Capítulo 07

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O sol começava a apontar no horizonte com seus raios dourados transpassando a fumaça. Pernas de todos os tipos ainda corriam de todos os lados levando galões e mais galões de água para conter o fogo que ameaçava alcançar a residência do Estevão, os homens haviam passado a noite toda trabalhando em aceiros de contenção e ainda assim o fogo havia alcançado boa parte da pequena propriedade vizinha, senhor Limeira rugia feito um leão, não teria como alugar pastos para o seu rebanho, iria exigir um ressarcimento nem que fosse à justiça! Estevão se concentrava no que tinha que fazer: levantar o cutelo, deixar que ele descesse, com força, puxar, abrir caminho por entre o emaranhado de mato, um caminho largo o suficiente para impedir que o fogo pulasse para o outro lado, de novo, de novo e de novo. Estava calado dês de a noite anterior, fora os momentos em que precisou dispensar ordens e organizar as pessoas em grupos para o começo dos trabalhos não havia dito mais nada, as engrenagens de seu cérebro rodavam como uma ignição poderosa, a todo vapor, repassava tudo que tinha em mente uma duas e ainda três vezes, os problemas que teria que enfrentar pela perca da plantações de repente havia cedido lugar a uma frialdade calma e calculada como poucas vezes conseguira adquirir, os tempos em que se desesperava por qualquer coisa havia ficado para trás, desespero é o motor do caos, e ele, Miguel Estevão, não se permitiria sentar-se a beira desse precipício outra vez, a vida é uma sinfonia e ele a dominaria como um maestro.

Ana Valverde depositou o último balde vazio ao pé da parede, estava em frangalhos, o coque alto que outrora havia adornado tão amavelmente o seu rosto juvenil estava em situação de decadência, os cabelos cor de chocolate caiam ao redor do rosto de uma forma desgrenhada e pouco graciosa, o vestido que fora branco, de musseline, cambraia e rendas estava aos trapos e de uma cor bem diferente da original. Assim que o fogo fora percebido a festa de Ana dispersou-se, e naquela altura nem haviam começado as valsas, a menina e algumas outras senhoras e senhores do vale do pampa, bem poucos na verdade, tomaram parte nos afazeres e ali estavam até aquele momento.

_Vá para casa descansar criança, já tens trabalhado além do que podes._ disse Dalva depois de observa-la por algum tempo, Ana ofegava e respirava com dificuldade devido a fumaça que ainda tomava conta do ar.

_Estou bem._ garantiu sentando-se junto a parede. - Como isso começou?_ indagou, Dalva repuxou o canto da boca, gostaria de poder dizer o que pensava, mas a garota havia sido tão amável...

_Não sei, acordamos no meio da noite com essa tempestade toda... Acredito que alguém incendiou de caso pensado._ Ana pareceu refletir por um momento, mas então se levantou de um salto como se algo lhe acendesse na memória._ Preciso ir... Diga ao seu patrão que sinto muito por toda essa tragédia._ Dalva assentiu, Ana se dirigiu para a porteira, a passos rápidos, quase a correr e não diminuiu o ritmo da caminhada.

À tarde o fogo já estava quase totalmente controlado, tudo estava destruído, as plantações, as casas dos meeiros, as cercas que separavam uma propriedade da outra, tudo, a única coisa que restava era a casa, o curral abandonado, o estabulo e o cercado da frente, de resto nada, Redoma de ouro era apenas um torrão em meio à paisagem verde ao redor, apenas os poucos grãos guardados na tulha haviam se salvado. Não havia espaço para abrigar a todos na casa, assim a maioria se refugiou no antigo acampamento do bosque e Estevão permitiu que ficassem por lá até conseguirem construir uma tapera na terra que haviam ganho, apenas as crianças ficaram na fazenda, devido o frio e o perigo que era pernoitar na mata, Estevão deu ordem a Dalva que usasse o estoque de arroz para alimenta-los, ainda tinham alguma coisa das sardinhas que haviam comprado, eram muitas.

_Estevão_ começou Marcos com cautela depois que as crianças já haviam se retirado._ não acha melhor escrevermos ao pai e...

_E pedir ajuda?!_ Ele grunhiu se pondo de pé._ Não! Quem fez isso é que vai pagar. Centavo por centavo, cada gota do meu suor.

Os Estevãos (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora