Capítulo 16

15.8K 1.4K 70
                                    

Passei o dia todo encaixotando tudo que eu tinha. O engraçado é que antes desse dia eu achava que não tinha muita coisa, mas eu estava enganada. Só de ursos de pelúcia foram três caixas. Meu pai insistiu que eu levasse todos. Disse que além de uma ótima lembrança da minha infância, ainda poderia servir de brinquedos para o meu bebê. Era estranho pensar nisso. Que brinquedos até então meus seriam do meu filho.

Tirei todos os pôsteres de Ray James da parede e um a um rasguei para jogar fora. Só de ver a cara dele meu sangue fervia. Prometi para mim mesma não deixar a situação perdurar por muito tempo. Assim que tivesse condições iria sumir no mundo  com meu bebê. Ray me pagaria muito caro por toda sua desconfiança.

Observei o último pôster que restou inteiro. Era o menor que eu tinha. Nele Ray estava sentado com a banda dele logo atrás, os olhos fechados enquanto cantava algo tocando em sua famosa guitarra. Eu sempre amei vê-lo tão entregue à sua arte. Entretanto agora restou apenas a mágoa. Rasguei em dezenas de pedaços até não sobrar nada.

Estava atordoada com tantos pensamentos, que sequer vi meu ex melhor amigo entrar no meu quarto.

— Então você finalmente tirou Ray James da sua parede! Achei que não fosse viver o suficiente para ver isso!

— Frank! — Falei surpresa ao vê-lo e ele inesperadamente me abraçou apertado.

Quando éramos crianças vivíamos abraçados para cima e para baixo, pois nos auto intitulávamos irmãos de pais diferentes. Depois de um certo tempo descobrimos que abraços poderiam ser curativos. Quando Frank quebrou a perna andando de bicicleta, eu o abracei forte e ele parou de chorar por perder as férias de verão trancado no quarto. Quando minha avó morreu ele me abraçou apertado em silêncio, e ficou comigo até depois do funeral. E ainda tirou as flores da minha mão e as jogou sobre o caixão, coisa que eu simplesmente não consegui fazer por ficar totalmente paralisada no enterro. Enfim, nós crescemos sabendo dos poderes quase mágicos de um abraço apertado, e eu sentia muita falta de abraçá-lo. Só percebi o quanto quando ele me apertou contra seu corpo.

— Sua mãe me contou tudo lá embaixo. April, eu errei tanto! Me perdoa por não ter ficado do seu lado para encarar essa barra com você. Eu quis me transformar na porcaria de um popular idiota, entretanto acabei jogando fora o que poderia ser o nosso melhor ano no colégio!

— Mas foi o seu melhor ano! Você entrou para o time de hóquei no gelo, namorou a sua obsessão desde o primário, foi ao baile com ela e ainda se formou lindamente como sempre quis. — Falei sentando na minha cama e ele sentou ao meu lado. O olhar dele de repente ficou distante, pensativo.

— A vida é tão estranha! Quando você consegue realizar o que mais desejava, percebe que não era tão bom quanto imaginava que seria.

— Eu sei bem como é. Mas por que está dizendo isso?

— Porque almejei tanto entrar para o time de hóquei e quase morri no esporte mais violento do mundo. Desejei namorar Ellen Renée desde que a conheci, e quando isso aconteceu percebi que ela não era tão legal quanto parecia, terminamos depois do baile. Eu quis tanto ser popular e só agora vejo que isso não fez a miníma diferença na minha vida. Formamos o ensino médio e nada daquela popularidade ficou. Agora serei só mais um na faculdade. — Contou e eu arregalei os olhos.

— Isso quer dizer que foi aceito na Universidade de Illinois?

— Sim.

— Ah! Meus parabéns! Meu Deus, nem acredito nisso! Fico muito feliz por você! Sempre sonhamos com esse momento. — Falei o abraçando novamente.

— Obrigado! É uma pena que você não vai comigo. — Reclamou triste e eu o olhei debochada.

— Para você se apaixonar por alguma popular lá e me abandonar novamente? — Zombei e ele riu empurrando meu ombro.

— Vai ficar jogando na minha cara que fui um péssimo amigo até quando?

— Deixa eu pensar. — Coloquei a mão no queixo fingindo ponderar. — Até sempre! Vacilão! — Empurrei o ombro dele o fazendo rir.

— Vou sentir muito sua falta, Lindinha!

— Eu também vou sentir a sua, Pirata!

— Você sempre será a minha menina super poderosa loura, fofinha e com um super soco de esquerda, Lindinha. — Zombou a origem do meu apelido e eu ri.

— E você sempre será o garoto com curativo no olho, por ter levado meu soco de esquerda, após jogar a minha boneca favorita no lixo, Pirata!

— Sabia que aquele soco dói até hoje?

— Own! Coitadinho dele! — Ironizei e ele empurrou o meu ombro novamente. Rimos e voltamos nossos olhares para a parede branca do meu quarto agora vazia.

— Eu espero que você e seu bebê sejam muito felizes!

— Eu também. E espero que você se forme com honraria em literatura inglesa! — Falei o olhando com os olhos embaçados de lágrimas.

Odiava despedidas. Odiava deixar para trás pessoas importantes na minha vida que eu sabia que provavelmente nunca mais veria.

Frank me abraçou novamente e também deixou as lágrimas escaparem. Apesar de tudo, de todos os erros, eu sentiria muita falta do meu melhor amigo.

— Estou atrapalhando alguma coisa? — Ouvimos uma voz perguntar e nos afastamos do abraço, há tempo de ver Ray de braços cruzados nos observando da porta.

Depois Daquela NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora