Hugo acordou ajeitando-se da melhor maneira que conseguia sem poder se mexer livremente, correu os olhos pelo quarto e reconheceu aquela figura deitada de maneira torta no sofá com apenas uma fina coberta. Mais uma noite mal dormida, sua filha não sabia obedecê-lo, seria muito melhor se ficasse em casa, descansando, estudando, mas não, lá estava ela, ficando com dor no pescoço e olheiras enormes. O enfermeiro passou pela porta, pegou alguns sacos de roupas sujas.
- Com licença, rapaz. - O chamou num tom moderado, o rapaz se virou e sorriu. - Que horas são?
- Quase dez senhor, precisa de algo?
- Por acaso pode trazer algo para minha filha comer? - Ambos lançaram o olhar para o sofá. - Ela está aqui a dias e sei que não deve ter comida bem...
- Claro senhor, não se preocupe, logo mais eu volto.
- Obrigado.
Ajeitou-se novamente admirando a menina que suspirou pesado. Sua filha era tão bonita e tão amorosa, sentia-se mal por fazê-la passar por tudo aquilo, tinha tanta coisa para pensar, focar nos estudos e agora no novo emprego. Natasha merecia mais do que ele conseguia lhe dar. Encarou o teto colocando as mãos sobre o peito. Hugo se perguntava como tivera tanta sorte com sua filha, depois de ser abandoado pela esposa sem dinheiro ou família, com a criança recém-nascida, deu o mínimo do mínimo, ela nunca reclamou.
No instante seguinte a menina acordou, os olhos pesavam e demoraram um pouco para focar o homem que a encarava, sentou e se espreguiçou.
- Oi pai... - Teu um longo bocejo. - Tudo bem?
- Sim minha princesa...e você? - Natasha o encarou estranhando seu tom de voz rouco, se levantou aproximando-se da cama.
- Pai...porque está chorando? O que houve? Está com dor? - Ele negou estendendo a mão em sua direção. - Não me assuste assim.
- Eu sinto muito, por nunca ter sido um pai melhor... Você faz tanto por mim, é tão esforçada, não mereço nem metade do que faz por mim Natasha. - Ela sorriu triste e o abraçou. - Obrigado, por ser essa menina tão maravilhosa.
- Pai, sou exatamente como o senhor me criou, sou o que sou graças a você. - Disse fechando os olhos sentindo o carinho em seus cabelos. - Eu te amo.
- Também amo você filha. Vá para casa, faça suas coisas, não precisa ficar aqui todos os dias.
- Não preciso, mas eu quero. - Ela se endireitou quando o enfermeiro entrou com uma bandeja. - Bom dia.
- Bom dia senhorita, trouxe seu café da manhã. - Disse colocando a bandeja sobre a pequena mesa a frente da cama. - Precisa se alimentar também. - Sorriu de maneira gentil e acenou com a cabeça. - Com licença.
- Isso foi ideia sua? - Perguntou ela apontando para a bandeja, pegou um pedaço da panqueca.
- Alguém precisa cuidar de você não é mesmo? - A ouviu rir acenando.
- Mas não se preocupe, voltarei para casa a tarde precisa de uma arrumação, então a noite fico aqui.
- Fique em casa menina! Durma, estava com olheiras demais!
Não quis discutir, então apenas concordou em silêncio enquanto comia. Quando o relógio bateu meio-dia Natasha pegou suas coisas e voltou para casa. Depois de alguns dias ela nem ao menos sabia o que era exaustão, havia se costumado, apenas não queria encarar o espelho, poderia quebrá-lo pela aparência não muito agradável. Lavou as roupas, algumas louças esquecidas na pia, tirou o pó e após ter certeza que tudo estava organizado tomou seu banho e jogou-se no sofá encarando o teto. E subitamente uma memória lhe veio.
O que há naquele arquivo codificado?
Sentou-se quase que de imediato, mordeu o lábio inferior como se aquilo a ajudasse a tomar uma decisão.
- Meu notebook não aguenta aquele tipo de programa. - Falou sozinha enquanto era consumida por sua curiosidade. - Será que o pessoal da computação teria esse tipo de programa? - Disse animada caminhando para o quarto e logo parou preocupada. - Mas e se o Derek descobrir? Envolve a empresa com certeza... - Ela deu alguns pulinhos desesperados. - O que o olhos não veem o coração não sente!
Ela não conseguia segurar a própria curiosidade, esse era um de seus defeitos, claro que já ouviu seu pai dizer várias vezes que não deveria meter o nariz onde não era chamada poderia sofrer serias consequências, mas como elas nunca vieram, continuou. A grande diferença entre ser curiosa e fofoqueira é que Natasha guardava as coisas para ela, por isso nunca a descobriram, não seria idiota ao ponto de sair contando segredos ou especulando situações, não. Mas gostava de saber, ir atrás de informações, juntar as pequenas peças. Natasha gostava de quebra-cabeças.
Trocou de roupa, checou se aquele pendrive ainda estava na bolsa e saiu apressada. O dia parecia ao seu favor, havia pouco transito, chegou mais rápido que o normal da faculdade, cumprimentou alguns funcionários que conhecia e caminhou direto para o prédio de exatas. Acenou com a cabeça para alguns alunos que a olharam torto, geralmente era assim que eles recebiam pessoas que não eram de seu curso, não que necessariamente não gostassem dela. Sentou-se no computador do canto, estranhou na tela pedir Login e Senha, mas não deveria se surpreender, talvez certos programas – no caso o que ela queria usar – precisava de supervisão, e como imaginou, o seu login não funcionou.
Encostou-se na cadeira e suspirou.
- Droga. - Sussurrou para si cruzando os braços. - Ninguém vai me ajudar... não sem um preço.
Levantou e saiu da sala, precisava pensar em outra coisa, não seria um pequeno empecilho que a faria desistir, pelo contrário aquilo só a fez ter mais vontade de conseguir. Natasha seria mais ousada, subiu direto para o mezanino onde ficava a sala dos professores, era sábado e com certeza não haveria quase ninguém, não poderia contar com a sorte e não ter uma alma viva. Bateu na porta a abrindo lentamente, avistou uma senhora de cabelos tingidos de castanho que a recebeu um sorriso.
- Com licença, boa tarde. - A cumprimentou se aproximando. - Meu nome é Natasha, estou procurando o orientador das aulas de computação.
- O professor Ramalho? - Perguntou a senhora, aquela tática sempre funcionava. Acenou com a cabeça. - Minha querida acredito que ele saiu agora pouco para o almoço ou deve estar voltando, acho que está de plantão para alguns alunos não é isso?
- Sim, terei que esperá-lo, muito obrigada. Pode me dizer qual a mesa ele geralmente usa? Para deixar um recado?
- Claro querida, é aquela ali perto da janela, essa bagunça ai mesmo.
Mais uma vez sorriu agradecendo, aproximou-se da mesa pegou um pedaço pequeno de papel e o lápis solto, mas ao invés de escrever algo observou cada detalhe ali. Seus pertences, adesivos, a fotografia apoiada em uma xícara vermelha com uma mulher e uma criança. Discretamente a pegou, havia uma breve discrição.
Júlia e Alice – 1º lugar no concurso de soletração. - 05/09/ 2018
Anotou aquilo e mais algumas coisas escondendo o papel no bolso, caminhava de volta para a porta.
- Obrigada, vi a foto da Alice, a filha dele é uma graça, muito inteligente.
- De nada! - Ela sorriu ajeitando os óculos. - Nem me diga, fui no aniversario dela sábado passado, uma pestinha linda, nem parece que só tem 9 anos.
- Realmente. - Concordou acenando. - Com licença e perdão por atrapalhá-la.
A mulher acenou com a mão sem se importar muito. Natasha não conteve o sorriso vitorioso enquanto caminhava pelos corredores, algumas pessoas eram comunicativas demais era simples retirar algumas informações, só precisava fazer as perguntas certas, o seu segredo? Não ser invasiva e obvia.
Antes de voltar para os computadores precisava de mais uma informação crucial, o número do crachá. Assim como os números das carteirinhas de estudantes, os crachás dos professores tinham a identificação para acessar as matérias e o site da faculdade, acesso livre ao sistema. Fora até a secretaria.
- Boa tarde, o Cristian está trabalhando hoje? - Peguntou a outro rapaz que estava encarando a tela do computador.
- Ta sim, só um minuto que já o chamo.
- Obrigada.
Afastou-se encostando na parede ao lado. Cristian era um veterano e decidiu trabalhar ali mesmo na secretaria assim tendo um desconto mesmo que mínimo na rematricula. Eles se conheceram no dia que Natasha fez a prova para a bolsa e Cris a parabenizou pela excelente nota, mas tornaram-se amigos quando ela o ajudou em seu trabalho de sistemas e aplicativos a alguns anos.
- Nath? O que faz aqui ao sábado? - Ela se virou e sorriu.
- Preciso de um favor seu. - Cris franziu o cenho. - Sim, é exatamente desse favor.
- Depende... do que precisa? - Aproximou-se do balcão e sussurrou.
-Preciso da credencial do professor Ramalho. - Ele a encarou já negando com a cabeça. - Eu não vou fazer nada ilegal. - Sim, era um pouco ilegal.- Mas preciso acessar um programa que só tem no laboratório da turma da computação, por favor.
- Você tá maluca? Nem faz esse curso...
- Exatamente por isso preciso do acesso, eu prometo que não ira te comprometer em nada, sabe que sou discreta.
- Você é desmiolada isso sim!
- Eu faço todas as suas matérias online até o final do ano.
Ele estava pronto para rebater, mas se calou a encarando com os olhos semicerrados.
- As provas online também? - Ela acenou com aquele sorriso vitorioso. - Feito. - Disse sentando-se na cadeira abrindo seu sistema. - Não acredito que você me compra tão fácil dessa maneira.
- Porque você odeia fazer matéria online. - O viu acenar com a cabeça e anotar alguns números no papel quadrado a entregando. - Obrigada!
- Espera. - Segurou em seu pulso. - Eu vou te dar uma coisa.
Ele disse sumindo pela porta do fundo, não demorou muito para voltar e lhe entregar um pendrive preto um pouco maior que o dela.
- Coloca isso no computador, vai esconder o login. - Ela o encarou. - É...é... não me olha assim, to fazendo isso pra não me fuder também.
- Como tem um desses?
- Interessa?
- Não.
Cris balançou a mão a mandando ir embora. Saiu caminhando animada, era indescritível aquela sensação, Natasha realmente amava fazer aquilo, o bichinho da curiosidade se transformava em um belo monstro muito bem alimentando. Quase se assemelhava a sensação de estar naquele Escape Room, onde precisava solucionar os enigmas para sair.
Ela voltou para a sala e diferente da outra vez estava vazia, respirou aliviada, sentou-se no computador que ficava ao canto da sala de costas para os vidros, encaixou o pendrive preto e a tela piscou de repente, mas logo voltou ao normal, assim pegou aquele papel que Cristian havia lhe dado, digitou e depois puxou a outra anotação. Estava na hora de descobrir a senha.
- Ramalho tem a foto da família, Alice fez aniversario semana passada e tem nove anos. - Sussurrou para si. - Sendo assim... ela nasceu em... 2013... Hoje é dia 14, então, 7 de setembro de 2013. - Encarava a tela de login a sua frente. - Mas usar a data de aniversario seria fácil, mas por outro lado... - Aquela outra data poderia ser a solução. - Vamos ver se o professor é tão obvio.
050918
A senha foi aceita e ela apenas balançou a cabeça, algumas pessoas precisavam ser menos sentimentais ainda mais com suas senhas e arquivos importantes. Mas não estava ali para julgar ninguém, muito pelo contrário, agradecia a simplicidade, porque precisava do tempo para gastar com aquele arquivo. Não demorou em abrir o sistema, depois encaixou o pendrive azul e jogou o documento ali. A tela antes totalmente preta foi tomada por letras esverdeadas, como os computadores antigos, sua atenção estava toda ali, poderia cair o mundo do lado de fora que Natasha nem se importaria. Precisava achar a chave, o algoritmo a ser mudado, mas pelo menos, sabia a língua que usaria. Russo.
Não soube quantos minutos ficou ali, mas encontrou um único paragrafo e o nome familiar.
Yoshovik, Jordene.
Natasha ajeitou-se na cadeira, mais algumas tentativas e bingo! Aquele arquivo se formatou sozinho e uma lista de nomes tomou seu lugar. Controlou a comemoração, respirou fundo e mandou o arquivo para a impressora mais próxima, ficou mais algum tempo "limpando" os possíveis rastros, deletou o arquivo de vez tendo apenas a sua impressão, guardou os pendrives e enfim pegou suas coisas saindo da sala. Com o olhar cúmplice que lançou para o amigo, entendeu que havia dado certo, a menina tomou seu caminho de volta o apartamento.
Ela até pensou em analisar sua nova descoberta, mas quando chego em casa a única coisa que conseguiu fazer foi dormir no sofá. Apesar de toda sua animação e adrenalina, Natasha estava exausta. Passaria o final de semana no hospital, seu pai fará uma cirurgia segunda pela manhã, mas ela teria prova, então só poderia visitá-lo durante a tarde e talvez nem fosse trabalhar.
O final de semana passou mais rápido que o normal para algumas pessoas que ocuparam o tempo com certas... Buscas. Derek e Caleb fizeram trabalhos "extras", mas ainda havia algo estranho, nem todos os nomes daquela lista eram nomes de pessoas reais, precisavam sentar e identificar cada uma, mas Derek não teria tempo, não podia se desviar muito do seu foco, que era a empresa. Precisava fazer reuniões, comparecer a eventos, na verdade planejava fazer até mesmo uma confraternização reunindo funcionários e empresários. Pensaria bem, talvez fosse uma boa oportunidade.
Eram quase 14hs30 daquela segunda-feira, Derek, Caleb e Amália voltavam de um restaurante nas redondezas, caminhando calmamente pela calçada. Derek acabara de acender o cigarro e recebeu um empurrão do ombro.
- Você vai morrer se não parar de fumar. - Amália o repreendeu.
- Vamos morrer de qualquer maneira. - Lhe lançou um olhar enquanto dava um bom trago.
- Nossa... - Resmungou ela caminhando para a praça.
Eles riram a seguindo. Amália sentou no banco jogando a cabeça para trás sentindo o calor do sol que finalmente havia parecido.
- Estou pensando em fazer uma festa. - Comentou Derek chamando atenção de ambos.
-Pra comemorar o resto de vida que lhe falta? - Ironizou Amália.
- Isso também, mas para convidar alguns empresários e dar um pouco de animação para os funcionários. - Ouviu Caleb rir baixo de maneira irônica. Ele não se importou. - Talvez no final desse mês.
A mulher ajeitou-se e deu de ombros pensando.
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G.U.Y. - Sob as Luzes da Cidade
General Fiction[18+] [Saga G.U.Y.] 1º Livro. Em uma realidade paralela, a saga relatara o universo de assassinos e poderosos que dominam o submundo. "Sob as luzes de cidade", apresenta e mostra como a vida comum de alguém pode ser destruída quando se cruza com um...