Capítulo 1

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Havia algo realmente viciante na forma como a melodia saía dos lábios dele. Eu até poderia citar cada sensação que a sua voz despertava em mim, mas jamais seria capaz de defini-las ao certo. Era um emaranhado de emoções conturbadas, de desejos latentes e ilusões ridículas. Silenciosamente eu fantasiava ser a única ali naquela multidão de fãs e assim conseguir chamar a atenção dele.

Patético, eu sei.

Eu jamais iria conseguir tal façanha. Isso porque eu era April Denver. Nunca fui uma garota especial. Nunca chamei a atenção de ninguém em nenhum aspecto humanamente possível. E por isso era óbvio que eu jamais seria capaz de capturar a atenção dele.

A verdade é que eu estava doente e ele era o meu agravante.

Ray James era uma droga pesada. Bastava um toque entorpecente e nada mais estaria em seu lugar como antes. Nada mais seria o que deveria ser. E eu ansiava ter uma overdose dele. Necessitava disso.

Mesmo não estando na primeira fileira próxima ao palco, eu podia perceber os olhos azulados dele sendo iluminados pelas luzes pirotécnicas à sua volta. Eu podia notar os lábios finos rosados que ele sutilmente umedecia antes de iniciar alguma nota mais longa. Sua voz rouca fazia meu coração palpitar freneticamente no peito. Os longos cabelos negros desalinhados, sua jaqueta de couro preta, suas calças jeans surradas e suas botas pesadas compunham a sua rebeldia infinita, praticamente magnética. Seu jeito rock n' roll de viver e ser a melhor essência daquilo que acreditava.

Mesmo de olhos fechados eu poderia ver cada detalhe dele na minha mente, pois seu rosto estava estampado nos inúmeros pôsteres que cobriram a parede branca do meu quarto.

Ray fechou os olhos enquanto dedilhava sua guitarra Fender marrom escura. Eu podia sentir a intensidade que transbordava dele ao cantar sua música autoral de maior sucesso:

"Oh, minha garota sexy 
Venha comigo 
Vamos incendiar a cidade 
Essa noite 
Oh, minha doce garota 
Me beba como o último 
Drink da festa
Sem moderação

Vamos ficar juntos até o pôr do sol 
Me dê sua mão 
Não se preocupe 
Eu jamais irei te deixar cair

Só não vá 
Só não me deixe nesta festa 
Só não me ame bêbado

Eu quero tragar você 
Eu quero ver seu olhar quando acordar
Eu quero você, baby
Da maneira mais errada que 
Alguém possa querer

Eu quero saborear a sua intimidade,
Quero te levar ao paraíso, querida
Apenas abra a boca e aceite meu beijo 
Apenas abra a mente e aceite a vida

Só não vá 
Só não me deixe nesta festa 
Só não me ame bêbado."

James era o clássico badboy problemático do rock. Ao menos era assim que a mídia gostava de vendê-lo. Ele andava com sua guitarra por aí e esbanjava seu jeito irreverente de quem não dava a mínima para nada. Ele causou polêmica ao ser visto beijando uma atriz menor de idade que é estrela de uma nova série da Disney. Ele socou a cara de um paparazzi que invadiu a sua festa particular. Ele bateu seu Mustang preto após dirigir alcoolizado em Nova York. Ele fez uma tatuagem escrito palavrões nos dedos das mãos. E para completar ele discutiu com um locutor de rádio durante uma transmissão ao vivo.

Ele definitivamente era problema.
Eu costumava ser a solução.

Ao menos era o que todos me diziam. Minha mãe adorava repetir que quando eu nasci o meu pai desistiu de pedir o divórcio e assim ela conseguiu segurá-lo. Meu pai sempre disse que minhas notas altas, e meu empenho em ser a melhor aluna da turma alimentava suas esperanças em um futuro promissor. E meu amigo Frank Hope me contou que graças a eu fingir ser sua namorada por quase dois meses, fez Ellen Renée, sua obsessão, finalmente o enxergar.

Eu resolvia a vida dos outros, enquanto isso a minha estava estagnada no mesmo lugar. Eu era obrigada a ter ótimas notas no colégio já que meu pai havia decidido sozinho que eu deveria ser médica. Eu vivia incomodada com o casamento de fachada dos meus pais que aparentemente era apenas mantido por minha causa. E eu perdi o meu melhor amigo para Ellen Renée.

Eu não queria mais solucionar nada na vida dos outros.
Eu queria apenas acrescentar o caos de Ray.

Estava cansada de ser a boa garota invisível no meio da multidão. Estava exausta de existir para realizar as vontades alheias. Estava cheia de desejar Ray em silêncio.

Ele era o tipo certo de cara errado para mim. Era perfeito para movimentar minha vida sem graça. Por isso prometi internamente que eu faria ele me enxergar ali de qualquer jeito. E o depois não me importava.

Como se pudesse ler a minha mente, ou talvez tenha tido apenas um rastro de ínfimo presságio, por milésimos de segundos seus olhos azuis encontraram os meus na multidão. Sei que provavelmente ele nem tenha de fato "me visto", muito menos registrado minha imagem em sua memória. Entretanto foi o suficiente para eu entender aquilo como um sinal. Aquele muito tão pouco era o suficiente para minha mente trabalhar fervorosamente no meu objetivo.

Ray James seria o meu erro essa noite.

Depois Daquela NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora