Capítulo 10

124 22 9
                                    

Era a única saída plausível.

Os dias se passaram. Marcos acabara por convencer o irmão de que era loucura, as coisas estavam se encaminhando rápido demais, a vida não é um amontoado de decisões compulsivas, ou pelo menos não deveria ser, era o que Marcos Vinicius defendia, tinha convicção de que as coisas iriam se encaixar mesmo que demorasse, uma hora ou outra Ana estaria a salvo, era o que dizia.

Foram necessárias apenas algumas dúzias de dias para que entendessem, todos eles, inclusive Marcos o mais otimista de todos, que a vida de Ana Rosicler jamais voltaria a ser como antes, não havia maneira de concertar o que havia acontecido, era um paradigma, se ficasse provado que Ulisses mentia, Ana jamais poderia voltar para casa, não como antes, a família estava quebrada agora, não que já não estivesse antes, mas agora todos viam, se ficasse para sempre sob o teto dos Oriones, coisa que o Estevão não queria cogitar, todo o Vale do Pampa arranjaria um jeito de atingi-los com seu veneno, ver o nome dos Oriones jogado na lama, já no final da vida era coisa que Estevão não queria ver, se Ana pudesse ficar na casa de qualquer um de seus amigos todos ali certamente achariam sobre o que comentar, se a ajudasse a se estabelecer em um lugar na cidade, todos levantariam as suas vozes para dizer o quanto tinham razão, se Ana decidisse seguir a vida sozinha, coisa que era bastante improvável para uma moça de 16 anos em meio aquele mar de hipocrisia, só se vendesse o próprio corpo, e por fim, nenhum parente havia movido o intimo de sua compaixão em favor da desgraçada. Ana Valverde estava acabada. As pessoas a evitavam nas ruas quando ela enfim decidiu sair de casa algum tempo depois, a gota dágua, no entanto, foi a missa de domingo.

_Ana Rosicler, a senhorita não pode entrar._ disse o pároco a porta da igreja, Ana apertou a mão de Serafina com força, D. Suzana e seu Hermes haviam precisado sair para uma viagem de emergência até a cidade vizinha e elas achara uma boa ideia ir até a igreja, Serafina a havia convencido de que certamente acharia algum conforto ali.

_Essa é a casa do senhor, padre, é aonde as pessoas vem para serem confortadas_ Serafina tomou a frente_ não pode proibir as pessoas de entrar na casa do pai.

_Posso proibir pecadores._ o padre respondeu, Serafina deixou o seu rosto ser tomado por uma expressão crua de incredulidade, Ana permanecia quieta, evitava encarar o homem nos olhos mesmo não baixando a cabeça, sentira o impacto daquelas palavras, elas voaram como balas em direção aos seus ouvidos fazendo-a se sobressaltar no momento em que as ouviu.

_Ana Rosicler esta excomungada, precisa refletir sobre a dimensão de seus pecados e repara-los.

_Mas padre... Cristo não veio para os que estavam doentes...

_Se eu tivesse pecado, eu entenderia._ Ana interrompeu_ Mas eu não fiz nada. Achei que como um homem de Deus o senhor soubesse discernir isso.

_Essa pecadora desavergonhada esta desafiando o santíssimo padre?!_ exclamou D. Carmela que havia chegado sem ser notada, outras pessoas ao redor que antes as miravam de soslaio começavam a se aproximar e a formar um burburinho acerca do que se passava ali, com sua paciência meticulosa o padre pediu para que se acalmassem e então se voltou para Serafina.

_Me desculpe menina, mas você já leu a bíblia?_ ele indagou com interesse, Serafina respirou fundo.

_Não toda, é muito grande, mas já li quase tudo._ ela disse para o espanto de todos ali que começavam a falar e a gesticular entre si como se o que acabara de ouvir fosse um grande pecado.

_E onde leu?_ o padre quis saber.

_O Estevão tem uma._ ela disse com inocência, foi então que toda a confusão começou, as pessoas que estavam ali as arrastaram até o portão e as expulsaram a gritos enquanto derramavam sobre elas palavras infladas de ódio, especialmente sobre Ana a quem não poupavam as palavras nada cristãs. Em poucos dias todo o vale do pampa já sabia que Ana Valverde havia tido a ousadia de tentar entrar na igreja e que o Estevão possuía uma bíblia em língua vernácula, o que foi um escândalo para os quatro cantos daquele rincão, foi então que Estevão entendeu de uma vez por todas que era um tanto quanto responsável por toda aquela situação e que só ele poderia fazer com que as coisas voltassem a se encaminhar. Era preciso concertar o que se havia quebrado.

Os Estevãos (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora