primeiro rascunho (Concluído)
FantasyLara, uma feiticeira que odeia magia, deve abraçar os seus poderes na Academia de Guardiões de Philcrocks e aliar-se ao seu maior inimigo, o príncipe Marchal, para vingar a morte do seu irmão. * Lara luta todos os dias para manter a magia na sua vid...