— Ele dormiu na sua casa? - Lucy quase gritou de tão surpresa.
— Fala mais alto, acho que nem todos os pacientes ouviram. - Disse Alana no lugar de uma resposta, fazendo Lucy revirar os olhos e a encarar na espera de uma resposta decente. - Ele só dormiu. Deve estar dormindo ainda, na verdade.
— Ele é gato? Você fala tanto dele ultimamente que...
— Tanto faz, ele é um saco. Além de um saco é arrogante, e individualista, e egoísta, e orgulhoso, e egocêntrico...
— Por que você continua do lado dele então?
— Porque ele continua do meu. - Disse após um suspiro. "Apesar de ter sido culpa dele.". Pensou. - Ele não me deixou sozinha. Não disse "Se vira" e me largou drogada em qualquer lugar como eu imaginaria que fizesse. E ele conversa comigo, o que é bom porque aos poucos estou conseguindo arrancar alguns segredos... - Lucy não imaginava quais eram esses segredos, mas não pensou ser nada demais, para a sorte de Alana. E por mais que pensasse que conseguiria arrancar os segredos de Ian, não conseguiria. Ela sabia o que Ian queria que soubesse, o rapaz não contaria nada que o expusesse.
— Você gosta dele?
Alana considerou a pergunta e assentiu.
— Acho que sim. Ele é uma boa pessoa. E tem uma filha maravilhosa. Ela é um anjinho.
— Lana, estou perguntando se você gooosta dele. - Levantou as sobrancelhas com um olhar sugestivo.
— Ah, não. Não desse jeito. Ele só está menos nojento.
❅
Antes de abrir os olhos, Ian respirou fundo o cheiro de plantinhas de seu cabelo que ficara no travesseiro. Bocejou e se sentou, esfregando os olhos e se localizando. Sobre a mesa de centro ao lado do sofá que havia passado a noite havia um papel rabiscado. Ele olhou melhor e parecia um bilhete. Tomou o papel nas mãos e demorou alguns minutos para decifrar a letra garranchosa de Alana.
"Bom dia, imbecil. Tem café no bule em cima do fogão. Sirva-se."
— Que sutil. - Amassou o papel e, em vez de jogar em qualquer lugar, colocou em cima de suas roupas dobradas no braço do sofá.
Respirou fundo e conseguiu sentir o leve cheiro de café quase imperceptível no ar. Na cozinha, uma caneca o aguardava em cima da mesa. Ele pegou o bule e esvaziou na caneca. O cheiro subiu e ele deu o primeiro gole. "A Doutora até que sabe fazer um bom café.", era forte e tinha personalidade, pensou, "O oposto dela.".
Terminou seu café e foi embora. Passou em casa só para acalmar Angie que não iria para a escola antes de ver o pai, e seguiu para encontrar Nolan na cafeteria.
O rapaz concordou em ajudá-lo com um plano que tinha em mente para Logan, e também com seu plano de descobrir quem eram os outros da lista de Vincent.
— Eu não quero roubar nada do meu pai, mas eu preciso... - Pensava em Alana toda vez que imaginava quem seriam seus próximos alvos. A moça parecia ter certeza de que seu pai seria o próximo e Ian queria se certificar de que ele não seria.
Se fosse, teria coragem de matar o homem? Honraria sua palavra com ela ou com seu pai?
— Preciso saber quem está nessa lista. E quero que entenda meus motivos, você é o único que está me ajudando, Nolan.
A aparência oca de Nolan não fazia jus à sua inteligência. Além de saber de tudo um pouco, sabia também que corria certo perigo por ajudar Ian, mas, contanto que Vincent não descobrisse nada, não se preocuparia.
❅
Se, para Alana, Ian era o inverno, isso era perfeito para a missão de Vincent. Para o pai do rapaz, ser frio era o que o levaria a completar sua vingança. Se houvesse calor, se algo aquecesse seu coração, Ian seria capaz de ter pena. E essa pena não era aceitável. Por esse motivo Vincent o afastara de qualquer tipo de relacionamento durante sua vida. Esse contato, a intimidade e a amizade, são o que aquece um coração. Assim como aqueceu o de Vincent há anos e o cegou diante de seus parceiros de gangue. Esse calor o permitiu ser traído, e a traição foi o necessário para transformá-lo novamente em uma pedra de gelo. Vincent não deixaria que isso acontecesse com seu filho. Apesar de não poder fazer nada quanto à Angelina. Aos olhos do homem, a menina sempre fora um fogo que ele falhou em apagar e deixou acidentalmente que se alastrasse. Mas não deixaria que o que aconteceu consigo se repetisse com seu filho. Apesar da chama constante em seu peito, Ian deveria terminar essa missão com o inverno dentro de si.
Ele sabia que seria mais fácil colocar seus homens para matar aqueles em sua lista de traidores, seria até mais fácil ele matá-los pessoalmente, mas não seria a vingança perfeita. Vincent queria ver o filho matando o próprio pai, para Marvin sentir a dor da traição. E seus homens, por mais que fossem os melhores, não tinham o treinamento de Ian, nenhum deles seria mais eficaz.
Vincent não parecia pensar em outra coisa. Passava o dia remoendo esse sofrimento, alimentando o que havia de pior dentro de si. Queria repreender o filho por se dispersar de sua missão ao roubar o dinheiro de seus alvos. Mas não poderia dizer que sabia de tudo. Como explicaria o óbvio? O único que não roubaria o dinheiro para si mesmo, o único que entregaria tudo aos seus devidos donos e o único que sabia quem era o próximo para mirar e acertar na mosca. Por mais que quisesse colocar o filho na linha, como fizera por toda a vida, não queria semear uma discórdia, deixou-o que fizesse o que bem entendesse, desde que finalizasse sua missão. Ian deveria venerá-lo. Apesar de não deixar transparecer e de agir como se nada lhe afetasse, nada tirava seu medo de ser descoberto pelo filho antes da hora e falhar. Tinha que dar certo. Marvin tinha que morrer.
— E quanto a Logan? - Perguntou ao filho.
— É que ele está na cadeia, pai. Eu não ia contar porque vou dar um jeito, mas já que perguntou... Não se preocupe, ele não passa dessa terça-feira.
Ele sabia que estar na cadeia não seria um problema. Vincent tinha treinado o filho para qualquer obstáculo, ele não o decepcionaria.
Faltava pouco, muito pouco, para ele olhar nos olhos de Marvin, estando por cima pela primeira vez em anos, para uma boa conversa sobre o castigo que levaria por ter atirado em seu melhor amigo. A vida tinha sido tão injusta, dando a ele tudo o que não merecia, uma família, dinheiro, viagens, como se ele tivesse sido uma vítima de todo o acontecido.
Ainda sonhava em contar a verdade ao filho, dizendo que Marvin era seu pai biológico e contar tudo o que o levou a fazer isso, mas a reação que ele esperava, de Ian apoiá-lo, ver o homem terrível que Marvin é e a injustiça que a vida pregou a ele, não seria possível. Ele o olharia com outros olhos e o odiaria, sem dúvidas. E esse ódio que sabia que semearia no peito do próprio filho o deixava angustiado. Apesar de estar com razão, Vincent amou-o por todos os anos de sua vida e daria a vida por ele.
— Certo, tome cuidado, filho.
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O Fim Do Inverno
RomanceRoubado na maternidade, Ian é treinado para matar o próprio pai em busca de vingança. Mesmo sem saber a realidade, ele acredita em seu destino e precisa completar a missão que lhe foi dada. Mal pode esperar para se livrar das torturas que é submetid...