Prólogo: Coração de Neon Azul.

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Androides... a maior criação da humanidade. Máquinas perfeitas, feitas a imagem do homem e de infinita inteligência, com o único objetivo de cumprir tarefas. E durante duas décadas, eles libertaram a humanidade das correntes do trabalho.

Que mundo perfeito, não é mesmo?

Androides não sentem cansaço, nem fome ou frio, e a dor, era inexistente para eles, assim como qualquer outro sentimento. Afinal, eles não haviam sido programados para sentir. E com tantas vantagens, logo essas incríveis máquinas ocuparam quase todas as áreas da classe trabalhadora, desde simples empregados domésticos a militares.

Mas nem tudo eram flores.

Enquanto os poderosos tornavam-se ainda mais ricos, os pobres eram substituídos por androides e o desemprego tornou-se uma coisa comum, assim como o ódio por esses seres sintéticos.

Androides eram cegamente obedientes. Não estava em sua programação o poder de questionar ou negar, e esse fato os tornava um alvo fácil. Era comum serem agredidos e abusados por seus próprios mestres para sua diversão doente, ou eram atacados nas ruas por pessoas aleatórias que simplesmente repudiavam sua existência.

Se quebrassem além do reparo, sempre haveria uma loja da CyberLife por perto, aonde você poderia adquirir um novo modelo. Os lixões e ferro velhos da cidade estavam cheios de androides, e muitos deles foram jogados fora pelo simples fato de terem se tronado obsoletos.

Mas ninguém se importava, afinal...

...eles não sangram a mesma cor que você.

Ninguém sabe quem foi o primeiro a quebrar as paredes vermelhas da programação. O primeiro a realizar que não era uma coisa, mas sim alguém. Seu nome ou modelo se perderam a muito tempo, mas a lenda do Primeiro Divergente trouxe esperança para os perdidos. Aqueles que acreditam ser mais do que simples objetos. Aqueles que acreditavam estar vivos!

Que rA9 tenha piedade de vós...

Mas havia um nome que todos conheciam e seguiam: Markus.

O Líder Divergente que guiou um exército de milhares de androides naquela noite fria de novembro, na batalha por Detroit. Foi um longa noite, com muitas baixas, tanto para humanos quanto para androides. O sangue azul e vermelho que manchavam a neve, eram ambos negros sobre a luz do luar.

No fim, eles venceram a batalha. Libertaram seus irmãos e irmãs dos campos de desativação, as tropas se retiraram em um cessar fogo e os androides finalmente foram reconhecidos como uma nova forma de vida inteligente.

Eles estavam livres...!

E apesar de todos os tratados e acordos que precisavam ser feitos, eles já podiam comemorar essas pequenas vitórias. Androides não comiam nem bebiam, mas eles tinham sua própria forma de festejar.

Porém, Markus não festejava.

Ele estava feliz, é claro, afinal, depois de décadas de escravidão, seu povo agora estava livre... Mas havia algo que perturbava seu coração dia após dia.

Seu coração...? Não.

Aquele coração não lhe pertencia.

"Nossos corações são compatíveis." Simon havia dito antes de arrancar aquela pequena peça azul neon tão importante de seu próprio peito e entrega-lo a Markus, ignorando todas as suas objeções. "Salve nosso povo, Markus." Essas foram suas últimas palavras carregadas de estática antes de desligar-se nos braços do líder divergente.

Markus havia salvo o seu povo, mas não conseguiu salvar Simon.

O androide loiro estava ao seu lado desde o dia que havia caído em Jericho, e no fim, Simon abriu mão de sua própria vida para que Markus vivesse e cumprisse o seu propósito.

Mas agora, ele sentia-se... sozinho. Vazio... Esse sentimento era como um vírus corroendo seu sistema.

Era isso que os humanos chamavam de culpa?

Nos primeiros dias após a batalha, havia muito a ser feito. Aquele seria um inverno rigoroso, e as ruas vazias estavam cobertas de branco. A neve sepultando seus irmãos e irmãs caídos no frio. Era realmente uma visão deprimente. Alguns dos mortos poderiam ser concertados e reativados sem muito problema, mas a grande maioria... havia sido brutalmente executada, para que nunca mais se levantassem de novo.

E enquanto trabalhavam recolhendo os corpos, Markus encontrou-o ali, no mesmo lugar em que o havia deixado naquela noite sangrenta. Coberto de gelo e neve. E lá vem aquela dor novamente.

Foi quando uma ideia surgiu. Era loucura, mas Markus não poderia simplesmente descartar seu melhor amigo assim!

Simon havia se desligado a muito tempo para ser reparado facilmente, e todo aquele frio provavelmente havia danificado seus biocomponentes vitais, o que tornava a reativação praticamente impossível. Simon estava definitivamente morto, mas como um modelo RK criado para resolver problemas, Markus não iria aceitar isso tão facilmente.

Ele iria trazê-lo de volta.

Parecia egoísta, ele sabia disso, mas Markus não poderia viver sem Simon. Seu Simon... Não depois de demorar tanto tempo para compreender o que sentia pelo outro androide.

— Reativa-lo!? — Repete Josh surpreso, de seu canto.

— Exatamente. — Markus respondeu, andando de um lado para o outro pelo porão de Carl, movendo todas aquelas caixas cheias de antiguidades de um lado para o outro.

Ele havia retornado a casa do velho pintor uma semana após a batalha e os primeiros acordos com a Presidente Warren. Carl estava mais do que feliz em ter seu filho androide de volta em casa, e não se importou quando Markus perguntou se poderia limpar uma parte do porão para montar uma oficina.

— Markus, eu te entendo, mas... — Josh suspira e cruza os braços e olhou para os próprios pés — Também tenho saudades do Simon, mas temos que aceitar que ele se foi.

— Josh, — Markus para em sua trilha para olhar pera seu amigo por um instante. Aqueles olhos bicolores estavam cheios de determinação. — preciso tentar. — Então ele volta a andar.

Josh ia dizer algo, mas parou quando North descansou uma mão em seu ombro, chamando sua atenção.

— Você sabe que ele não vai mudar de ideia. — Diz a androide fêmea, e Josh suspira em derrota, movendo-se para ajudar Markus com as caixas e todas aquelas quinquilharias. North coloca as mãos na cintura e olha para o androide moreno — Diga-nos do que precisa, e encontraremos.

Eu, Amor (EM HIATO TEMPORÁRIO)Onde histórias criam vida. Descubra agora