Capítulo 24

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 — Ele dormiu na sua casa? - Lucy quase gritou de tão surpresa.

— Fala mais alto, acho que nem todos os pacientes ouviram. - Disse Alana no lugar de uma resposta, fazendo Lucy revirar os olhos e a encarar na espera de uma resposta decente. - Ele só dormiu. Deve estar dormindo ainda, na verdade.

— Ele é gato? Você fala tanto dele ultimamente que...

— Tanto faz, ele é um saco. Além de um saco é arrogante, e individualista, e egoísta, e orgulhoso, e egocêntrico...

— Por que você continua do lado dele então?

— Porque ele continua do meu. - Disse após um suspiro. "Apesar de ter sido culpa dele.". Pensou. - Ele não me deixou sozinha. Não disse "Se vira" e me largou drogada em qualquer lugar como eu imaginaria que fizesse. E ele conversa comigo, o que é bom porque aos poucos estou conseguindo arrancar alguns segredos... - Lucy não imaginava quais eram esses segredos, mas não pensou ser nada demais, para a sorte de Alana. E por mais que pensasse que conseguiria arrancar os segredos de Ian, não conseguiria. Ela sabia o que Ian queria que soubesse, o rapaz não contaria nada que o expusesse.

— Você gosta dele?

Alana considerou a pergunta e assentiu.

— Acho que sim. Ele é uma boa pessoa. E tem uma filha maravilhosa. Ela é um anjinho.

— Lana, estou perguntando se você gooosta dele. - Levantou as sobrancelhas com um olhar sugestivo.

— Ah, não. Não desse jeito. Ele só está menos nojento.

Antes de abrir os olhos, Ian respirou fundo o cheiro de plantinhas de seu cabelo que ficara no travesseiro. Bocejou e se sentou, esfregando os olhos e se localizando. Sobre a mesa de centro ao lado do sofá que havia passado a noite havia um papel rabiscado. Ele olhou melhor e parecia um bilhete. Tomou o papel nas mãos e demorou alguns minutos para decifrar a letra garranchosa de Alana.

"Bom dia, imbecil. Tem café no bule em cima do fogão. Sirva-se."

— Que sutil. - Amassou o papel e, em vez de jogar em qualquer lugar, colocou em cima de suas roupas dobradas no braço do sofá.

Respirou fundo e conseguiu sentir o leve cheiro de café quase imperceptível no ar. Na cozinha, uma caneca o aguardava em cima da mesa. Ele pegou o bule e esvaziou na caneca. O cheiro subiu e ele deu o primeiro gole. "A Doutora até que sabe fazer um bom café.", era forte e tinha personalidade, pensou, "O oposto dela.".

Terminou seu café e foi embora. Passou em casa só para acalmar Angie que não iria para a escola antes de ver o pai, e seguiu para encontrar Nolan na cafeteria.

O rapaz concordou em ajudá-lo com um plano que tinha em mente para Logan, e também com seu plano de descobrir quem eram os outros da lista de Vincent.

— Eu não quero roubar nada do meu pai, mas eu preciso... - Pensava em Alana toda vez que imaginava quem seriam seus próximos alvos. A moça parecia ter certeza de que seu pai seria o próximo e Ian queria se certificar de que ele não seria.

Se fosse, teria coragem de matar o homem? Honraria sua palavra com ela ou com seu pai?

— Preciso saber quem está nessa lista. E quero que entenda meus motivos, você é o único que está me ajudando, Nolan.

A aparência oca de Nolan não fazia jus à sua inteligência. Além de saber de tudo um pouco, sabia também que corria certo perigo por ajudar Ian, mas, contanto que Vincent não descobrisse nada, não se preocuparia.

Se, para Alana, Ian era o inverno, isso era perfeito para a missão de Vincent. Para o pai do rapaz, ser frio era o que o levaria a completar sua vingança. Se houvesse calor, se algo aquecesse seu coração, Ian seria capaz de ter pena. E essa pena não era aceitável. Por esse motivo Vincent o afastara de qualquer tipo de relacionamento durante sua vida. Esse contato, a intimidade e a amizade, são o que aquece um coração. Assim como aqueceu o de Vincent há anos e o cegou diante de seus parceiros de gangue. Esse calor o permitiu ser traído, e a traição foi o necessário para transformá-lo novamente em uma pedra de gelo. Vincent não deixaria que isso acontecesse com seu filho. Apesar de não poder fazer nada quanto à Angelina. Aos olhos do homem, a menina sempre fora um fogo que ele falhou em apagar e deixou acidentalmente que se alastrasse. Mas não deixaria que o que aconteceu consigo se repetisse com seu filho. Apesar da chama constante em seu peito, Ian deveria terminar essa missão com o inverno dentro de si.

Ele sabia que seria mais fácil colocar seus homens para matar aqueles em sua lista de traidores, seria até mais fácil ele matá-los pessoalmente, mas não seria a vingança perfeita. Vincent queria ver o filho matando o próprio pai, para Marvin sentir a dor da traição. E seus homens, por mais que fossem os melhores, não tinham o treinamento de Ian, nenhum deles seria mais eficaz.

Vincent não parecia pensar em outra coisa. Passava o dia remoendo esse sofrimento, alimentando o que havia de pior dentro de si. Queria repreender o filho por se dispersar de sua missão ao roubar o dinheiro de seus alvos. Mas não poderia dizer que sabia de tudo. Como explicaria o óbvio? O único que não roubaria o dinheiro para si mesmo, o único que entregaria tudo aos seus devidos donos e o único que sabia quem era o próximo para mirar e acertar na mosca. Por mais que quisesse colocar o filho na linha, como fizera por toda a vida, não queria semear uma discórdia, deixou-o que fizesse o que bem entendesse, desde que finalizasse sua missão. Ian deveria venerá-lo. Apesar de não deixar transparecer e de agir como se nada lhe afetasse, nada tirava seu medo de ser descoberto pelo filho antes da hora e falhar. Tinha que dar certo. Marvin tinha que morrer.

— E quanto a Logan? - Perguntou ao filho.

— É que ele está na cadeia, pai. Eu não ia contar porque vou dar um jeito, mas já que perguntou... Não se preocupe, ele não passa dessa terça-feira.

Ele sabia que estar na cadeia não seria um problema. Vincent tinha treinado o filho para qualquer obstáculo, ele não o decepcionaria.

Faltava pouco, muito pouco, para ele olhar nos olhos de Marvin, estando por cima pela primeira vez em anos, para uma boa conversa sobre o castigo que levaria por ter atirado em seu melhor amigo. A vida tinha sido tão injusta, dando a ele tudo o que não merecia, uma família, dinheiro, viagens, como se ele tivesse sido uma vítima de todo o acontecido.

Ainda sonhava em contar a verdade ao filho, dizendo que Marvin era seu pai biológico e contar tudo o que o levou a fazer isso, mas a reação que ele esperava, de Ian apoiá-lo, ver o homem terrível que Marvin é e a injustiça que a vida pregou a ele, não seria possível. Ele o olharia com outros olhos e o odiaria, sem dúvidas. E esse ódio que sabia que semearia no peito do próprio filho o deixava angustiado. Apesar de estar com razão, Vincent amou-o por todos os anos de sua vida e daria a vida por ele.

— Certo, tome cuidado, filho.

O Fim Do InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora